CONTA-ME COMO FOI
OU: APRENDER A SER TSF…
Helder Valério Sousa |
Há uns anos passou na RTP1, aos domingos à
noite, uma série que salvo erro se chamava “Conta-me como foi”, que em certa
medida retratava a evolução histórica da sociedade portuguesa percorrendo os
anos 60 e entrando nos anos 70 do século passado.
A história centrava-se numa família lisboeta
e aparentava ser narrada pelo filho mais novo dessa família, o qual à data
frequentava a escola primária e que, juntamente com dois colegas e vizinhos, estava
permanentemente envolvido em sarilhos, problemas e situações caricatas devido à
sua grande curiosidade, espírito inventivo e ansiedade de aprender mais.
O pai do rapaz era funcionário público e
ainda biscatava numa tipografia, estando depois a trabalhar no ramo imobiliário
(na fase de desenvolvimento da construção desregrada), a mãe evoluiu de
dona-de-casa para empreendedora no ramo das modistas, a avó (mãe da
mãe) estava sempre presente e pronta a ajudar em tudo o que fosse necessário.
Havia ainda um irmão mais velho, estudante universitário já envolvido em movimentos
estudantis e em vésperas de poder ingressar no serviço militar, e uma irmã apostada
em alcançar a sua emancipação, com atitudes que a
levavam a contrariar as ordens do pai – uma viagem a Inglaterra mal aceite pela
família e experimentando depois a vida de teatro, também alvo de muitas
reacções familiares.
Mas vou ficar por aqui na narrativa e
enquadramento da série porque isto, em si mesmo, pode exacerbar os ânimos dos bernardos e
argumentarem que não tem nada a ver com o Blogue. Não será bem verdade porque a
época retratada era a época que todos nós vivemos; o que pode ser contestado é
o percurso narrativo, que podia ser qualquer outro, mas que ainda assim, para
mim, estava muito bem.
Afinal, a que propósito é que vem tudo isto?
É que por acaso, num dos episódios, quando os
três rapazes estavam conversando com um jovem do bairro já mobilizado para a Guiné, procuraram saber
como poderiam depois manter o contacto. Lá veio a indicação de que seria
através dos rádios, através das transmissões.
Perguntando
daqui, pesquisando dali, o senhor do quiosque arranjou-lhes um livro com o
alfabeto morse, falou-lhes do telégrafo e eles foram procurar a ajuda do
professor para encontrarem a melhor forma de tratar do assunto; depois, com a
ajuda de alguém que lhes disponibilizou equipamento de telegrafia, inclusive
uma chave de morse, lá foram montando
umas comunicações para funcionar entre as casas de dois deles.
Pois não é que me revi quase totalmente na
situação? E sabem porquê?
Porque quando frequentava o 1.º ano do então
Curso de Montador Electricista na Escola Comercial e Industrial de Vila Franca
de Xira, eu e o meu vizinho do andar de baixo (o João Cunha) fizemos quase
exactamente o mesmo.
Ele tinha um primo que trabalhava nos CTT e que nos
arranjou uns equipamentos (chaves de morse e ponteiras de escrita em tambor), o
que nos permitiu fazer uma ligação entre as nossas casas, através de fios
lançados exteriormente e passando pelas janelas.
As bobinas foram feitas por
mim na Oficina de Electricidade e lembro-me que tínhamos um conjunto de pilhas
que permitiam fornecer ao equipamento a energia necessária.
Foi muito engraçado, tínhamos o conhecimento
do código morse e obviamente que o utilizávamos para comunicar coisas que só
nós entendíamos (pelo menos nas redondezas isso era verdade). E esses
pequenos segredos tornavam-nos importantes.
Não sei exactamente a importância que isso possa ter tido no meu enquadramento na vida militar, se foi alguma predestinação, se o facto de eu ter referido o conhecimento do código morse quando dos testes psicotécnicos teve algum efeito decisivo, ou se foi qualquer outra coisa.
A verdade é que no final da recruta, no 1.º Ciclo do CSM, em Santarém, saiu a minha especialidade e lá estava indicado TSF, assim, simplesmente, e fui o único em todos os elementos que compuseram a 3.ª incorporação de 1969.
Não sei exactamente a importância que isso possa ter tido no meu enquadramento na vida militar, se foi alguma predestinação, se o facto de eu ter referido o conhecimento do código morse quando dos testes psicotécnicos teve algum efeito decisivo, ou se foi qualquer outra coisa.
A verdade é que no final da recruta, no 1.º Ciclo do CSM, em Santarém, saiu a minha especialidade e lá estava indicado TSF, assim, simplesmente, e fui o único em todos os elementos que compuseram a 3.ª incorporação de 1969.
Acreditem ou não, na ocasião nada me ocorreu,
até porque não estava a ver o que é que aquilo queria dizer,
nem souberam (ou quiseram) informar-me; apenas quando fiquei com a guia de
marcha para o BT (Batalhão de Telegrafistas) é que percebi o que poderia
significar e só nessa ocasião é que me veio à lembrança que já
tinha sido telegrafista.
Sempre é bom treinar!...
Portanto, coloca-se a questão:. Há
predestinação? Há coincidências?
Hélder Valério Sousa
Fur Mil Transmissões TSF
4 comentários:
Caro Helder
Só espero,só espero,só espero,que quando te referes aos “Bernardos“ que acompanham estes blogues de ex-combatentes não te estejas a referir ao meu amigo de estimação que ,em tempos já distantes,tão interessado estava em enviar-me para umas boas férias (pagas e alimentadas) algures no Norte de Portugal.
Férias de...porta trancada.
Seria injusto pois não é mau rapaz!
Um abraço do J.Belo
Helder
Também eu acompanhei essa série até bastante interessante no meu ponto de vista. Essa série teve a particularidade de ter usado imagens do embarque do meu batalhão onde se vêm entre outros o maqueiro "russo" a acenar com uma fronha de almofada a uma escotilha.
Bem quanto às tuas memórias parece que estavas predestinado. Quanto aos bernardo que se lixem.
Ao JB só lhe digo que com amigos desses quem é que precisa de inimigos.
Um araço
Meus caros amigos
Aqui vão uns pequenos esclarecimentos adicionais.
O primeiro é que "não fui o único" a ter como especialidade TSF naquele 3º Turno de 1969 em Santarém.
Quando escrevi o texto (originalmente no Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné), já lá vão uns bons pares de anos, não me ocorreu (imperdoavelmente) que o meu camarada "Ilustre TSF" Fernando Marques também veio de Santarém.
Quanto aos "bernardos" que, por essa altura, a da saída original, pontificavam na "vigilância crítica" ao que era publicado no tal Blogue, podendo também ser os "abreus" (não, não era o particular amigo António, excelente poeta e tradutor de poetas chineses), teremos que ter em conta que, por força do desempenho da função das comunicações na Guiné, havia uma proximidade muito grande à cifra, pelo que poderei dizer que algumas vezes tenho ainda forte tendência para escrever "cifrado".
Assim, é bem possível que tenhas acertado na decifração. E se dizes que "não é mau rapaz" quem serei eu para contradizer. Mas repara que escrevi "bernardos", no plural, o que significa que havia seguidores....
Então.... "siga a Marinha!"
Abraço
HSousa
Excelente e invulgar história Camarigo Hélder
Há coisas na vida que ultrapassam todos os nossos sonhos!
Ainda bem que o destino acertou em cheio e fez uma excelente escolha de quq resultou um grande telegrafista.
Grande abraço e fica bem.
JERO
PS-Quando for a Oeiras ver a minha família digo-te alma coisa para ver se nos encontramos.
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