sexta-feira, 23 de outubro de 2015

P711: UMA DATA INESQUECÍVEL

O EMBARQUE NO UIGE, HÁ 47 ANOS

23 de Outubro de 1968,  4 da tarde. Estava no convés do UIGE a ver o mar largo, o mar azul e o céu da mesma cor, a pensar onde é que estava metido e para o que é que estaria guardado.

Logo de manhã, cedinho, uma camioneta foi aos Adidos buscar-nos – éramos pouco mais de uma dúzia em rendição individual – de saco às costas a caminho do cais. 

Já lá estava formado o BCAÇ 2856, oriundo do RI 15 de Tomar e bem assim mais um Pelotão da PM. Havia uma banda militar a abrilhantar a despedida e, em local próprio, estavam presentes altas patentes militares.

As senhoras do Movimento Nacional Feminino, também presentes, afadigavam-se a distribuir um maço de cigarros e um isqueiro aos que iam subindo a escada.

O resto, a maioria do pessoal no cais e nas varandas, eram familiares dos que iam partir, a acenar os seus lenços brancos de despedida e a desejarem que tudo corresse bem, muitos com a lágrima no olho, o que se compreende. 

Logo que me foi possível fui visitar o meu camarote, que era enorme. Mais de seiscentos beliches, bem arrumadinhos, à esquadria, em madeira de pinho, lá bem no fundo do porão para não enjoarmos muito.


Ainda antes do almoço tive que ir à enfermaria do barco continuar um tratamento que já andava a fazer há alguns dias e aí constatei um bom serviço.

Depois foi o almoço. Naquela sala grande que permitia que víssemos o mar, tanto a bombordo como a estibordo, dados os balanços do barco que era de algum modo desproporcionado entre o comprimento que era grande e a largura que não era tanta. Mas era uma boa sala e a comida, não sendo nada de especial, também se comia. O apetite naquele primeiro dia é que não era grande.

À tarde, houve uma passagem por um bar onde se vendia uma cerveja holandesa, daquelas grandes, como nunca tínhamos visto.

Depois foi o jantar na mesma sala e muitos de nós, logo a seguir, descemos aos nossos aposentos porque o final do dia começava a estar fresco.

Lá em baixo, no tal camarote, o cheiro era insuportável, a luz era pouca mas os batoteiros profissionais já tinham a banca armada para limpar as carteiras aos mais desprevenidos.

A noite foi caindo, mas lá em baixo era sempre noite cerrada porque, mesmo de dia, o sol só lá entrava pela pequena boca do porão.

Foi assim o primeiro dia duma comissão que durou mais de vinte e cinco meses.

Carlos Pinheiro
23.10.15


3 comentários:

Carlos Pinheiro disse...

Há dias que nunca se esquecem e o dia de hoje faz-me vir à memória o primeiro dia dum viagem diferente, a caminho da Guiné.

joaquim disse...

Obrigado Carlos.

Estas partidas por barco eram sempre muito emotivas.

Recordo a minha sempre com um misto de angústia e curiosidade.

Um abraço
Joaquim

Anónimo disse...

Amigo Carlos Pinheiro. Estas partidas deixaram muitas lembranças nos que embarcavam, como foi o seu caso e, também muitas nos familiares (incluindo as namoradas), que os viram partir!..
Eu, tive essa experiência. Em 1959,vi partir o meu namorado(hoje marido), para cumprir uma missão no (Ex. Estado Português na Índia). Realmente ficou um vazio e uma enorme saudade que se ia instalando conforme o navio,(Niassa), se afastava do cais.
Também o fui esperar no regresso do seu dever cumprido,(Abril de 1961). Passado um mês,começava a minha "Odisseia", de preparação para a minha nova missão, a de me tornar em enfermeira paraquedista. O "destino" por vezes, troca-nos as voltas, mas o final foi feliz e valeu a pena.
Um abraço. Mª Arminda