GENERAL SPÍNOLA, O
MILITAR QUE PODIA TER MUDADO A HISTÓRIA DE PORTUGAL
António Sebastião Ribeiro de Spínola foi
um militar e político português e o décimo quarto presidente da República
Portuguesa, o primeiro após o 25 de Abril de 1974. Filho de António Sebastião Spínola e de Maria
Gabriela Alves Ribeiro nasceu em 11 de abril de 1910 em Estremoz.
General António de Spínola |
Germanófilo,
partiu em 1941 para
a frente russa como observador das movimentações da Wehrmacht,
no início do cerco a Leninegrado, onde já se encontravam voluntários
portugueses incorporados na Blaue
Division.
A
23 de Janeiro de 1948 foi feito Oficial da Ordem Militar de Avis, tendo sido elevado
a Comendador da mesma Ordem a 16 de Maio de 1959.
Em
1961, em carta dirigida a Salazar, voluntaria-se para a Guerra
Colonial, em Angola. Notabilizou-se no comando do Batalhão de Cavalaria n.º
345, entre 1961 e 1963.
Foi
nomeado governador militar da Guiné-Bissau em 1968, e de novo em 1972, no auge da Guerra
Colonial. Nesse cargo, o seu grande prestígio tem origem numa
política de respeito pela individualidade das etnias guineenses e na associação
das autoridades tradicionais à administração, ao mesmo tempo que continuava a
guerra por todos os meios ao seu dispor, desde a diplomacia secreta (encontro
secreto com Léopold Sédar Senghor presidente
do Senegal)
a incursões armadas em países vizinhos (ataque a Conakri, Operação Mar Verde em 22 de Novembro de 1970).
A
diplomacia secreta teve um rude golpe para a estratégia da condução da guerra,
definida pelo General António de Spínola, com a morte trágica dos 3 Majores e
seus acompanhantes, em 20 de ABRIL de 1970, na região Pelundo/Jolmete.
“As mortes terão sido executadas por indivíduos vindos de
Conacri para o efeito e, pelo menos, os chefes guinéus envolvidos nas
negociações terão sido fuzilados. O assassinato dos majores produziu um maior
desentendimento entre os guineenses e os cabo-verdianos porque eram guineenses
os que estavam a negociar o regresso dos guerrilheiros à revelia dos comandos
do PAIGC. Foram denunciadas as conversas com os militares portugueses, o
comando do PAIGC mandou matar os majores e depois fuzilar os chefes dos
guerrilheiros envolvidos na negociação”. (1)
Todavia,
o General Spínola não desistiu de continuar por via de conversações a procurar
uma solução para a Guiné.
O
Presidente Senghor, em alternativa negocial a Marcello Caetano, escolhe o
Governador e Comandante-Chefe da Guiné. O encontro secreto, com autorização do
Governo de Lisboa, deu-se a 18 de Maio de 1972, em Cap Skirring, no Senegal. Na
reunião Senghor propõe novos encontros a outro nível com vista às
possibilidades de mediação entre as autoridades nacionais e o PAIGC,
apresentando como ponto de partida um cessar-fogo e a concessão de, pelo menos,
10 anos de autonomia progressiva com vista a uma ulterior independência, no
quadro de uma comunidade luso-afro-brasileira ou, apenas, luso-africana.
Alfredo Pinho |
A
partir daqui partilho detalhes desta operação que me foram facultados por um
piloto de helicóptero que tive o privilégio de conhecer num recente convívio da
Tabanca do Centro em 28 de Novembro de 2018.
O
piloto em causa – o então Alferes Miliciano Piloto Alfredo Pinho - a quinze
dias do final da sua comissão foi convocado para pilotar um helicóptero para um
destino secreto, só revelado algumas horas antes da saída. Transportou nesse
helicóptero o Major Fabião e o Inspetor da Pide Fragoso Alas.
Num
segundo helicóptero, o então Comandante da Esquadra 122, Capitão Zúquete da
Fonseca, que descolou cinco minutos depois, era acompanhado pelo Governador
Geral da Guiné, General Spínola e pelo Capitão Nunes Barata.
Foto de arquivo, com o piloto Jorge Félix |
O destino era uma pista situada alguns quilómetros a norte da
fronteira norte, já no Senegal, junto a Cap Skirring. Depois de aterrar, o Alf.
Pinho teria de confirmar para o Cap. Zúquete, no segundo heli (onde vinha o General
Spínola), se existiam condições de segurança para a sua aterragem.
