quinta-feira, 9 de outubro de 2014

P551: CUMPRINDO PROMESSAS...



AS PROMESSAS FEITAS PELOS FAMILIARES DOS SOLDADOS QUANDO ESTES IAM PARA O ULTRAMAR

No dia em que me despedi da minha família para ir para Santa Margarida para embarcar para Angola, a minha mãe, a minha madrinha e uma velhinha minha vizinha, abraçaram-me as três chorando, lavaram-me o rosto com as suas lágrimas, e a minha mãe apertando-me contra o seu peito chorando, foi dizendo: “Filho, vais para a guerra, faz pela tua vida já que não posso fazer nada por ti.” 

Naquele momento colocou-me um «terço, rosário de cor preta» ao meu pescoço, que me acompanhou em toda a minha comissão e que ainda hoje guardo religiosamente, porque para mim é um tesouro.

Recordo as últimas palavras dela ao dizer, “Filho vem com vida e saúde que a promessa que prometi a cumprirei, custe o que custar”. A minha madrinha e a velhinha que eu tanto adorava repetiram as mesmas palavras da minha mãe sobre as suas promessas.
No momento da despedida eu queria ir embora para não ouvir os gritos da minha querida mãe; abracei-a, apertei-a contra o meu peito e dirigi-lhe estas palavras, “Mãe, não chore, as suas lágrimas não resolvem nada, eu regressarei com vida e saúde”.

Fui embora com o pensamento “quanto mais depressa for mais depressa volto” e tentei esquecer os gritos da minha mãe - o que nunca consegui, pois ainda hoje os recordo.
Regressei com vida mas com alguns problemas de saúde que venho tentando ultrapassar, o que tem sido impossível.

As promessas prometidas pela minha mãe, minha madrinha e minha vizinha foram pagas. 

Eu já não me recordava mas, a primeira foi a da minha vizinha, foi no mês de Julho, dia de festa da aldeia. Sem eu saber o que se passava a velhinha avisou-me que eu e mais três rapazes que ela tinha escolhido tínhamos que ir vestidos a rigor com as fardas do camuflado, transportar o Santo Padroeiro e pagar a promessa. 

Eu, com muito respeito, fiz a vontade à senhora pois, se ela tinha feito a promessa é porque gostava de mim, o que me encheu de alegria. Foi ver a minha querida mãe e a velhinha e a minha madrinha ao meu lado fazendo todo o percurso a chorarem, mas desta vez de alegria.

A segunda foi no mês de Agosto. A minha madrinha pediu-me para eu ir com ela a pé a Fátima, vestido com a farda da guerra para pagar a promessa que ela tinha prometido.

Aceitei o pedido com muito gosto, foram quase cinquenta quilómetros feitos ao belo prazer. Ao chegar ao Santuário pediu-me para acabar de pagar a promessa com ela, fazendo o percurso de joelhos da Cruz Alta até à Capelinha das Aparições e dar dez voltas à mesma. Custou muito, mas fiz a vontade à minha madrinha, que ficou muito feliz e contente, reparando eu o quanto ela gostava de mim. 
No final pediu-me para eu oferecer toda a farda a Nossa Senhora. Eu não sabia que ela levava um saco com outra roupa minha e calçado; mas eu não queria ficar sem a farda, por isso fui falar com um padre meu vizinho que se encontrava no Santuário.

Este tinha sido Capelão em Angola em Nambuangongo; contei-lhe o que se passava, a minha intenção e o meu desejo, e ele aconselhou-me a ir embora com a farda que a promessa estava paga, que ele também tinha a dele e a guardava religiosamente. E assim fiz.

A terceira promessa a ser paga foi a que a minha querida mãe tinha prometido.

Tive que ir com ela de joelhos da minha cama até ao altar da capela da minha aldeia, que fica um pouco distante, e, ouvir a missa sempre de joelhos, vestido com a farda do camuflado. Fiz a vontade à minha querida mãe, que fez todo o percurso com a mãozinha dela agarrando a minha, muito feliz e contente por ter o filhinho dela a seu lado, e assim as promessas foram cumpridas.

Hoje, eu, Manuel, sou pai e avô, sei dar o valor e reconhecer o sofrimento da minha mãe, e de todas as mães e pais que viram partir os seus filhinhos para a guerra do ultramar assim como eu fui, pois uns regressaram e outros não.

Pais que ficaram sem filhos, assim como eu e outros, que sofremos até ao nosso último suspiro a perda de um filho.

Manuel “Kambuta dos Dembos” Lopes

4 comentários:

Anónimo disse...

Bom dia Manuel "Kambuta". Impressionante testemunho que a todos que "por lá" passaram diz muito.No caso do rosário ao pescoço ...a fé nos salva. E a ida a pé a Fátima...Quantos de nós não o fizeram. Muito interessante o conselho do padre em relação ao camuflado.Recordar é viver. Abraço Manuel Lopes.Até sempre. JERO

Hélder Valério disse...

Amigo Manuel

Promessas são para cumprir!

Claro que gosto mais de promessas a cumprir por quem as prometeu com o seu esforço, ainda que em benefício de outro, do que promessas feitas por terceiros para eu cumprir...

Mas não tenho dúvidas que o que relatas foi muito comum a tantas e tantas famílias.

Abraço, "Manel Kambuta"!
Hélder Sousa

Fernando Gouveia disse...

Só para ficar registado direi que a minha mãe prometeu que eu iria, fardado, a pegar ao pálio na próxima festa da aldeia, depois do meu regresso.

Anónimo disse...

Realmente as promessas assumidas, são para serem cumpridas, mas as feitas pela sua vizinha, madrinha e mãe também envolveu o Manuel, que por certo não contava, com elas. É de registar toda a sua colaboração no cumprimento das mesmas, que devem ter tido certamente, uma dose de sacrifício. O que uma mãe pode prometer fazer por um filho, num momento de angústia, em particular as que viram naquela época, partir para longe e para uma guerra da qual não sabiam o que lhes podia acontecer?!..Algumas mães por certo, colocaram um fio com uma medalha ao pescoço dos seus filhos, antes da partida. A fé, move montanhas!.. Ainda bem que voltou e pode contar as suas estórias. Ficou feliz, por poder guardar como recordação, a sua farda. O senhor padre teve uma atitude humana, para consigo. Um abraço. Mª Arminda