terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

P1277: RESQUÍCIOS DA PASSAGEM DE ANO 1969/1970...

               VERSOS À BISSALANCA

A Base de Bissalanca era na Guiné a nossa segunda casa.

Na época do Natal, mais propriamente, na passagem do ano de 1969 para 70, no Hospital da Terra-Chã- Ilha Terceira Açores, o grupo de enfermeiras que aí se encontrava, a Júlia, Rosa Mota, Delfina e eu, estávamos com um amoque - uma profunda tristeza como costumávamos dizer - por ali estarmos colocadas, rodeadas pelo mar por todos os lados.

 Dias antes tínhamos feito um lindo presépio e colaborado ativamente numa festa de Natal para os doentes internados. Chegado o dia da passagem de ano, resolvemos que  tínhamos que nos animar. As saudades que sentíamos pela ausência dos nossos familiares e amigos eram grandes, principalmente nessa data festiva. Resolvemos que o passaríamos todas juntas e não deixaríamos só a colega que estava de serviço noturno. Contudo estávamos tristes e um pouco de rastos. Lembrámo-nos um pouco de tudo, mas principalmente de outras colegas que naquele momento estariam em piores condições. Foi desse modo, que a nossa conversa se animou e o nosso pensamento voou até à Guiné.

Como eu dizia que sabia fazer versos de “rima de pé quebrado”, resolvi fazer para cada uma uns versos que estivessem de acordo com o seu modo de ser, adaptando as músicas de canções da época. Foi assim que Bissalanca também ficou contemplada.

Bissalanca acompanhou-me por toda a vida e acabei por a relembrar com os tais versos, (rima de pé quebrado). O pessoal ensaiou e cantou os vários versos feitos após o jantar, acabando por os gravar. Abrimos uma garrafa de espumante e, com uns bolos que já tínhamos preparado, entrámos pela noite e saudámos o Novo Ano fazendo a sua passagem à nossa maneira. Deste modo conseguimos amenizar o ambiente e esquecer um pouco as saudades.

Nos anos 1963/64 comandava a Zona Aérea o Ten. Coronel Durval e o 2º comandante Cara de Anjo. Estava previsto ser feita uma piscina no terreno que se situava atrás da capela, mas essa nunca chegou a existir e o espaço servia para o pessoal fazer encontros de futebol, para descontrair e melhorar a sua condição física.

Então, aqui ficam os versos surgidos nesse serão:

VERSOS À BISSALANCA

          I

Oh! Bissalanca terra de perdição

Não sei dizer, ai não, ai não

Porque te trago dentro do coração

Se pelas seringas ou pelo avião

          II

Terra muito variada

Mandingas, Fulas Papeis

Mas nós não nos esquecemos

Dos Joões, Zés e Maneis.

          III

Avenidas lá não há

Cinemas, não os há também!..

E a piscina em construção

Já não interessa a ninguém

          IV

Há um avião no ar!..

Mas meu Deus que confusão

Com a TAP a aterrar

No dia do São Avião

          V

Querem todos lá chegar

Vamos nós e os demais

Para ver passar as meninas

E recolher os jornais

          VI

Toca o telefone, ou o alarme

Minha alferes não se demore

Se não é para a pista, é para o ar

Deixe o prato e traga a fome

          VII

Os roncos vão levantar

E os tubarões, também

Os turras estão a atirar

E não respeitam ninguém.

          VIII

Gosse gosse, toca a andar

Depressa com o trabalhinho

Minha alferes não se demore

Senão, lá vem um tirinho!..

          IX

Que o turra pode espreitar

Na chegada ou na largada

Cravar a marca da casa

Com a célebre morteirada!..

       Estribilho

Oh! Bissalanca terra de perdição…

 

Nota: A música era de uma canção do João Maria Tudela.

Mª Arminda Santos

Enf.ª Paraquedista

3 comentários:

Carlos Pinheiro disse...

Espectacular. Muitos parabéns à poetisa e à sua inspiração. Beijinho.

joaquim disse...

Que “coisa” tão linda Maria Arminda! Parabéns! Um beijo amigo

Hélder Valério disse...

Minha estimada amiga Arminda

Peço desculpa por só agora comentar mas não podia deixar de o fazer.
Os versos, de pé-quebrado ou não, mostram bem como a realidade vivida pode ser retratada, e/ou relembrada, de modo bem assertivo.
E também não deixa de ser curiosa a forma como as então jovens enfermeiras evidenciaram a sua solidariedade com quem estava de serviço e arranjaram modo de mitigar as saudades dos familiares e amigos/as.

Um beijinho.