BORRASCA
NO PILÃO
![]() |
Juvenal Amado |
Sentado do lado da janela, parecia um pardal
de telhado sempre ao saltos. Muito magro, pequeno, pouco maior que uma G3,
fui durante toda a viagem de regresso à Guiné motivo de animação.
Quando avião se fez à pista e comecei a ver o
arame farpado a correr veloz, o meu semblante transformou-se ligeiramente.
- “Já estamos de regresso ao arame farpado
novamente” - disse com algum desânimo.
As férias tinham corrido rápidas, os dias tinham-se-me escapado por entre os dedos; agora, no corredor de rumo à saída do 727, pensava
no calvário que ia passar até
chegar a Galomaro.
Ainda sentia o cheiro dos lençóis e a frescura daquele Novembro, que havia escassas 3 horas tinha deixado para trás.
Ainda sentia o cheiro dos lençóis e a frescura daquele Novembro, que havia escassas 3 horas tinha deixado para trás.
Cada passada que dava me aproximava da porta,
a hospedeira desejava-nos sorte. Tão apreciada durante toda a viagem, o seu
sorriso depressa se diluiu nas ondas de calor, que me atingiu quando cheguei às
escadas. A roupa ardia, com o corpo ainda à
temperatura do ar condicionado.
Vou para os Adidos. Apresentei-me já sabendo
que seria escalado para tudo que era serviço. Tenho que sair de Bissau
rapidamente...
A mistura de periquitos e veteranos fazia uma
manta de retalhos. Os braços e joelhos branquinhos contrastavam com os rostos
tisnados da malta mais velha.
A noite foi passada em cima do colchão sem
lençóis e todo vestido, pois sabia lá quem já tinha dormido naquela cama…
No dia seguinte - foi fatal - estou de
piquete...
Quem comandava o piquete era um furriel
novinho em folha, tão branco e magro, o suor corria-lhe em bica e dava-lhe um
aspecto quase transparente. Pensava eu: “Ou muito me engano ou se houver
chatice, vai ser complicado convencer o furriel de que não deve fazer ondas”.
Segundo era voz corrente, no Pilão conviviam com
a população clandestinos do PAIGC, comandos africanos, fuzileiros e prostitutas…
Estas eram responsáveis pelas visitas dos soldados às enfermarias com maleitas
que por vezes faziam temer o pior em relação ao futuro reprodutor dos mesmos.
Assim, estava eu a rogar a todos as santinhos
que não houvesse problemas lá para aqueles lados, quando o piquete foi chamado.
Estava visto que as minhas preces não tinham sido ouvidas…
Tinha estalado um fogachal com
rebentamentos à mistura bem no meio do bairro.
Olho à minha volta, três ou quatro soldados mais velhos, os restantes acabados de chegar. Um Unimog com o nosso furriel no comando dirige-se para os cavalos de frisa da entrada do bairro. Os clarões estão cada vez mais perto e ouvem-se tiros.
Olho à minha volta, três ou quatro soldados mais velhos, os restantes acabados de chegar. Um Unimog com o nosso furriel no comando dirige-se para os cavalos de frisa da entrada do bairro. Os clarões estão cada vez mais perto e ouvem-se tiros.
Nós não conhecíamos o bairro, nem tínhamos qualquer
preparação para lá intervirmos.
- “Meu furriel, o melhor é não entrarmos lá,
sem que outros piquetes mais conhecedores lá entrem primeiro” - tentavam os velhinhos demover o
furriel. O bom senso ditava que aguardássemos que os piquetes de Bissau
interviessem primeiro.
Passaram os piquetes do Quartel General, dos
Comandos, Polícia Militar e não sei mais quantos. A coisa não dava sinal de
abrandar, o cheiro a incêndio era intenso. Por fim lá nos fizemos à vida e
entrámos também.
As cubatas queimadas, feridos e possivelmente
mortos deram-nos razão. Não teríamos salvação se tivéssemos sido apanhados
entre fogos, nem saberíamos donde nos chovia a fogachada.
![]() |
Galomaro |
Regressámos aos Adidos sem maiores danos. Já
de madrugada tentei dormir, lembrava-me do sorriso da hospedeira, da fresquidão
dos lençóis, dos sabores e perfumes de casa. Os mosquitos atacavam em esquadrilhas, estava demasiado
excitado para dormir.
Pensava: - Tenho que arranjar transporte para
o Xime numa LDG ou coisa parecida, rapidamente, pois lá perto está a minha
segunda casa...
Juvenal Amado