OS ENCONTROS ANUAIS DOS EX-COMBATENTES
Em
cima da data limite para as inscrições do XIV Encontro Nacional da Tabanca
Grande, que vai ter lugar em 25 de Maio próximo, em Monte Real, atrevo-me, como
membro sénior da Tabanca Grande e da Tabanca do Centro, a mais um testemunho
que tem a ver com os encontros anuais das nossas Companhias “originais”, que
foram aliás a razão principal para estarmos nas “Tabancas”, que prolongam no
tempo a memória da nossa passagem pela guerra do Ultramar.
No
que me diz respeito estive no passado dia 12 de Maio em Benavente para a 53ª.
confraternização da “minha” C.Caç. 675, que esteve na Guiné desde 13 de Maio de
1964 até passarmos à “peluda” em 4 de Maio de 1966.
Há
sempre uma expetativa especial quando chega a data de mais uma confraternização.
Como é que estarão os nossos velhos companheiros da guerra?
No
meu caso já passaram 53 anos (e 53 convívios) em relação a data de chegada a
Lisboa em 3 de Maio de 1966 a bordo do navio “UIGE”, vindos de Bissau-Guiné.
Este
ano o encontro foi mais uma vez em Benavente e com os ex-militares e suas
famílias juntaram-se 89 pessoas.
Antes
da missa, em memória dos camaradas que tombaram em defesa da Pátria e dos que,
segundo a lei da vida foram partindo já depois do regresso da guerra, o ex-alferes
Belmiro Tavares procedeu a leitura dos nomes dos companheiros que já não estão
entre nós, sendo cada nome saudado com um grito coletivo de “presente”.
Ainda
na Guiné morreram em combate o furriel miliciano Álvaro Manuel Vilhena Mesquita
e os soldados Augusto Gonçalves e João Nunes do Nascimento.
E
depois do regresso a Metrópole já nos deixaram mais 52 camaradas.
No ofício religioso estiveram presentes os
familiares do Álvaro Mesquita - sua irmã Teresa e seu sobrinho Francisco
Mesquita - que viajaram propositadamente de Vila Nova de Famalicão.
Em
relação aos presentes no convívio, e no que respeita aos antigos militares,
estiveram 39 ex-combatentes da 675, sob o comando do nosso eterno “Capitão do Quadrado”,
Ten. General Alípio Tomé Pinto.
A
grande novidade deste ano foi ter estado presente uma médica dentista, que
dentro de poucas semanas vai partir para a Guiné-Bissau como voluntária. Vale
a pena contar um pouco da sua história.
Esta
alcobacense (que acompanhou o JERO, seu amigo e vizinho de há muitos anos)
chama-se Manuela Fróis e parte em julho para a Guiné-Bissau para uma nova
experiência de voluntariado, atividade que a atraiu pela primeira vez em 1980.
Desde então, a médica dentista apaixonou-se pela missão de “apoiar aqueles que
tão pouco têm”.
Queria ser professora de
Português, mas numa família em que o patriarca era dentista, a alcobacense não
teve outra alternativa a não ser iniciar estudos para seguir a carreira do pai.
“Não queria seguir a área da saúde e acabei
por embarcar para Moçambique, país que à data se encontrava em confronto, para
ensinar português”, recorda a alcobacense. A aventura que deveria ser uma forma
de “bater o pé” face à decisão do pai, acabou por se tornar numa das suas
maiores lições de vida. “Quando regressei a Portugal, sabia que tinha de fazer
algo verdadeiramente significante para apoiar estas comunidades”.
Em 1994, formou-se como
médica dentista com a ambição de usar a licenciatura para um “bem maior”.
Seguiu-se uma pós-graduação em Paris, que apoiou a decisão de realizar ações
preventivas junto das crianças. Anos mais tarde, em 2008, rumou novamente ao
continente africano, desta vez para a ilha do Fogo, em Cabo-Verde, no âmbito de
uma ação da “Mundo a Sorrir”, Organização Não Governamental (ONG). A médica
dentista teve um papel ativo na educação de higiene oral dos nativos,
realizando consultas e apoiando aquela comunidade.
