domingo, 28 de janeiro de 2018

P992: DO ANTÓNIO LÚCIO VIEIRA

Depois de um ano de 2017 farto de problemas de saúde, diz-nos o Lúcio Vieira:

“Este é, finalmente, o primeiro poema que escrevo, após a crise que me atingiu.
Agora ganhei coragem e escrevi-o…”
Com uma dedicatória especial para três amigos que me acompanharam na doença que quase me vitimou e que sempre estiveram ao meu lado durante todo o processo: o Carlos Pinheiro e o Manuel Ramos, companheiros habituais em Monte Real, e o José Rosa, um dos muitos e bons actores que tive a felicidade de dirigir ao longo dos meus anos de Teatro.”
CONFISSÃO

E medito.

Tenho por certo que a vida me devia ter sido
por mero acto de justiça, um projecto de felicidade.
Nasceram comigo incontáveis promessas
e inocentes esperanças. E eu sei um pouco de esperanças.
A minha mãe ergueu-me, peça a peça, ânsia a ânsia.
Depois concluiu-me e deixou-me, timidamente, ao futuro.

Um dia, imperfeito, surpreso e descuidado, descobri-te.
Encontrei a minha casa nos teus olhos
o meu sossego nos teus braços
a minha paz e a minha ventura nas tuas palavras 

e nos teus olhares tão ternamente eloquentes.

E descubro que tanta vez fui amado quando pouco amava.

Perdoem-me, se me amaram, os amores que mal mereci.
Confesso-lhes: como enamorado camoniano,
de deslumbrado coração,
quanto mais vos paguei em amor mais amor vos devi.

Mil e uma vezes confrontei as mortes.
Perdi-me algures, em remotos tempos
em duelos decisivos com homens com a razão na voz 
homens que clamavam pão e liberdade e depois 

anos depois, vesti-me de sapiências, de razão e de verdades.

Eu próprio me ensinei, vos digo.
Foi depois que se abateram as derrotas.
Fui confrontado ainda por amores que nunca entendi 

de mulheres que não amei o bastante enquanto as amava.

Agora, sem o clamor das trombetas, voltei à beira da mortalha.
Silenciosa e cobarde, a morte insidiou-se e quase venceu.
Voltaram os amores. Desta feita em redor de uma cama 
onde o corpo, por denodo, me resistia. Cúmplice,
aquela casa de salvação onde me acolhi, ergueu-se em armas 
em defesa deste atrevido e incrédulo paciente.

Depois de tanta morte ameaçada, tocou-me o soro da vida 

dos novos amores que, como outrora, mal mereço.

Sorriam-me os rostos quando abria os olhos na cama dos martírios.
Definhava-me o corpo e acendia-se a alma.
Outra, uma outra alma, onde cabiam todos os anjos da guarda, 
que sempre jurei não existirem.

Nunca acreditei em divindades, porém
sei bem que os meus anjos existem.
Os tais meus amores de que aqui vos falo. Sei-os comigo
ainda, agora, dentro e fora daquela casa de salvação 
onde dedicadamente me salvam. Onde todos eles se deram mãos
e me devolveram às tantas vidas a que já resisto.

E tu, anjo maior, estiveste sempre comigo, acredita.
Aqui, neste canto do peito onde, cioso, guardo
a memória dos meus novos anjos que não sabia existirem,
mas que, na heresia da descrença,
me protegeram dos momentos de agonia,
das mil mortes a que resisti e que ainda me envolvem
como uma sina a que só se deixa de fugir
apenas quando os nossos anjos partirem.

Entretanto, vagueei pelas sombrias ruelas da morte.
Coisa banal, não é?

Voltei. Não sei por quanto tempo esta ventura,
mas sei que é em vós, os meus anjo protectores,
que penso, sempre que penso na morte vencida
por obra e graça do amor e do saber de quem me resgatou 
e dos meus, dos corações que ainda não mereço 
e dos quais recebi a bênção de um outro amor maior 

a que vulgarmente se chama Amizade.

Confesso-vos que estou a transformar esse tão puro sentimento, 
naquilo que sempre me tem faltado.

Os poetas que conheço chamam-lhe Amor.

Quem sou eu para contrariar os poetas…

António Lúcio Vieira
Jan. 2018

4 comentários:

Juvenal Amado disse...

Parabéns Vieira pelo poema sentido que e´espelho de das tuas vivências.

Um abraço que a saúde seja um dado adquirido

Hélder Valério disse...

Caro António

Quando as coisas nos saiem "cá de dentro", é sempre notável.
Gostei de ler!
Abraço.
Hélder Sousa

Anónimo disse...

Boa noite António Lúcio Vieira
Parabéns pelo teu poema.Lindo. À tua maneira.
Bora viver.
Abraço fraterno,
JERO

Anónimo disse...

Boa tarde António Lúcio Vieira.
Parabéns por este seu lindo poema.
Foi o coração a falar...
Gostei e desejo-lhe melhor saúde para nos continuar a presentear com os seus poemas.

Um abraço.

Mª Arminda