Junto à pista estava estacionado um Dakota DC-3 da Força Aérea, com
dois pilotos senegaleses, um capitão e um sargento. Notava-se também, junto à
pista, muito movimento de viaturas militares e tropas regulares do Senegal.
Seguiu-se uma reunião secreta com o presidente Senghor no sentido
de procurar uma solução de paz honrosa entre a Guiné portuguesa e o PAIG.
Assim aconteceu e enquanto durou a reunião - cerca de uma hora e
meia- voavam em alerta a 8000 pés de altitude, dois Fiat G-91 pilotados pelo
Tenente-Coronel Brito, então Comandante do Grupo Operacional 1201, e pelo Coronel
Moura Pinto, então Comandante da Zona Aérea.
A poucos quilómetros a sul, junto à fronteira, estavam
estacionados 8 helicópteros com paraquedistas prontos para intervirem, se
necessário fosse.
Os pilotos dos Fiats tinham instruções para bombardear e metralhar
a zona onde decorreu a reunião tentando evitar a todo o custo, juntamente com
os paraquedistas, uma possível captura do general Spínola.
Se tal tivesse acontecido - como alguns anos antes, quando uma
infame traição tirou a vida a oficiais portugueses - talvez muito poucos
sobrevivessem para testemunhar o facto.
Felizmente, dessa vez, não houve traições, ficou aprazada nova
reunião e toda a gente pôde regressar a Bissau nesse dia.
Coronel Carlos Fabião |
Carlos Fabião, Coronel reformado do Exército português aos 63 anos, foi em diversas comissões de serviço em Angola e na Guiné um herói de guerra - e, por isso, promovido, louvado e condecorado. Era um dos "sete magníficos" que rodeavam Spínola, um grupo que, durante anos, trouxe aos ombros as esperanças e o orgulho do general nas savanas africanas. Conheceu o General Spínola durante uma terceira comissão entre 1968 e 1970 na Guiné.
“O General Spínola correu a Guiné
toda, tirou as suas conclusões e mandou embora uns tantos civis e militares que
eram pouco competentes. A dada altura, o General faz uma reunião com todos os
oficiais, onde nos disse que a guerra subversiva não se ganhava militarmente.
O general Spínola no seu Livro
“Portugal e o Futuro” inspirou-se bastante no projecto que o Senghor tinha para
a África francesa. Como aliás o próprio Senghor também se deixou influenciar
pelos discursos feitos pelo general Spínola e pelos seus planos. Esta
influência recíproca motivou o já referido encontro entre os dois que foi
conseguido pelo homem da PIDE Fragoso Alas. E no dia marcado, o Spínola vai ao
Senegal, acompanhado pela sua equipa, conferenciar com o Presidente Senghor.
Presidente Senghor, do Senegal |
Felizmente não foi preciso e tudo correu
bem…menos a decisão que veio de Lisboa. Marcelo Caetano proibiu tudo e exigiu o
fim de todas as negociações. Foi uma tremenda desilusão.
Enquanto na Guiné tentávamos uma paz
com honra surge em Lisboa um outro projecto: Sá Carneiro e a Ala Liberal convidam
Spínola a candidatar-se à Presidência da República, em 1973. O general
respondeu que ia estudar a questão. A estratégia do Sá Carneiro era afastar de
vez Américo Thomaz, que na altura era o óbvio suporte de toda a direita
radical. E nesse caso, se Thomaz fosse afastado, só restaria a Marcello
candidatar-se ele próprio à Presidência da República. É de resto o próprio Sá
Carneiro quem explica isto a Spínola, adiantando-lhe, inclusivamente, que, a
dar-se este caso - Marcello avançar para a eleição presidencial - Spínola teria
que desistir para lhe deixar o caminho livre.
Dá-se o 25 de Abril. Começam as
clivagens, horas, ou dias depois... Mas o general não aceitou reconhecer a
Republica da Guiné. Não quis fazer esse gesto.”
O
general Spínola ainda se convenceu de que se pudesse ir à Guiné... Mas a
verdade é que, naquele momento, já não tinha prestígio. Os indivíduos que o
tinham aplaudido passaram a assobiá-lo... Os africanos podiam não ser cultos, mas
não eram parvos! E já tinham percebido que o "senhor" de Lisboa
acabara com a chegada da revolução... Agora, o "senhor" chamava-se
PAIGC. O coronel Fabião volta à Guiné e teve oportunidade de verificar a
"força" e a "fragilidade" do PAIGC. Pensava que eram todos
do PAIGC, mas afinal não eram.
