terça-feira, 17 de novembro de 2015

P726: DO MANUEL MAIA - 14

A FAINA

À mesa do café, pensando em nada,
fruindo de bom tempo na esplanada,
uns versos me lembrei de alinhavar...
p´ra vós "camarigagem", gente boa
que à volta da revista do Pessoa
escreve com prazer de assinalar...

Cria, ilustra, edita e gere
revista de grande impacto
um Pessoa que prefere
não valorizar o facto...


Lá longe, bem na linha d´horizonte,
veleiro cruza o mar mesmo defronte
à praia "Las Galletas" que é a minha...
Gaivotas acompanham o regresso
dos barcos "ganha-pão" que com sucesso
se encheram lá na faina da sardinha...

Na lota, algo ansioso, aguarda o povo
para aceder ao peixe, que de novo,
mercê da quantidade é mais barato...
Cirandam gatos catando festim
que as tripas, as espinhas, peixe ruim,
amigos pescadores lhes dão por trato...

Sorrisos de alegria estão espelhados
nos rostos desses homens tão cansados,
já madrugada cedo no labor...
A rede vinha cheia de pescado
e o barco dessa forma carregado
mostrava a rija fibra/pescador...

Eis quando a "calima"*, de repente
se fecha assim num sopro, estranhamente,
soando está "sarronca"** em tom aflito...
Há barcos ´inda fora por entrar
no porto salvador daquele mar
a angústia é transformada em alto grito...

Neptuno vinca assim, como garante,
que é dele o mando sempre, a todo o instante,
no reino d´água calma ou bem revolta...  
Mostrou-se, desta vez, compadecido,
c´os gritos deste povo em alarido
em preces, porto inteiro, ali à volta...

E entrado foi o barco derradeiro
no porto salvador, como o primeiro,
sardinha prata/viva, em profusão...
O povo e pescadores que horrores padecem
prostrados, de joelhos, agradecem
                                                                        à Santa Candelária em gratidão...

E à virgem negra vão surgir benesses
pagando assim promessas feitas preces
que a Santa Candelária ouvira as gentes...
Poseidon, Virgem Negra ou Neptuno,
acharam ser momento oportuno
p’ra deixar os canários tão contentes...

E aos primeiros alvores da manhã
aqui respiro a aragem fresca e sã
que a maresia impregna bem no ar...
Sentado na varanda vou olhando
os barcos, um a um, que vão zarpando
saindo p´ra um mar chão, a navegar...

E a cada dia a faina se repete
um, dois, dez, quinze, vinte, trinta e sete...
e de repente o mar se enche de gente...
No estender da rede, o coração
augura a fartura desse pão
a cada dia em luta persistente...


Manuel Maia


* Calima --- é o nome que os canários dão à tempestade de areia vinda do Sahara e que por vezes atinge a ilha.
** Sarronca --- é o sinal sonoro dado à navegação aquando do calima ou nevoeiro.


4 comentários:

Anónimo disse...

Parabéns, Manuel Maia, pela qualidade destas tuas sextilhas!

Sabe muito bem ler qualidade.

Um Camarigo abraço do,

Vasco A.R. da Gama

joaquim disse...

O nosso vate Manuel Maia nunca deixa os seus créditos por mãos alheias.

Sê bem regressado Manel!

Grande abraço
Joaquim

Anónimo disse...

Que saudades tínhamos de ti e da tua poesia.
Sê muito bem vindo.
Abraço com particular estima e muita amizade.
JERO

Anónimo disse...

Obrigada pela bela poesia, Manuel Maia.
Um abraço.
Mª Arminda