quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

P745: ARREPENDIMENTO

CONTO DE NATAL

No frio da sua cela, só e sem alento, sentado na enxerga com a cabeça entre as mãos, pela milionésima vez pensava em tudo o que o tinha trazido até ali, àquela prisão que lhe retirava os anos jovens da sua vida.

Algumas más companhias, o álcool, os “charros”, a falta de encontrar interesses na vida que não fossem os imediatos, os prazeres rápidos e fortuitos, e aquela noite, aquela terrível noite que o tinha mandado directamente para a prisão.

E mais uma vez lhe veio a ideia, uma quase obsessão de fazer para o tempo, de recuar aos primeiros minutos daquela noite e fazer tudo diferente. Sobretudo parar o tempo antes daquele encontrão, que levou aos insultos e que num ápice lhe colocou aquela navalha na mão, que sem qualquer verdadeira razão, tinha espetado violentamente na barriga do outro jovem.

Ah! Pudesse parar ali e ter oportunidade de dizer qualquer coisa como, desculpa, foi sem querer, e seguir caminho na noite.

Agora pensava assim, mas nos tempos que se seguiram a essa noite, durante o julgamento, e nos primeiros anos preso, uma raiva surda, um rancor, um quase ódio, tinham tomado conta dele. Afinal o culpado era o outro, que em vez de se afastar, em vez de ter percebido que o encontrão tinha sido sem querer, se “pôs a mandar vir” com ele, e por isso mesmo ele lhe tinha espetado a navalha na barriga. Morreu, mas a culpa era dele!

Mas os anos de prisão tinham-no amaciado. O sentir a vida tão jovem ainda, correr-lhe por entre os dedos, ali aprisionada, vivendo sem qualquer sentido, colocavam-no perante a realidade de perceber que afinal a culpa tinha sido dele e que o outro apenas tinha reagido como os jovens normalmente reagem. Era um arrependimento que pouco a pouco ia tomando conta do seu coração e curiosamente isso dava-lhe uma sensação de paz e de alívio.

Tinha havido uma audiência, (ou lá o que era), para analisar a sua possível libertação condicional, mas ele nada esperava, porque o seu comportamento anterior no julgamento, e durante os primeiros tempos na cadeia, não augurava nada de bom.

Era dia de Natal, (o que a ele dizia muito pouco ou nada), mas lembrava-se de uma ou duas conversas que tinha tido com o padre da prisão, que lhe tinha explicado de modo muito simples a história de Jesus Cristo, que tinha nascido no Natal e era Filho de Deus, segundo o padre, claro, e que tinha vindo para nos salvar com o seu sacrifício de amor.

Mal não fazia, pensou ele, e, ajoelhando-se no chão da cela, olhou para o Céu e disse: Não sei quem és e se estás aí, ou aqui, mas se me amas e se podes, ajuda-me como quiseres para que não perca totalmente a minha vida.
Levantou-se sem qualquer esperança de ser atendido no seu pedido e nesse momento um guarda chamou-o dizendo que tinha uma visita. Ficou admirado pois não esperava ninguém, mas seguiu o guarda até à sala de visitas dos presos.

Ficou ainda mais admirado e receoso quando viu que a visita afinal eram uma mulher e um homem, nos quais ele reconheceu os pais do rapaz que ele tinha morto naquela fatídica noite.

Não sabia o que fazer, mas o olhar que lhe lançaram e o aceno das mãos pedindo que fosse ter com eles, deram-lhe a necessária segurança para se aproximar, de cabeça baixa, envergonhado.

Não tinha sido nada fácil no julgamento senti-los a olhar para ele com um olhar duro que o trespassava. Mas não era esse o olhar que agora lhe devolviam.

“Estás com certeza admirado de nos ver aqui?” Ouviu ele dizer àqueles pais magoados e tristes.
Com uma voz quase inaudível respondeu: “Sim!”
Eles falaram novamente: “Sabes, temos sabido da tua vida na prisão e sabemos que ultimamente te tens comportado muito bem e que até tens falado com o capelão da prisão.”
“É verdade”, respondeu ele timidamente. “Quero acreditar, mas é muito complicado, depois daquilo que fiz.”

Eles disseram-lhe: “Sabes, nós somos católicos acreditamos em Deus e no seu amor infinito e acreditamos também no seu perdão.”

Olhou para eles admirado e eles continuaram: “Sabes, também que houve uma reunião para decidir a tua liberdade condicional. Nós quisemos estar presente e como nos ensinou Jesus Cristo, quisemos dizer ao juiz e às pessoas que lá estavam que te perdoávamos sinceramente e mais ainda, que tendo sabido do que se passava na prisão contigo, pedimos que te fosse concedida a liberdade condicional.”

Levantou a cabeça, olhou para eles, os olhos encheram-se de lágrimas e não soube o que dizer.

Mas eles acrescentaram: “Nós pedimos e foi-nos concedido que fossemos nós a trazer-te a notícia. Sais hoje em liberdade condicional e esse é o melhor perdão que te podemos dar. Quando saíres daqui do pé de nós, podes ir fazer o teu saco, pois hoje mesmo vais passar o Natal a tua casa.”

Ia dizer qualquer coisa, como obrigado, (sabia lá ele bem o que dizer naquela altura), mas eles interromperam-no e disseram-lhe: “Teremos depois tempo para falar, mas para já agora o que deves fazer é acreditar, verdadeiramente acreditar, que neste Natal, Jesus Cristo nasceu para te salvar.”

Joaquim Mexia Alves
Marinha Grande, Dezembro de 2015



1 comentário:

Anónimo disse...

Amigo,
Mexia Alves.
Que maravilha de texto que aqui nos colocou.
O arrependimento está bem presente, mas o perdão humano e, sobretudo o Divino, faz-nos refletir sobre a razão, pela qual o "Menino Deus, veio ao mundo!.. Para salvação do homem!..
Bem Haja.
Feliz Ano Novo.
Um abraço amigo.
Mª Arminda