Com a devida vénia ao Boletim AFAP - Associação da Força Aérea Portuguesa - transcrevemos um texto recentemente publicado naquela Revista, que descreve os encontros e reencontros entre o conhecido Marcelino da Mata e o nosso camarigo Miguel Pessoa.
ENCONTROS E REENCONTROS
Conheci o Marcelino da Mata em
circunstâncias muito especiais e talvez por isso difíceis de esquecer. Em 25 de
Março de 1973, durante uma missão de apoio de fogo ao aquartelamento do Guileje,
o meu avião foi abatido por um míssil SAM-7 Strela e eu fui forçado a
ejectar-me em plena mata, no corredor do Guileje.
As peripécias que se seguiram a essa
acção já foram descritas aqui e na revista da AFAP. O certo é que vinte horas
depois da minha ejecção e passada uma noite de sobressalto, já começava a ter
dúvidas sobre o êxito de uma eventual recuperação, agravado pela sensação de
que pessoal presumivelmente pouco amistoso se aproximava do local onde me
encontrava.
Comecei a divisar cabeças que se aproximam pelo meio da folhagem. Eram africanos, o que parecia confirmar as minhas piores previsões; tinham armamento e uniformes diferentes dos das tropas portuguesas. Sabiam o meu nome e diziam-me para ir com eles – o que, segundo alguns testemunhos no local, mereceu da minha parte uma resposta pouco educada… Pudera!
Apareceu então o que parecia ser o chefe - de barbicha e óculos - e disse-me que era o Marcelino da Mata. Convenhamos que na altura, "pira" de 4 meses da Guiné, embora conhecendo as referências do Marcelino, nunca tinha tido a oportunidade de estar com ele pessoalmente mas sabia que ele costumava levar cantis com Fanta e Coca-Cola. Pedi-lhe de beber, ao que ele anuiu, ficando assim por mim confirmada a identidade do meu interlocutor, o que mereceu da minha parte, de imediato, um efusivo cumprimento: "Ah granda Marcelino!".
A cena ainda se prestou a uma foto de grupo, em que a pose agressiva do Marcelino, de catana na mão, e o meu ar enfiado, mais faziam parecer que eu tinha sido apanhado pelo inimigo…A minha recuperação até ao local da
evacuação por helicóptero não teve muito mais história para além das
provocações que o pessoal mandava para o meio da mata e que me fazia sentir na
iminência de ser envolvido numa fogachada de que, com uma perna partida e
lesões na coluna, eu teria dificuldade em desenvencilhar-me…
Tivemos oportunidade de uns breves
encontros em algumas das cerimónias do 10 de Junho junto ao Monumento dos
Combatentes. Tive ainda ensejo de lidar com ele por mais tempo em dois ou três
encontros a que o levei, de antigos combatentes da Guiné, encontros esses
realizados em Monte Real.
Observei a satisfação que ele sentiu ao ver-se rodeado de combatentes que conheciam o seu percurso de vida ou o tinham até conhecido pessoalmente na Guiné e que quiseram confraternizar com ele. Foi compensador observar na sua cara o agrado que aquelas manifestações de carinho lhe provocaram.
Nos últimos anos de vida o Marcelino teve problemas de saúde vários que o levaram a ser internado e operado, De todas essas situações o vi sair com redobrado ânimo. O que me levou inclusive, após mais uma intervenção a que tinha sido sujeito, a dizer-lhe na galhofa “Ó Marcelino, é a primeira vez que vejo um tipo vir para ti de faca na mão, e tu não reagires!...”
Acaba finalmente por não resistir a um
inimigo que tem flagelado no último ano
milhares de portugueses. Que, finalmente, descanse em paz!
Miguel Pessoa
3 comentários:
O reconhecimento e a gratidão são sempre de enaltecer.
O que o Miguel aqui deixa registado é um exemplo disso mesmo.
Hélder Sousa
Obrigado Miguel!
O Marcelino merece e tu também!
Um grande e amigo abraço
Joaquim
Viva Miguel!
Registei com agrado, mais do que a lembrança do teu resgate, mas a camaradagem que a situação de alto risco e eventual surpresa tão bem expressa. Só é pena, que tenhamos de partir uns após outros, e deixar para os últimos o ónus das lembranças gratas.
Grande abrço
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