quinta-feira, 20 de agosto de 2015

P687: JERO - CRÓNICAS DOS TRIBUNAIS / 10

“PORQUE SIM…”

Julgo que é tempo de dar um salto no tempo...

Passei ao papel as minhas memórias de "miúdo" - dos 18 aos 22 anos -, que poderia continuar por mais algum tempo mas julgo que, passadas que estão estas crónicas, é tempo de saltar umas décadas pois a vida dá muitas voltas e… acabei de voltar aos Tribunais já "homem feito". 

Concretizando melhor, entre os 60 e os 65 anos fui Juiz Social, experiência bem gratificante que completou - e de que maneira- a minha experiência anterior de funcionário judicial.

E o que é um Juiz Social? Como é nomeado e qual é o seu papel?

São leigos chamados a entrar no papel de julgadores, nomeados por dois anos, que se sentam lado a lado com juízes de carreira.

Previstos na lei desde 1978, os juízes sociais demoraram a ganhar terreno, mas hoje têm lugar inequívoco nos processos tutelares educativos e de proteção de menores.

São juízes sem toga e sem formação jurídica, a quem é pedido que levem o olhar da sociedade à sala de audiências.

“Precisamos de ter, acima de tudo, conhecimento da vida. Vemos as coisas com olhos diferentes dos de um juiz de direito”.

Foi o que me foi explicado e percebi que, "do alto" dos meus sessenta e tal anos - já era então avô - podia ter um papel importante junto dos magistrados que dominavam a lei mas não tinham ainda "os cabelos brancos", que a vivência de muitos anos de vida nos dá.

Confesso que senti alguma emoção nas primeiras vezes que me sentei lado a lado com magistrados de carreira, para decidir o futuro de crianças e jovens.
Um dos casos que mais me marcou teve a ver com uma jovem mãe solteira, natural e residente na região de Pataias, que veio a Tribunal porque depois do parto no hospital de Leiria não tinha sido autorizada a sair com o seu filho.

A Segurança Social, alertada pelos serviços competentes do hospital, achou que a jovem não tinha condições para tratar do seu filho.

Era referido nos autos que a jovem tinha entrado no hospital com nítida falta de higiene e que, depois do parto, demonstrou imaturidade para lidar com o bebé. 

Quando foi informada que o seu filho ia ficar no hospital mais algum tempo não demonstrou os sentimentos de uma mãe normal, tendo ao longo de um mês feito apenas duas breves visitas ao seu bebé.

Finalmente em Tribunal quando interrogada porque queria ficar com seu filho - a quem até então tinha "ligado tão pouco" - respondia: "Porque sim".

Mas tinha meios, tinha família próxima, tinha uma casa para ficar? Não, mas - e repetia - queria ficar com o seu filho...porque sim!

A Delegada do Procurador da República perguntou-lhe se sabia quanto custava umas fraldas? Um litro de leite?
- Não, não sabia.

Eu perguntei-lhe se o pai do seu filho assumia a paternidade e se responsabilizava pelas despesas.
- Não. Nem mantinha qualquer relação com ele. Mas queria ficar com o seu filho.
- Porquê? Porque sim.

Mas está empregada? - Não. Neste momento não.

Finalmente a senhora Juiz de Direito fez a pergunta crucial:- Se o seu filho lhe for entregue onde vai viver com ele e com que meios, ou seja, com que rendimentos conta para o seu sustento?

- Vou viver para casa da minha cunhada, que tem um filho. O marido dela, que é meu irmão, está preso. Mas tem dois subsídios (!?). O subsídio que irei receber por causa do meu filho ajudará ao orçamento. E, com três subsídios havemos de conseguir o nosso sustento e dos nossos filhos.

Terminado o julgamento reunimos na sala da Juiz, que nos explicou a moldura penal e nos pediu a opinião. Há que esclarecer que éramos dois juízes sociais.

Foi resolvido entregar à jovem mãe o seu filho por um período experimental curto - 3 a 6 meses - com a obrigatoriedade de visitas regulares de responsáveis da Segurança Social, que informariam o Tribunal sobre a evolução do caso. Ficando para uma futura análise a possibilidade de confiar a criança a uma "casa de acolhimento".

Resumindo o concluindo: O "porque sim" tinha a ver com o "materno-subsídio".

Outros tempos!? Ou nem por isso...
Na vida real a subsídio-dependência continua por aí!
Porquê? Porque sim...

JERO






4 comentários:

joaquim disse...

Enfim, razões que a razão desconhece!

Meu caro Jero, cada vez mais te admiro e tenho orgulho em ser teu amigo.

Grande abraço.
Joaquim

Anónimo disse...

Meu Caro Jero,foram bem poucos os minutos em que tive a oportunidade de contigo trocar umas palavras aquando do primeiro encontro da Tabanca do Centro.
Há sempre no espírito um optimista..."fica para a próxima".

Um grande abraco do José Belo.

Hélder Valério disse...

Fiz comentário no outro dia mas não consegui colocar.
Vamos lá a ver se agora sai!

Pois considerava eu que o Jero não pára de surpreender. Então agora é (foi) Juiz Social?
E porque é que não fico muito admirado com isso? Porque acho que lhe assenta bem!

O Jero tem aquele 'suporte' de bom senso que presumo será indispensável para tal função.
E até me atrevo a presumir que a solução encontrada no caso relatado está largamente influenciada pelo que vou aqui chamar de "Jerismo".... sem outras conotações, por favor!

Quanto a outras considerações 'laterais', como as da subsídio-dependência, por exemplo, é uma matéria que, quanto a mim, não pode nem deve ser tratada de modo ligeiro, panfletário, ao serviço desta ou daquela ideologia. Admito que possa haver muito oportunismo, muito aproveitamento ilícito, imoral, mas o que é decisivo (ou devia ser), é o objectivo que se pretende(ia) alcançar, o que se pretende(ia) ajudar. E para verificar as incorrecções há (devia haver) mecanismos, entidades, pessoas, capazes de separarem o trigo do joio, mas dá-me a impressão que quem tem o poder para o fazer prefere que se nadem em 'águas turvas', já que isso depois se presta a outras 'leituras'...

Porque sim!

Abraços e boas férias.
Hélder Sousa

Anónimo disse...

Amigo Jero. Esta descrição é que eu não estava à espera. Mais uma nobre função e diga-se de passagem, que não deve ser nada fácil. Parabéns por mais este serviço, que o amigo presta à comunidade. Quanto ao subsídio dependência partilho a opinião do amigo Hélder.
Um abraço.
Mª Arminda