segunda-feira, 27 de março de 2017

P896: A RECRUTA DO JERO

ANO DE 1962 – UM VERÃO BEM QUENTE !

Esta fotografia de grupo recorda-me muita coisa e não é nada nova. Corresponde ao final da minha recruta em 30 Setembro de 1962 do C.S.M. na Escola Prática de Cavalaria, em Santarém. 3º. Esquadrão - 4º Pelotão.
Tinha – e tenho – uma mania que herdei do meu saudoso Pai. Escrever no verso das fotografias as datas e o nome das pessoas que constam das ditas. Esta foto tem portanto 55 anos e “apanha”, em diversos planos, 33 indivíduos !

Engloba os instrutores (um oficial, o Aspirante Tomás, o Furriel Teixeira, o 1º. Cabo miliciano Martins e o 1º.Cabo 52) e 29 recrutas. Como era costume ao tempo muitos recrutas eram conhecidos e tratados pelos nomes das suas terras de naturalidade.

Havia rapaziada de Lisboa, Oliveira de Azeméis, de Cabo Verde, dos Açores, de Viana do Castelo, de Santarém, de Odivelas, de Freixo de Espada à Cinta, de Alcobaça, de Vila Real de Santo António, de Figueira da Foz, de Viseu, Leiria e Viana do Castelo. E também muita malta com alcunhas. Mas não as vou referir pois afinal constam da identificação que está nas “costas” da minha fotografia e que passo a referir com a secreta esperança de que alguém que venha a ler o nosso blog se “reconheça” e diga coisas…


 Em 1º. Plano, de cócoras(da esquerda para a direita): José Manuel (Lisboa), S. Silva, João “Grande”(Lis­boa),Eduardo “Bailarina” (Oliv. Azemeis), Évora (Cabo Verde), Furriel Teixeira (Santarém), Vasconcelos (Açores), “Nódoa”, “Viana do Castelo” e Gustavo (Açores).
2ª. fila(de pé): David (reg. agrícola - Santarém), Rijo, Natal (Lisboa), Eduardo “Cardíaco” (Odivelas), 1º.Cabo 52, Rocha (Freixo de Espada à Cinta), Aspirante Tomás, 1º. Cabo Milº. Martins, Viegas(Lisboa), José Eduardo (Alcobaça), “Professor” e “Gordinho”.
Em cima do tanque: “Agrícola”(Santarém), Correia “Peixe-Espada”(Vila Real Stº.António), “Figueira da Foz”, Rui (Lisboa). De pé: “Carteiro”, Ricardo (Viseu), “Plantão” (Açores), “Leiria”, 406 (Viana Cast.) e Esteves.
  
Deixámos de ser civis em 31 de Julho - a incorporação deu-se em 1 de Agosto – e dois meses depois éramos convictamente militares. No meu caso 2 meses e 12 quilos a menos…


José Eduardo Reis de Oliveira, Grupo sanguíneo «A»
Número de matrícula 1961/G/1399, Classe 1962
Arma ou serviço – Serviço de Saúde
Altura 1m,74. Alistado em 8 de Agosto de 1960
Incorporado em 1 de Agosto de 1962 .
Pronto da escola de recrutas em 30 de Setembro de 1962.
Tiro de carreira – Esp. Mauser n/947 – 3ª. classe.

Vou tentar transmitir algumas das memórias que ficaram depois de 55 anos passados. Mas desta fase da minha vida nem tudo são números e categorias pois nos intervalos da instrução também conseguíamos ter algumas “imagens”, que vou tentar recordar.

A entrada e recepção na parada do Quartel foi assustadora. Ainda estávamos vestidos à civil e já éramos tratados abaixo de cães. Estava à nossa espera o Comandante do Quartel, Ten. Coronel Homero de Oliveira Matos, que nos insultou de alto abaixo.

Nunca mais esqueci o momento nem a cara do dito senhor. A esta distância do tempo e depois de toda a experiência que passei ao longo dos 4 anos de vida militar que cumpri, não tenho dúvida nenhuma em afirmar que não era por um Chefe como aquele que eu daria “o peito às balas”…

Mais tarde e quando já em plena recruta tivemos por perto os nossos instrutores esse sentimento de “ódio visceral” atenuou-se e desapareceu mesmo. O Aspirante Tomás e o Furriel Teixeira levavam-nos ao “sacrifício” sem deixarem de nos tratar como gente.

