OS VIGARISTAS E A GUERRA DO ULTRAMAR
A história do Juvenal sobre o “conto do vigário” - aqui contada recentemente - fez-me lembrar um episódio que aconteceu comigo, já passada mais de uma dezena de anos depois de ter saído da Guiné.Quem me conhece bem, sabe que por detrás desta aparência de “bruto”, está um sujeito grande, (em tamanho, claro), mas muito sensível, de lágrima fácil, sobretudo no que diz respeito a certas coisas que me tocaram e deixaram mais “frágil”, como a guerra da Guiné.
Ora um dia (finais dos anos oitenta), quando era administrador das Termas de Monte Real, estava a sair do Hotel depois de almoço e fui abordado por um sujeito que me perguntou se eu era o Alferes Mexia Alves que tinha estado na Guiné.
Disse-lhe que sim e o homem, pouco mais novo do que eu, apresentou-se pelo nome - que não recordo - dizendo que tinha sido soldado de uma das Companhias (não me lembro qual) do meu Batalhão 3873.
Olhei para ele e não o reconheci, mas achei isso perfeitamente natural, até porque mesmo que fosse da minha Companhia seria difícil lembrar-me, a menos que fosse do meu Pelotão.
Conversámos um bocado e o sujeito deu mostras de conhecer o que tínhamos passado na guerra, bem como alguns pormenores da minha vida na Guiné, (comandar tropas africanas, Mato Cão, Mansoa, etc.), e outras coisas mais.
Ganha a confiança, contou-me uma história da sua vida pessoal depois da sua vinda da Guiné, história triste mas perfeitamente plausível, que, claro, “derreteu” o meu coração.
Obviamente precisava de dinheiro e eu preparava-me para lho dar, talvez 5 contos naquela altura, quando um dos porteiros do Hotel, que tem praticamente a minha idade e esteve em Angola na guerra, se aproxima e pergunta ao sujeito se ele não tinha estado num dos cafés de Monte Real a fazer perguntas sobre mim, etc., etc.
O sujeito começou a “trocar os pés pelas mãos” e muito rapidamente se percebeu que não me conhecia de lado nenhum, que não tinha estado em guerra nenhuma e que no fundo tinha sabido que eu era um dos proprietários das Termas e foi para os cafés fazer perguntas sobre mim.
Aí soube que eu era um “gajo porreiro”, que tinha estado na Guiné e tudo o mais que lhe foram dizendo sobre mim e de que ele depois se serviu para construir a história que me ia levando à certa.
Safou-se de levar dois pares de murros por estarmos mesmo à saída do Hotel!
E por aqui me fico, depois de ter feito figura de urso!!!
Joaquim Mexia Alves
5 comentários:
Caro Joaquim
Podia dizer simplesmente "acontece aos melhores!"....
Mas, realmente, acho que fizeste um auto-retrato fiel e que talvez por ser assim, tão transparente, houve esse "chico-esperto" que tentou tirar partido disso.
Felizmente que foi desmascarado a tempo, pois realmente não só farias "figura de urso", como se podia dizer que tinhas caído "como um patinho", isto só para recorrer a figuras animais.
Como dizem os escuteiros, "sempre alerta"!
Abraço
Hélder Sousa
É uma experiência que, felizmente, não teve consequências e serve de alerta para todos nós
Infelizmente vão aparecendo por aí certos fulanos que começam uma conversa mole a perguntar pela familia e tal, e depois vão dizendo que nos conhecem bem, são filhos não sei de quem, mas que já não nos viamos há anos.... quando isto acontece, larqgueza que a casa é estreita...uma vez ia cainda na conversa da tanga... mas acabei a conversa ... passa bem e gasta pouco. Há muito disso..Mas uma vez quaando trabalhava em Lisboa, muitas vezes encontrava um camarada da Guiné e de vez em quando bebiamos um café à pressa porque ia para o trabalho e ele dizia que tinha saido do turno da Lisnave. Um dia pediu-me 100$00 para resolver um problema de momento - na altura ainda não havia Multibanco - e nunca mais o vi... desencontrou-se por completo e tinha sido camarada da minha guerra...Todos os cuidados são poucos.
Foste salvo á tangente. Acontece a qualquer um se usarem a vertente que mais nos toca.
Um abraço
Essa é das boas, e há profissionais nesse conto do vigário.
A técnica é sem nos apercebermos vamos dando as explicações, ou vamos topando o jogo mas ficamos amedrontados e deixamo-nos enrolar por pouco conforme a circunstâncias.
Comigo aconteceu uma há pouco tempo, junto do Hospital Amadora-Sintra.
Estava junto ao meu carro a descansar e aparece um tipo de repente 'então também por aqui, já não o via há meses'. De momento pensei ser um tipo cliente do escritório na Damaia, já passados quatro anos de ter fechado, e atirei com 'você era do cliente tal', e o tipo ficou logo a sabe qualquer coisa e não perdeu tempo 'agora trabalho por minha conta e tenho ali uns perfumes que vendo a preço de custo'.
Não quero nada disso, respondi um bocado atrapalhado da respiração. E o tipo como se apercebeu da minha fraqueza atirou 'então arranja aí 20 euros'.
Calma aí Augusto, tens que vir comigo ali dentro do Hospital ao Multibanco.
E desapareceu.
Evidentemente, também ele topou, que dentro do Hospital chamava o Segurança para "falar" com ele.
Abraço e saúde
Valdemar Queiroz
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