Recentemente, um comentário do nosso camarigo
Alberto Branquinho no blogue “Luís Graça & Camaradas da Guiné” despoletou a publicação naquele blogue da
história (revista) da queda do DO-27 em que seguia a Enfermeira Paraquedista
Giselda Pessoa, no decorrer de uma evacuação, em 17 de Novembro de 1973.
Porque existia uma versão mais personalizada e mais completa (publicada no livro "Nós, Enfermeiras Paraquedistas"), foi essa que disponibilizei para publicação. E já agora republica-se o texto (agora revisto) neste blogue, quatro anos depois da primeira edição, pois temos camaradas chegados mais recentemente que muito provavelmente ainda não leram esta história.
Porque existia uma versão mais personalizada e mais completa (publicada no livro "Nós, Enfermeiras Paraquedistas"), foi essa que disponibilizei para publicação. E já agora republica-se o texto (agora revisto) neste blogue, quatro anos depois da primeira edição, pois temos camaradas chegados mais recentemente que muito provavelmente ainda não leram esta história.
Miguel Pessoa
UM DO-27 NO CHARCO DO COMO
Na manhã do dia 17 de Novembro de 1973 o
Centro de Operações do Go1201, na BA12, recebe um pedido de evacuação, vindo de
Catió, tendo de imediato destacado um avião DO-27 para efectuar essa missão. A
equipa de alerta era constituída pelo Fur. Ivo Mota, da Esq. 121, e por mim,
Enfª Paraquedista Giselda Antunes, juntando-se a nós a Enfermeira Paraquedista
Natália Santos, acabada de chegar à Guiné e que, por ser "pira",
acompanhava as "veteranas" nas evacuações, para "ganhar
calo".
Estava-se já na época pós-Strela, que
tinha trazido diversas restrições à navegação aérea. Entre a opção de subir
para 10.000', descendo depois à vertical do destino, o piloto optou pela outra
opção possível, que era a de efectuar todo o voo a baixa altitude (50' a 100'
sobre o terreno - o correspondente a 15 a 35 metros), o que implica um risco
acrescido no caso de uma falha no motor.
Para evitar zonas mais perigosas o
piloto decidiu então seguir ao longo da linha de costa, sobre a água, contornar
a ilha de Como (refúgio do PAIGC), subir o rio Cumbijã e, atingido Cufar,
dirigir-se em linha recta para Catió.
O voo decorria normalmente a baixa
altitude; à passagem por Bolama tivemos a oportunidade de ver o navio que fazia
o transporte de víveres e material, que se dirigia para sul. O DO-27 não
parecia ressentir-se de qualquer problema resultante do incidente da véspera. O
avião sofrera um choque com um pássaro que lhe tinha acertado no hélice, mas a
inspecção feita ao avião no intervalo dos dois voos não tinha detectado
qualquer anomalia.
Quando sobrevoávamos os tarrafos ao lado
da ilha de Como, o avião resolveu "apagar-se" - o motor parou
repentinamente, obrigando o piloto a uma reacção rápida para preparar uma
aterragem de emergência. Dada a baixa altitude a que seguiam, a única solução
era "poisar o estojo" na direcção em que seguiam, em pleno tarrafo, o
que o piloto fez - diga-se - com bastante êxito, pois o avião ficou atolado no
lodo, mais ou menos direito, tendo os ocupantes saído ilesos desta aterragem
(ou mais propriamente "alodagem").
Quem esteve na Guiné sabe bem as diferenças no contorno das margens (no mar ou nos rios) entre a maré cheia e a maré vazia. Neste caso era hora da maré baixa e a água, tendo descido, deixara o tarrafo coberto de uma espessa camada de lodo.
Quem esteve na Guiné sabe bem as diferenças no contorno das margens (no mar ou nos rios) entre a maré cheia e a maré vazia. Neste caso era hora da maré baixa e a água, tendo descido, deixara o tarrafo coberto de uma espessa camada de lodo.
Rapidamente abandonámos o avião
procurando, atascados no lodo, alcançar uma zona de águas mais profundas, onde
pudéssemos, mergulhados, ficar menos expostos a olhares da margem e ser
eventualmente "pescados" pelo navio que pouco antes tínhamos visto a
navegar naquela direcção.
Na realidade era grande a nossa
preocupação com a nossa segurança pois a zona em que tínhamos caído era
completamente dominada pelos guerrilheiros do PAIGC e a população existente
totalmente controlada por aqueles.
Para além da eternidade que demora a
passar o tempo naquelas condições, não dá a esta distância para especificar o
que senti. Claro que a aproximação do navio por que tínhamos passado e o facto
de sabermos que a Base detectaria a nossa ausência nos transmitia algum
optimismo. Nem por isso deixava eu de empurrar a “pira” Natália para dentro de
água quando ela, ainda inexperiente e não se apercebendo da gravidade da
situação, se tentava levantar para ver melhor à volta... Tentávamos mesmo não
lhe dar a entender o perigo que corríamos, pois não ganhávamos nada em pô-la
ainda mais nervosa.
