CENAS DE UM CARNAVAL EM BISSAU EM 1970
Estávamos em 1970, o Carnaval estava à porta e, apesar da guerra, em Bissau sempre havia algumas comemorações desse período que antecedia, e ainda antecede, a Quaresma.
Em Bissau tudo era
diferente e tinha sabor a saudades da santa terrinha, mas havia sempre foliões,
dentro dos condicionalismos que se viviam.
No QG - mais
propriamente na CCS - havia um jovem sempre bem disposto, sempre com uma graça
na ponta da língua, mas que afinal de contas teria as suas razões para não se
sentir assim tão bem. Constava que teria vindo de Angola, “premiado” com algum
castigo, e andaria por ali à espera que os eventuais problemas tivessem
solução. Era o Jóia, como era conhecido em todo o lado.
Assim, o Jóia, que era mesmo uma Jóia no trato do dia-a-dia, nesse domingo de Carnaval resolveu vestir-se à Fula, embrulhou-se nuns lençóis e lá foi até à cidade brincar e confraternizar com os amigos que tinha - e eram muitos.
Mas o Jóia, amigo do
seu amigo, nunca desperdiçava uma cerveja, de preferência das bazoocas, e lá
foi correndo todos os pontos de interesse de Bissau, a começar pelo Santos,
logo à saída da porta de armas de Santa Luzia, desde o Império, passando pelo
Benfica, desde a Solmar até ao Solar do Dez, ao Portugal e ao Internacional, ao
Zé da Amura, ao Bento até que chegou ao novel Pelicano, cheio que nem um ovo,
dada a novidade daquele novo estabelecimento de dois pisos e com belas vistas
sobre a Avenida Marginal e Ponte Cais de Bissau.
Porém, nessa confusão de gente o Jóia terá dado um encosto a um camarada à civil, que não gostou da brincadeira e o terá mimoseado com alguns murros. O Jóia, naquela circunstância, não deixou cair a sua honra de combatente pelo que desatou, rapidamente, parte dos lençóis respondendo com as suas mãos à dita pessoa à civil, que terá ficado estendido no chão do café.
Entretanto o Jóia terá
dado mais umas voltas pela cidade mas regressou ao Quartel-General, onde já
tinha recado para no outro dia se apresentar ao Comandante. Era a vida…
E o Jóia lá foi no
outro dia ouvir o Comandante, que lhe terá perguntado se sabia quem era a
pessoa a quem tinha dado uma sova no dia anterior. Claro que o Jóia não sabia,
ao que o Comandante lhe disse que o outro camarada era um Alferes paraquedista.
Então aí o Jóia não se calou e terá respondido ao Comandante: “Não me diga, meu
Comandante. Se aquele era um Alferes paraquedista, eu vou lá acima e derreto o
Batalhão todo!”.
O Comandante já teria
falado com o médico da Companhia e o Jóia foi encaminhado para a Psiquiatria do
HM 241. Chegou lá, e a primeira coisa que terá feito foi dar um murro no tampo
de vido da secretária do Médico, vidro esse que se partiu em mil bocados.
Resumindo, passados
poucos dias, o Jóia tinha regressado à Metrópole e corria por lá a notícia que
os processos tinham sido arquivados e o Jóia teria passado à vida civil ainda
durante a Quaresma.
Apesar de tudo, nesse
ano o Carnaval foi a salvação do Jóia que andava por ali esquecido.
Carlos Pinheiro
1 comentário:
Pois é... o "Carnaval"
Sempre me lembro de ouvir dizer que "é carnaval, ninguém leva a mal" para justificar e ilibar as palermices que, a pretexto do evento, se iam fazendo.
E, sendo assim, o "Jóia" não estava a destoar dos conceitos da sua época e, valha a verdade, também as situações ajudavam a sair-se dessa forma ou semelhante.
Esse foi o Carnaval de 1970.
Na época ainda eu estava por cá, pela "Metrópole". Creio que em Tancos.
Mas o de 1971 já o passei na Guiné, em Piche. E as recordações não são nada boas.
Para mim e principalmente para umas boas dezenas de elementos que participaram numa malfadada operação denominada "Mabecos".
E, desde aí, para mim, nunca mais houve Carnaval.
Abraço
Hélder Sousa
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