ALCUNHAS DO TEMPO DA VIDA MILITAR QUE NÃO
ESQUECEM / 2
O “RATO”
 |
1º Cabo Martins, O "Rato" |
O
1º. Cabo auxiliar de enfº. Martins não enganava... Tinha “pinta”! Rapidamente
deu nas vistas. Aprendia depressa e era um «desenrascado»... natural.
Aquele seu jeito vinha-lhe do berço. Esperto
e mandado para a frente: para o bem e para o mal... Pequeno de estatura, de
olhos bem vivos, mexido e malandro q.b. .
Estava
na vida militar como «peixe na água»: Não era mais um. Dava a pele por um seu
superior.
No
norte da Guiné no «baptismo de fogo» da sua C.Caç. 675 o Martins, ou melhor, «o
Rato» (como já era então por todos conhecido e tratado) mostrou a sua raça e
que... os homens não se medem aos palmos... No «Diário» da Companhia a sua
actuação foi descrita assim: «...De salientar na emergência a coragem do Cabo
Enfº. Martins que não abandonou o ferido em cima da viatura, gritando para o
Claudino (o condutor) que continuasse a andar para o estacionamento».
Há
que esclarecer que a viatura em causa transportava um ferido grave – o soldado
Almeida que veio a ficar cego de um olho – e que foi emboscada quando seguia isolada
a caminho do aquartelamento. Está claro que o «Rato» em cima da viatura e
debaixo de fogo chamou ao Claudino tudo... menos bom rapaz...
É
que este, em desespero, abandonou momentaneamente a cabine para se abrigar do
fogo inimigo. Foram os gritos e «os nomes feios» do Cabo Martins que o fizeram
voltar ao volante do Unimog. Terá
sido o «Rato» que com o seu exemplo e coragem evitou males maiores.
Depois...
ao longo dos meses... esteve sempre em todas.
No
mato e no quartel.
Aprendeu
a falar os dialectos nativos e... não tivessem pena dele.
Ninguém
na Companhia «terá partido mais catota...» que o Cabo Enfº. Martins.
Generoso
e valente como operacional. Malandro e desenrascado no quartel… e na tabanca!
Onde
estava o «Rato» não passava desapercebido! Quando não sabia... ”inventava” e
como auxiliar de enfermagem transmitia confiança. Ia a todas e... não se
atrapalhava. Era bom tê-lo por perto quando havia azar... Vivia intensamente a
“sua” Companhia.
O
que o ex-Alferes Tavares conta da sua dor exaltada quando da morte do soldado
Nascimento no Hospital de Bissau demonstra isso mesmo. «...Mal cheguei ao
Hospital dei de caras com o «Rato». Este estava no HM 241 a fazer tratamento de antiparasitação e logo que me viu gritou-me a má nova: Morreu o Nascimento.
Estava agitadíssimo. Em cada três palavras dizia duas asneiras. Já não sei como
mas... segui-o pelos corredores do Hospital e fui dar a uma sala onde estava um
corpo coberto por um lençol. O «Rato» destapou o corpo e reconheci o corpo
desnudado do Nascimento. Morto. Não tinha um pé.»
Mais
uns meses e o Martins regressou à Metrópole cheio de sonhos. Infelizmente
não optou pelo retorno às (suas) origens. A Tondela. A pequena vila e sede de
concelho do distrito de Viseu. À terra que o tinha visto nascer.
Ficou por Lisboa, pela grande cidade.
E... perdeu-se!
Terá
vivido em equilíbrio precário, na corda bamba e não encontrou nunca «terra
firme»...
Visitou
amigos da vida militar. Teve a ajuda de alguns. Viveu em sobressalto. Em
correria. Parecia adivinhar que a sua vida ia ser curta.
Numa
visita à sua terra natal – a Tondela – morreu num acidente de motorizada.
Quando soube, chorei sentidamente o «Rato».
Fui seu superior directo na vida militar.
Como
eu estimava o puto! Depois do regresso da Guiné tive o “Rato” em Alcobaça, em
casa dos meus Pais. Um fim de semana.
À
noite, já o “Rato” estava deitado, a minha mãe quis saber se ele estava bem e
se precisava de mais alguma coisa.
O
«Rato» preparava-se para dormir sem pijama porque, simplesmente... não o tinha.
Escondeu embaraçado a nudez do tronco com a roupa e respondeu à minha mãe que
não, que estava tudo bem. Parecia um «menino» encabulado! Lembro-me como se
fosse hoje.
Raramente
vi o Rato tão atrapalhado. O Rato irreverente, desenrascado, sem papas na
língua... ficou sem palavras. Tinha sido um menino que teria crescido sem amor
e que não estava habituado a que o tratassem tão bem!
 |
JERO |
É
assim que o recordo.
O
seu sorriso de embaraço frente a alguém que o tratava como a um filho.
O
“Rato” deixou a vida cedo. Vida que viveu a correr. Parecia adivinhar que a sua
vida ia ser curta. Recordo-o com muita saudade.
Se
isso pode ser considerado como um bem... permaneceu desde então, desde sempre
na minha memória, como um jovem, misto de “malandro” e de menino que terá
crescido para a vida... com falta de amor.
O
Rato foi... tudo isto.
Se
tivesse vivido nos tempos de Asterix teria sido, com certeza, também um irredutível.
Que
saudades eu tenho do sacana do puto…
JERO