MEMÓRIAS DO CORONEL FOITINHO
Numa viagem de autocarro de Lisboa para Évora para um convívio da Companhia de Caçadores 675 fomos companheiros de “banco” no autocarro. Já estão passados uns bons anos mas dessa viagem “ficaram-me” memórias que ainda não consegui “apagar” da minha cabeça…
Foram quase duas horas de amena cavaqueira que
deram para “troca de memórias” que, apesar do tempo decorrido – quarenta e tal anos depois – nunca mais
acabam.
Uma
“estória” de que foi protagonista único o então ”Alferes Foitinho” tocou-nos
particularmente. Tem a ver com uma demorada caminhada de... apenas umas dúzias
de metros!
O
nosso Alferes, depois de cerca de um mês a comandar interinamente a C.Caç. 675,
preparava as suas “coisas” para voltar ao Batalhão pois o nosso Capitão Tomé
Pinto, regressado do HM 241, de Bissau, tinha voltado a Binta.
A
terminar o seu relatório (verbal) o Alferes Foitinho referiu finalmente que
tinha colocado uma «armadilha» – granada defensiva com arame de tropeçar – num
trilho do lado do Cacheu, frente a Binta. No Oio.
– “Fizeste bem mas antes de ires para Farim vais lá desarmá-la. Só tu é que sabes exatamente o local.” – disse com sua voz tranquila de comando o nosso Capitão.
O Alferes Foitinho olhou para os seus pertences e... não tinha que enganar. Teriam que esperar mais algum tempo pelo dono!
Pôs-se a caminho e chegado ao outro lado do Rio Cacheu… o trilho estava à vista, mas... onde é que era o local certo?! Como num mês tinha crescido o capim!
Onde
é que estaria exatamente a armadilha e o seu arame “mortífero”?!
O Alferes Foitinho coçou a cabeça, ajoelhou-se e... deitou-se no chão. Teria que rastejar, cautelosamente, centímetro a centímetro até encontrar (e tocar) no arame sem nele tropeçar. Começou a rastejar e a suar... copiosamente. O calor da tarde estava por todo o lado. Com uma mão à frente da cabeça ia afastando lenta e cuidadosamente as ervas do trilho.
Na floresta a passarada foi-se
habituando à sua presença silenciosa e recomeçou a fazer o que tinha
interrompido. O problema era mesmo do Alferes Foitinho. Uma macaca e os seus
filhotes passaram por perto, pararam momentaneamente… e afastaram-se.
O
que faria por ali, com tanto calor, aquele jovem branco (teria pensado a
macaca)!?
O
Alferes Foitinho suava enquanto ia rastejando. Onde estará o arame?! Passaram
mais alguns minutos que lhe pareceram horas. Sentou-se para respirar melhor e
descansar um pouco. A roupa colava-se-lhe ao corpo e o suor, que lhe corria
copiosamente da testa, quase não o deixava ver...
“Calma...
tens que ter calma. O arame há-de estar por aí. Tenho que o ver… antes de lhe
tocar. Armadilha do cara... do caraças!”
E
pensava com inveja que a malta da Companhia estava do outro lado do rio a
dormir a sesta!
Que
calor, gaita!
“Bem,
vamos a isto... Rastejar com calma e... passo certo. Já passei por coisas
piores. Macacos me mordam se... não é o arame!”
Já
não era sem tempo. Afinal ali estava ele. O malvado do arame! “Agora... é com
calma. Levantar-me devagarinho e afastar as ervas. Ok. Está à vista. E... está
feito. Armadilha do cara... do caraças!”
Finalmente voltou ao aquartelamento. O Capitão Tomé Pinto preparava uma operação para o dia seguinte.
–
“Demoraste, pá. Já pensava que te tinhas ido embora sem te despedires. Mais uma
vez obrigado por tudo o que fizeste. Cumprimentos ao nosso Ten. Coronel
Cavaleiro e... vai dizendo coisas.”
Depois
de uma chuveirada, o Alferes Foiteiro fardou-se pela segunda vez e arrancou
para Farim. Olhou mais uma vez para lá do Cacheu. Ia jurar que tinha emagrecido
5 quilos nas últimas duas horas...
“Armadilha do cara... do caraças!”
JERO
1 comentário:
Olá Jero
Tenho por bom, como "medida acertada, correcta", que o regressado Comandante tenha ordenado, indicado, pedido, etc. ao jovem Alferes, que fosse desmontar a armadilha que tinha montado.
E efetivamente, pelo relato das "ação de desmontagem" revelou-se uma elementar decisão de bom senso.
Se quem a tinha montado suou a bem suar as estopinhas para encontrar a "bichinha" qualquer um outro que tivesse por missão fazer o mesmo, só por sorte. Por muita sorte.
Se perdeu ou não 5 kg isso agora será irrelevante, admitimos contudo que o stresse, a ansiedade, a angústia devem ter feito, pelo efeito da transpiração, perder realmente algum peso.
Mas "correu bem". E ainda bem!
Mais uma coisa que relata "tempos idos" que muitos não compreendem e que até serão capazes de pensar que "não deve ter sido bem assim".
Aqui ficou então o registo.
Hélder Sousa
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