Em dois meses, Manuela
Fróis, que abandonou o emprego numa clínica em Lisboa para embarcar nesta
aventura, irá unir-se a outros voluntários que partem para a Guiné-Bissau para
trabalhar em áreas da saúde, saúde oral e em estilos de vida saudável junto das
populações em situação de vulnerabilidade socioeconómica. “Atualmente, a
Guiné-Bissau tem apenas um médico dentista e este dado revela a necessidade de
apoio desta comunidade”, sublinha.
Falar a língua nativa e
conhecer, o melhor possível, a comunidade que irá ingressar por tempo
indefinido é uma das maiores preocupações da médica. “Falar a língua, mesmo que
o básico, é o mais importante. A dificuldade que eles têm em entender termos
técnicos é muito semelhante àquela que temos em perceber alguns termos locais e
esta dificuldade ajuda a criar laços”, confessa.
Consciente das
dificuldades que irá enfrentar, a alcobacense está determinada em enfrentar os
desafios e a apoiar, dentro das suas possibilidades, os guineenses.
“Parto para continuar o
sonho de apoiar as sociedades mais deterioradas. Afinal foi para isso que me
formei nesta área”, conclui, com um sorriso.
E todos a queremos
encontrar dentro de alguns meses para saber novidades das gentes da
Guiné-Bissau e como correu a sua dignificante missão.
Que Deus a guarde e
acompanhe.
Terminamos
com a mensagem que o nosso Ten. General Alípio Tomé Pinto nos dirigiu :
Ӄ
com muita alegria que vos volto a encontrar e a ver que a Companhia continua a
crescer. Aos jovens de 22 e 23 anos que conheci na Guiné há mais de meio século
juntam-se agora filhos e netos, que são a mais-valia dos valores morais que
crescem ao longo dos anos com a família. Esses valores que transportaram do
passado estão aqui bem presentes.
Peço aos mais novos que acreditem naquilo que
os vossos avós vos contarem sobre a Guerra do Ultramar. Obrigou a muito
sacrifício porque as guerras não trazem coisas boas. Houve que conseguir a
superação de enormes dificuldades que motivaram o crescimento de uma amizade
especial que perdura tantos anos depois do regresso em 1966.
Peço finalmente
aos ex-combatentes que resistam. Que aguentem até aos 90 ou mesmo até aos 100
anos porque senão o nosso Alferes Tavares fica sem clientela. Renovo o meu
agradecimento por toda a simpatia que sempre manifestam por mim e pela minha
mulher, que Deus chamou a Si em passado recente. E até para o ano se Deus
quiser.”
O
tempo passou e não pára…
Escrever
é também uma tentativa de que a vida se prolongue para além de nós.
JERO
2 comentários:
Meu amigo Jero, uma excelente reportagem.
Sim senhor, é sempre gratificante ver com há quem persista em manter a memória viva.
Quem se disponha a fazer voluntariado e a justificar plenamente essa atitude.
Quem tenha um discurso limpo, coerente e motivador.
O que essa jovem conterrânea de Alcobaça vier a conseguir fazer, seja o que for, será sempre um ganho, uma vitória.
Depois até gostaria de saber, e dado que será a sua (dela) primeira vez na Guiné, e mesmo com as habituais "perturbações" já recorrentes da vida política daquele pequeno país, se irá "beber água do Geba", ou seja, se ficará a dizer "Guiné nunca mais" ou se será "Guiné terra sabi".
Abraço
Hélder Sousa
Obrigada amigo JERO, por esta reportagem
Recordo-me bem do Sr General Tomé Pinto e, que não esqueceu os seus camaradas.
Desejo à Sra Dra Manuela Frois as maiores felicidades e votos de bom trabalho, nessa terra que não esqueço.
É de louvar a sua atitude em se voluntáriar para um ambiente diferente, trocando assim, a cereza e a comodidade do seu quotidiano, pelo desconhecido e incerto, mas que acredito lhe dará muita satisfação e que mais tarde recordará a Guiné, com saudade..
Um abraço.
M Arminda
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