Os trabalhos de estrada eram difíceis devido principalmente ao calor do Verão de Santarém, mas em cada dia que passava nos sentíamos mais preparados.

A comodidade das casernas no entanto não nos ajudava, nomeadamente quando, durante a noite  éramos “atacados” por percevejos… Passei longas horas a esfregar-me com álcool - que comprei numa farmácia da cidade - depois do toque de ordem, sem conseguir vislumbrar o “inimigo”.

Nos fins de semana quando vínhamos a casa conseguíamos recuperar alguma coisa, mas que foram 2 meses bem compridos não haja dúvida !

A comida no quartel era muita má e passei muito dias esfomeado porque não conseguia comer nada ao almoço. E não era só eu. Conseguíamos recuperar as forças depois da saída do quartel ao fim da tarde, comendo à nossa custa, está claro.

Tivemos um dia especial quando durante um trabalho de estrada passámos por uma vinha e “recolhemos” em marcha acelerada alguns cachos de uvas que nos souberam pela vida. O dono da vinha é que não achou muita piada ao nosso “golpe de mão” e apresentou queixa no quartel. Lá se foram à vida por alguns dias as nossos saídas à cidade depois do toque de ordem...

E finalmente chegaram ao fim os 2 meses da recruta.  Depois da fotografia com que iniciamos as linhas deste nosso testemunho despedimo-nos uns dos outros com abraços e lágrimas nos olhos.

E o abraço mais sentido foi ao nosso Aspirante Tomás que, uns 3 anos mais tarde, vim a encontrar numa operação na Guiné. Era então já Tenente. Cheguei-me a ele e disse-lhe que tinha sido seu recruta na EPC de Santarém. Que grande abraço trocámos!

São estas as boas recordações da vida militar…que chegaram à vida civil e nos continuam a acompanhar mais de meio século depois de acontecerem. No Verão quente de Santarém de 1962.

JERO   


3 comentários:

joaquim disse...

As recrutas trazem-nos sempre lembranças extraordinárias, a maior parte das vezes, lembranças infelizes de que agora nos lembramos com um sorriso, mas ainda com um "amargo de boca", também.

O José Eduardo, tal como nos habituou, tem na sua memória os nomes dos seus camaradas e é muito engraçado lembrar-mo-nos das alcunhas que se foram dando a cada um na tropa.

Lembro-me que na minha recruta em Mafra, um dos cadetes, o qual obviamente não identifico, fartou-se de chorar na primeira noite na caserna.
A mim também me custou obviamente, mas fez-me muito bem, e julgo que aos jovens deste nosso tempo lhes fazia falta pelo menos um tempo de recruta e especialidade, para perceberem melhor "certas coisas" da vida!

Abraços
Joaquim

Carlos Pinheiro disse...

A EPC era extraordinária e quem por lá passou nunca mais a esqueceu. Eu também lá fiz a recruta no 4º Trurno de 67, na época das grandes inundações à volta de Lisboa onde morreream centenas de pessoas.
Um dia destes, quando tiver a inspiração suficiente, não deixarei de dar aqui noticias desse período.
Foi um periodo espectacular. Só para abrir o apetite digo que eram 2 Esquadrões, 360 recrutas e chumbaram 201. E o engraçado da questão é que foi na Guiné que eu soube da razão daquela grande chumbada. Infelizmente o militar que me disse a razão de tanto chumbo, morreu no desastre do Heli com os Deputados. Paz à sua alma.

Anónimo disse...

Gostei de ler esta estorninha do amigo JERO, que me fez recordar a chegada a Tancos, para uma "recruta adaptada", a mulheres que pela primeira vez íam estar num quartel. Tal como ele, tinha e tenho o hábito de escrever nas costas das fotos, o que me tem sido útil.
Não habitámos numa caserna. Fomos mais felizes e foi-nos distribuída uma habitação no bairro de oficiais da BA 3, ( Tancos).
Também não tivemos percevejos, mas sim menos comodidade, comparada com as das nossas casas.
Também desse curso recordo um acidente de treino que remeteu para o segundo uma colega. Infelizmente a mesma veio a falecer de acidente de automóvel, ficando assim ingloriamente, pelo caminho. Era uma excelente colega e por certo estará na Paz do Senhor...
São episódios de vida que jamais esquecemos e que eu hoje recordo alguns com riso, outros também com saudade e tristeza.

Um abraço
M Arminda