sábado, 13 de setembro de 2014

P539: REFLEXÕES...



VELHOS SOLDADOS

Depois de ler algumas reflexões dos Camaradas e Amigos no Blogue de Luís Graça e Camaradas da Guiné, verifico continuarem alguns com mais dificuldades que outros em...  "regressarem".

Não sei se, mesmo com a fantástica terapia de grupo que aquele blogue a todos tem proporcionado, as difíceis experiências de uma guerra como a da Guiné algum dia permitirão um "regresso" completo.

O que poderíamos ter sido SE...

E as décadas vão passando.
Lutas de vida e morte apodrecem
em páginas amarelecidas de velhos jornais guardados...
Memórias sem sentido por já não se" intercalarem"...
Gerações novas ignorando raízes de tanta dor...
Os ideais morrem em círculos cada vez mais rápidos...
São outros os tempos.
Tempos de aceitação.


Para ti? Para ti é tarde...
E poderá um velho soldado como tu algum dia regressar a casa?


José Belo

Setembro de 2014

8 comentários:

Anónimo disse...

Amigo José Belo.Daí de tão longe, embora hoje tudo pareça perto, a sua reflexão teve o condão para mim, de uma meditação!.. que bem podiam e deviam ser para estas novas gerações neste bocadinho de terra aqui à beira mar plantado,(Portugal). Eles não sabem nem sonham e poucos estão interessados em ensinar-lhes, quantos os sacrifícios que estes seus mais idosos concidadãos, tiveram que passar e que hoje se interrogam, se aqui ainda é, solo português e se vale a pena voltar aceitando novos sacrifícios e riscos, mesmo se sendo mais velho!.. Um abraço amigo MªArminda Arminda

Anónimo disse...

Não está ao alcance de todos dizer tanto em tão poucas palavras.
Obrigado, Zé Belo.

Vasco A. R. da Gama

Carlos Pinheiro disse...

Obrigado José Belo pelo desafio.
De facto os anos vão passando, cada dia estamos mais velhos, mas os sentimentos do que passámos, naqueles cerca de dois anos, não esquecem e, a muitos, os chamados operacionais mesmo, os operacionais que andaram a levar “porrada” durante a maior parte do tempo, esses têm decerto muitas passagens recalcadas no seu cérebro, por aquilo que passaram naquelas terras quentes e vermelhas.
Só o facto de terem visto cair a seu lado camaradas de armas, sem nada poderem fazer para os salvar, foram marcas que ficaram para o resto da vida. E isso aconteceu a muitos que, ao longo de tantos anos, guardaram no seu íntimo, mais íntimo, histórias horripilantes.
Estou a lembrar-me de uma situação que viveu uma Companhia do BCAÇ 2856, que foi comigo no UIGE e chegou a Bissau em 28 de Outubro de 1968. No dia de Todos os Santos, no dia 1 de Novembro, quando essa Companhia estava em trânsito para o “seu destino”, junto a Bula, deixaram cair uma bazooka armada, em cima duma GMC onde estavam a ser transportados.
Não assisti porque não estava lá, mas vi que os helis nessa tarde não pararam de evacuar feridos e transportar mortos. E vi também que o pessoal da Companhia de Transportes, onde eu estava “aboletado”, foi chamado a ir ao Hospital oferecer o seu sangue para socorrer muitos dos feridos. Foram num Hunimog que se despistou junto ao Bairro da Ajuda e onde morreram dois camaradas, ficando os restantes também bastante feridos. Aquela noite, na caserna da Companhia de Transportes, foi um silêncio sepulcral já que para ali tinham sido transportados os feridos menos graves. Foi o mínimo que se podia fazer em respeito pelos feridos e em memória dos mortos.
Foram dias e factos que marcaram, para sempre, o intimo de quem passou por elas ou a elas assistiu. Portanto não é de admirar, que ao fim de tantos anos, ainda haja camaradas que não conseguiram “regressar”. Aliás, é bom lembrar aos mais novos, que as nossas tropas, exceptuando as chamadas tropas especiais, nomeadamente páras, fusos e comandos, nunca tiveram preparação para uma guerra daquelas, muito menos equipamento específico para a guerrilha e, na generalidade, se quiseram ter aquartelamentos ou coisa que o valesse, tiveram que os construir com o que tinham mais à mão.
Para o Exército era tudo “apurado”, até mesmo os “básicos” que nem ler ou escrever sabiam. E, infelizmente, havia muito disso nas tropas da Metrópole como nas tropas provinciais. Todas as Companhias tinham gente dessa, que nunca deveria ter saída da sua santa terrinha. Mas era assim. Por estas e por outras, algumas bem piores, os tais recalcamentos e as dificuldades em “regressar”.
As pessoas não sabem, nunca souberam, mas é bom que certas verdades se digam, para que, pelo menos os responsáveis deste país, estes e os outros que passaram pelos vários governos, não continuem a viver na ignorância e a tratarem-nos com absoluto desprezo.
As palavras finais da Maria Arminda também me marcaram profundamente. Não as vou repetir mas sugiro que as voltem a ler. Meditem naquelas palavras.
Um abraço
Carlos Pinheiro

