quarta-feira, 12 de agosto de 2020

P1245: SERÁ QUE HÁ PREDESTINAÇÃO? OU COINCIDÊNCIAS?


CONTA-ME COMO FOI
OU: APRENDER A SER TSF…

Helder Valério Sousa
Há uns anos passou na RTP1, aos domingos à noite, uma série que salvo erro se chamava “Conta-me como foi”, que em certa medida retratava a evolução histórica da sociedade portuguesa percorrendo os anos 60 e entrando nos anos 70 do século passado.

A história centrava-se numa família lisboeta e aparentava ser narrada pelo filho mais novo dessa família, o qual à data frequentava a escola primária e que, juntamente com dois colegas e vizinhos, estava permanentemente envolvido em sarilhos, problemas e situações caricatas devido à sua grande curiosidade, espírito inventivo e ansiedade de aprender mais.

O pai do rapaz era funcionário público e ainda biscatava numa tipografia, estando depois a trabalhar no ramo imobiliário (na fase de desenvolvimento da construção desregrada), a mãe evoluiu de dona-de-casa para empreendedora no ramo das modistas, a avó (mãe da mãe) estava sempre presente e pronta a ajudar em tudo o que fosse necessário.

Havia ainda um irmão mais velho, estudante universitário já envolvido em movimentos estudantis e em vésperas de poder ingressar no serviço militar, e uma irmã apostada em alcançar a sua emancipação, com atitudes que a levavam a contrariar as ordens do pai – uma viagem a Inglaterra mal aceite pela família e experimentando depois a vida de teatro, também alvo de muitas reacções familiares.

Mas vou ficar por aqui na narrativa e enquadramento da série porque isto, em si mesmo, pode exacerbar os ânimos dos bernardos e argumentarem que não tem nada a ver com o Blogue. Não será bem verdade porque a época retratada era a época que todos nós vivemos; o que pode ser contestado é o percurso narrativo, que podia ser qualquer outro, mas que ainda assim, para mim, estava muito bem.

Afinal, a que propósito é que vem tudo isto?

É que por acaso, num dos episódios, quando os três rapazes estavam conversando com um jovem do bairro já mobilizado para a Guiné, procuraram saber como poderiam depois manter o contacto. Lá veio a indicação de que seria através dos rádios, através das transmissões

Perguntando daqui, pesquisando dali, o senhor do quiosque arranjou-lhes um livro com o alfabeto morse, falou-lhes do telégrafo e eles foram procurar a ajuda do professor para encontrarem a melhor forma de tratar do assunto; depois, com a ajuda de alguém que lhes disponibilizou equipamento de telegrafia, inclusive uma chave de morse, lá foram montando umas comunicações para funcionar entre as casas de dois deles.

Pois não é que me revi quase totalmente na situação? E sabem porquê?

Porque quando frequentava o 1.º ano do então Curso de Montador Electricista na Escola Comercial e Industrial de Vila Franca de Xira, eu e o meu vizinho do andar de baixo (o João Cunha) fizemos quase exactamente o mesmo.

Ele tinha um primo que trabalhava nos CTT e que nos arranjou uns equipamentos (chaves de morse e ponteiras de escrita em tambor), o que nos permitiu fazer uma ligação entre as nossas casas, através de fios lançados exteriormente e passando pelas janelas. 

As bobinas foram feitas por mim na Oficina de Electricidade e lembro-me que tínhamos um conjunto de pilhas que permitiam fornecer ao equipamento a energia necessária.

Foi muito engraçado, tínhamos o conhecimento do código morse e obviamente que o utilizávamos para comunicar coisas que só nós entendíamos (pelo menos nas redondezas isso era verdade). E esses pequenos segredos tornavam-nos importantes.

Não sei exactamente a importância que isso possa ter tido no meu enquadramento na vida militar, se foi alguma predestinação, se o facto de eu ter referido o conhecimento do código morse quando dos testes psicotécnicos teve algum efeito decisivo, ou se foi qualquer outra coisa.


A verdade é que no final da recruta, no 1.º Ciclo do CSM, em Santarém, saiu a minha especialidade e lá estava indicado TSF, assim, simplesmente, e fui o único em todos os elementos que compuseram a 3.ª incorporação de 1969.

Acreditem ou não, na ocasião nada me ocorreu, até porque não estava a ver o que é que aquilo queria dizer, nem souberam (ou quiseram) informar-me; apenas quando fiquei com a guia de marcha para o BT (Batalhão de Telegrafistas) é que percebi o que poderia significar e só nessa ocasião é que me veio à lembrança que já tinha sido telegrafista

Sempre é bom treinar!...

Portanto, coloca-se a questão:. Há predestinação? Há coincidências?

Hélder Valério Sousa
Fur Mil Transmissões TSF

4 comentários:

Anónimo disse...

Caro Helder

Só espero,só espero,só espero,que quando te referes aos “Bernardos“ que acompanham estes blogues de ex-combatentes não te estejas a referir ao meu amigo de estimação que ,em tempos já distantes,tão interessado estava em enviar-me para umas boas férias (pagas e alimentadas) algures no Norte de Portugal.
Férias de...porta trancada.
Seria injusto pois não é mau rapaz!

Um abraço do J.Belo

Juvenal Amado disse...

Helder

Também eu acompanhei essa série até bastante interessante no meu ponto de vista. Essa série teve a particularidade de ter usado imagens do embarque do meu batalhão onde se vêm entre outros o maqueiro "russo" a acenar com uma fronha de almofada a uma escotilha.
Bem quanto às tuas memórias parece que estavas predestinado. Quanto aos bernardo que se lixem.
Ao JB só lhe digo que com amigos desses quem é que precisa de inimigos.

Um araço

Hélder Valério disse...

Meus caros amigos

Aqui vão uns pequenos esclarecimentos adicionais.
O primeiro é que "não fui o único" a ter como especialidade TSF naquele 3º Turno de 1969 em Santarém.
Quando escrevi o texto (originalmente no Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné), já lá vão uns bons pares de anos, não me ocorreu (imperdoavelmente) que o meu camarada "Ilustre TSF" Fernando Marques também veio de Santarém.

Quanto aos "bernardos" que, por essa altura, a da saída original, pontificavam na "vigilância crítica" ao que era publicado no tal Blogue, podendo também ser os "abreus" (não, não era o particular amigo António, excelente poeta e tradutor de poetas chineses), teremos que ter em conta que, por força do desempenho da função das comunicações na Guiné, havia uma proximidade muito grande à cifra, pelo que poderei dizer que algumas vezes tenho ainda forte tendência para escrever "cifrado".
Assim, é bem possível que tenhas acertado na decifração. E se dizes que "não é mau rapaz" quem serei eu para contradizer. Mas repara que escrevi "bernardos", no plural, o que significa que havia seguidores....
Então.... "siga a Marinha!"

Abraço
HSousa

Anónimo disse...

Excelente e invulgar história Camarigo Hélder
Há coisas na vida que ultrapassam todos os nossos sonhos!
Ainda bem que o destino acertou em cheio e fez uma excelente escolha de quq resultou um grande telegrafista.
Grande abraço e fica bem.
JERO

PS-Quando for a Oeiras ver a minha família digo-te alma coisa para ver se nos encontramos.