O
EMBARQUE NO UIGE, HÁ 47 ANOS
23
de Outubro de 1968, 4 da tarde. Estava
no convés do UIGE a ver o mar largo, o mar azul e o céu da mesma cor, a pensar
onde é que estava metido e para o que é que estaria guardado.
Logo
de manhã, cedinho, uma camioneta foi aos Adidos buscar-nos – éramos pouco mais
de uma dúzia em rendição individual – de saco às costas a caminho do cais.
Já lá estava formado o BCAÇ 2856, oriundo do RI 15 de Tomar e bem assim mais um
Pelotão da PM. Havia
uma banda militar a abrilhantar a despedida e, em local próprio, estavam
presentes altas patentes militares.
As senhoras do Movimento Nacional Feminino,
também presentes, afadigavam-se a distribuir um maço de cigarros e um isqueiro
aos que iam subindo a escada.
O
resto, a maioria do pessoal no cais e nas varandas, eram familiares dos que iam
partir, a acenar os seus lenços brancos de despedida e a desejarem que tudo
corresse bem, muitos com a lágrima no olho, o que se compreende.
Logo
que me foi possível fui visitar o meu camarote, que era enorme. Mais de
seiscentos beliches, bem arrumadinhos, à esquadria, em madeira de pinho, lá bem
no fundo do porão para não enjoarmos muito.
Ainda
antes do almoço tive que ir à enfermaria do barco continuar um tratamento que
já andava a fazer há alguns dias e aí constatei um bom serviço.
Depois
foi o almoço. Naquela sala grande que permitia que víssemos o mar, tanto a
bombordo como a estibordo, dados os balanços do barco que era de algum modo
desproporcionado entre o comprimento que era grande e a largura que não era
tanta. Mas era uma boa sala e a comida, não sendo nada de especial, também se
comia. O apetite naquele primeiro dia é que não era grande.
À
tarde, houve uma passagem por um bar onde se vendia uma cerveja holandesa,
daquelas grandes, como nunca tínhamos visto.
Depois
foi o jantar na mesma sala e muitos de nós, logo a seguir, descemos aos nossos
aposentos porque o final do dia começava a estar fresco.
Lá
em baixo, no tal camarote, o cheiro era insuportável, a luz era pouca mas os
batoteiros profissionais já tinham a banca armada para limpar as carteiras aos
mais desprevenidos.
A
noite foi caindo, mas lá em baixo era sempre noite cerrada porque, mesmo de
dia, o sol só lá entrava pela pequena boca do porão.
Foi
assim o primeiro dia duma comissão que durou mais de vinte e cinco meses.
Carlos
Pinheiro
23.10.15
3 comentários:
Há dias que nunca se esquecem e o dia de hoje faz-me vir à memória o primeiro dia dum viagem diferente, a caminho da Guiné.
Obrigado Carlos.
Estas partidas por barco eram sempre muito emotivas.
Recordo a minha sempre com um misto de angústia e curiosidade.
Um abraço
Joaquim
Amigo Carlos Pinheiro. Estas partidas deixaram muitas lembranças nos que embarcavam, como foi o seu caso e, também muitas nos familiares (incluindo as namoradas), que os viram partir!..
Eu, tive essa experiência. Em 1959,vi partir o meu namorado(hoje marido), para cumprir uma missão no (Ex. Estado Português na Índia). Realmente ficou um vazio e uma enorme saudade que se ia instalando conforme o navio,(Niassa), se afastava do cais.
Também o fui esperar no regresso do seu dever cumprido,(Abril de 1961). Passado um mês,começava a minha "Odisseia", de preparação para a minha nova missão, a de me tornar em enfermeira paraquedista. O "destino" por vezes, troca-nos as voltas, mas o final foi feliz e valeu a pena.
Um abraço. Mª Arminda
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