Hélder Valério disse...

Caros amigos

Como não podia deixar de ser, concordo com o teor dos comentários anteriores.
Tanto o da Arminda, com a sua interrogação final, como o do Vasco, sendo bem verdade que a poesia tem dessas coisas, a capacidade (por quem sabe) de condensar as ideias, bem como a demonstração da razão por que tantos ainda não "regressaram", como referiu o Carlos Pinheiro.

Por isso pouco mais tenho a acrescentar a não ser que nos tempos de hoje existem problemas novos e problemas antigos, com novos enquadramentos. É difícil dar 'receita' aos novos (aos jovens), têm que descobrir por eles próprios o caminho das pedras, pois tudo o que lhes for 'impingido' tem tendência a ser rejeitado.
O nosso dever é colocar à sua (deles) disposição os meios de conhecimento e esperar que possam, queiram e consigam aprender com o passado.

Zé Belo, gostei mesmo!

Abraços
Hélder Sousa

Manuel Reis disse...

Eles querem voltar, Zé, e num acto de desespero, todos procuram a sua bóia de salvação. Eles sabem que o tempo é seu inimigo, sempre esteve contra eles, mas lutam, lutam para voltar e, no momento em que avistarem terra, verão o terreno armadilhado.
Lutam, lutam e... não voltam.

Um abraço.

Manuel Reis

Joaquim Mexia Alves disse...

Obrigado Zé Belo.

Há sempre um pouco de nós que vai ficando pelas "vidas" que vamos vivendo.

Grande abraço
Joaquim

Anónimo disse...

Qualquer escrito que lembre aos que desconhecem, ou obrigue a lembrar aqueles que o não querem e aos que além de não quererem deviam fazê-lo por obrigação pelos cargos que ocupam, mas acima de tudo por respeito por aqueles que perderam a vida em nome da Pátria, é sempre de louvar...
Obrigado José Belo pela forma simples como tudo foi escrito.
Só não sei como pode "regressar" completamente quem viu partir de perto de si aqueles com quem dividia uma cerveja ou uma encomenda vinda da terra...
Como se esquece isso?
Um abraço,
BS

Anónimo disse...

Obrigado José Belo
Como se pode dizer tanto com tão poucas palavras!? Vi tanta gente por este "caminho de Velhos Soldados" !!! E já em tantas noites em que o sono nunca mais chega me revejo nunca casa que já há tempo desapareceu... E revejo velhos camaradas e amigos em que regresso completo nunca vai acontecer.E revejo...e revejo.
Abraço José Belo
JERO
CCaç. 675
Binta - Norte da Guiné
1964-66