E ainda me ressoava na cabeça a reacção
do Ivo Mota quando nos afastávamos do avião, depois da queda, que me dizia com
uma franqueza ingénua “Ó Giselda, ainda bem que foi contigo!”. Claro que
respinguei com ele embora tivesse compreendido o alcance das suas palavras – já
tínhamos um ano de convívio na Guiné e tínhamos confiança um no outro. Por isso
ele sentia-se mais à vontade comigo ali.
O piloto tinha decidido entretanto
regressar ao avião para recolher a arma que o DO-27 transportava dentro de uma
caixa que servia de banco ao pessoal que era transportado na parte de trás.
Dada a dificuldade de progressão, tive que o acompanhar para o ajudar, pois já
evidenciava algumas dificuldades em regressar ao local em que tínhamos deixado
a Natália.
Ter-se-iam passado duas horas desde a
aterragem forçada no local quando começámos a ouvir o barulho de um motor.
Detectámos então uma embarcação do tipo Zebro que se aproximava do local,
atraída pela silhueta do DO-27 atolado. Desconfiados, continuámos metidos na
água pois a distância não permitia uma identificação eficaz do pessoal que se
aproximava. Sofremos uma grande desilusão quando vimos o zebro afastar-se da
margem. Passados uns largos minutos ouvimos novamente o barulho do motor. Com o
regresso do zebro, chegando agora a uma distância mais curta, pudemos verificar
que os tripulantes eram brancos, o que nos levou a chamar a sua atenção.
Rapidamente fomos recolhidos e levados para o navio de guerra a que o zebro
pertencia e que se aproximara entretanto do local.
Na BA12, entretanto, alertados pela
falta de reportes do DO-27, tinham mandado descolar um Fiat G-91 que, seguindo
o percurso mais provável voado pelo DO veio rapidamente a localizá-lo no
tarrafo. Imediatamente a Força Aérea pediu a colaboração da Armada, que
deslocou uma segunda embarcação para o local.
Terá então havido aqui alguma falta de
comunicação pois o segundo navio atarefava-se na busca do piloto no local
quando este já se encontrava no primeiro navio. Mas mais vale a mais do que a
menos...
O facto é que, depois de recuperada pela Armada, mesmo sem dispor de material (perdido no acidente) ainda fui fazer a evacuação a Catió, num outro avião entretanto disponibilizado, que "serviço é serviço"... Não tendo comido nada durante todo o dia, fui salva por umas castanhas que transportava no meu camuflado e que tinham resistido ao banho…
O facto é que, depois de recuperada pela Armada, mesmo sem dispor de material (perdido no acidente) ainda fui fazer a evacuação a Catió, num outro avião entretanto disponibilizado, que "serviço é serviço"... Não tendo comido nada durante todo o dia, fui salva por umas castanhas que transportava no meu camuflado e que tinham resistido ao banho…
No dia seguinte, uma LDG da Armada
iniciou os trabalhos de recuperação do avião, aproveitando a fase da maré alta,
que permitiu a aproximação ao local. A içagem do avião infelizmente não
decorreu tão bem como se pretendia. Na primeira tentativa o DO acabou por cair
novamente à água, ficando ainda mais danificado… Provavelmente foram maiores os
estragos nessa altura do que na altura da queda!
Não foi no entanto importante, pois o destino dele seria sempre a sucata. A deformação da estrutura e a corrosão da água do mar tinham provocado danos irreparáveis no avião.
Podemos imaginar que o fim feliz deste
acontecimento se deveu a um conjunto de factores favoráveis que podiam muito
bem não ter acontecido:
O facto de o avião voar bastante baixo,
não sendo observável das tabancas existentes;
A aproximação final do avião ao ponto de
queda com o motor parado, não tendo, pelo seu silêncio, alertado ninguém
próximo (detectou-se depois uma tabanca com população presumivelmente hostil a
cerca de 700 metros);
A existência de um navio da Armada, em
missão de vigilância próximo do local, o que permitiu a rápida recuperação dos
ocupantes do DO-27.
Giselda Pessoa
4 comentários:
Como é que a Giselda e o Miguel não haviam de casar um com o outro!!!
Os "trambolhões" na Guiné acabaram por os unir´e ainda bem para todos nós, seus amigos!
Grande abraço
Joaquim
Que extraordinário aventura. E que privilégio ter entre os nosso Camarigos o CASAL STRELA !
Abraço-vos com muita estima,
JERO
Olá Giselda!
Já era conhecida essa estória da Guiné, mas interrogo-me, se tu e o piloto não poderiam ter outra ideia menos húmida de assustar a piriquita Natália. Se calhar não!
Beijinho
JD
Olá, Giselda!
Venho aqui fazer duas sugestões:
1ª. - Sugerir que seja registado o neologismo "alodagem";
2ª. - Sugerir que seja também aqui publicado o texto da página 314 do mesmo livro: "É só desgraças!" (e, já agora, também o registo da nova saudação à bandeira...)
Um beijo
Alberto Branquinho
(Nota: O JD manda um "beijinho" porque pensa que, assim, paga menos impostos!)
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