“… A gente, dantes, desconfiava que
eram todos... mas, ao fim ao cabo, não eram. E eu, assim, também não estava em
condições de dar qualquer informação ao general Spínola, porque deparei, à
chegada, com problemas gravíssimos: cada remessa de jornais que chegavam da
metrópole dava origem a greves iguais às que se faziam aqui. Os africanos
sabiam que nós estávamos de partida e que a seguir viria o PAIGC, portanto,
todos queriam ser promovidos, aumentados - para que o PAIGC ficasse com esse
encargo aos ombros... e faziam greves medonhas. Senghor tinha razão: já não era
possível viabilizar qualquer projecto como ele e Spínola, uns anos antes,
tinham defendido. Spínola ainda quis fazer lá um congresso, mas o PAIGC nunca
quis que o general lá voltasse: recomeçaria a guerra imediatamente caso ele
levasse por diante tal ideia.”
Carlos
Fabião foi o último Governador num território onde combatera por diversas
vezes, que conhecia bem e onde tinha seguido as pisadas, o projecto e a"
fé" de um homem que admirara, o general Spínola.
“… Houve de facto uma parte muito
amarga e violenta, outra que o não foi. Custou muito - até escrevi uma carta ao
general Spínola a dizer isso - o facto de estar a desfazer um império. Mesmo
sabendo que alguém teria de o fazer, custava-me ser eu a fazê-lo. Era talvez
egoísmo, mas teria preferido que fosse outro o responsável pela resolução
daqueles problemas todos.
Aquilo estava prestes a cair por um
desastre militar. E nesse sentido, até foi bom ter ocorrido o 25 de Abril, estava
tudo mesmo a cair... Um batalhão tem 600 e tal homens e havia lá batalhões que
só tinham três oficiais do quadro permanente, sendo o restante composto por
milicianos. Ninguém percebia nada de nada, tecnicamente falando. E, além disso,
ninguém estava, como sabe, disposto a morrer naquela guerra.
…Começou por haver gente disposta a
morrer e depois não houve mais. Não digo que mesmo no final, no meu tempo de
governador, não houvesse um ou outro...Depois de Maio de 68, começaram a
aparecer indivíduos com outra mentalidade... Houve um que me disse na cara: Eu
estou aqui apenas a defender o meu direito de viver em Portugal! Isto significa
que, a partir daí, era outra gente que fazia a guerra, não era a gente de 61,
de Angola, nem pouco mais ou menos... No final, os soldados iam para lá para
tentar-se ver-se livres daquilo o mais depressa possível.”
Quase
no final da entrevista a jornalista pergunta a Carlos Fabião:
P. - Não foi consigo que se passou um
episódio segundo o qual mandou desmobilizar diversos batalhões de negros que
tinham combatido do nosso lado e que depois vieram a ser fuzilados pelo PAIGC?
R. - Foram
fuzilados muitos meses depois.
P. - Mas foi
ou não por sua iniciativa - e sua palavra - que eles depuseram as armas
confiando que teriam outra sorte e foram depois mortos?
R. - A
tropa, quando é licenciada, entrega as armas, entrega os equipamentos, entrega
tudo. O PAIGC prometeu não lhes fazer nada.”
Mas
fez.
Carlos
Fabião regressa a Portugal e soube mais tarde que “eles tinham fuzilado uns quantos”!
Como
Coronel é eleito depois do “Verão Quente” Chefe de Estado-Maior do Exército. E
entra na guerra de cá. O “28 de Setembro” foi uma confrontação entre o Partido
Comunista e o General Spínola que, segundo ele, devia ter sido evitada.
Depois
de Tancos deixa de ver Spínola.
Marechal Costa Gomes |
Dá-se o 25 de Novembro
onde Carlos Fabião não teve qualquer papel - apesar de ser Chefe do
Estado-Maior do Exército. Passa finalmente à reserva em 1993.
O tempo não parou. O General Spínola
faleceu em Lisboa em Agosto de 1996. O Marechal Costa Gomes morre cinco anos
depois. Em 2006 falece Carlos Fabião.
CAP
SKIRRING é uma ténue memória do passado. E a Guiné-Bissau é o 4º. país mais
pobre do Mundo…
JERO
(1) Texto a págs. 98 do livro "A Guiné e a Ruptura com Marcello", de Carlos Santos Pereira
(2) Algumas imagens foram reproduzidas, com a devida vénia, do blogue "Luís Graça & Camaradas da Guiné"
2 comentários:
Parabéns pelo equilíbrio factual do texto.
Muitos näo estaräo a tal habituados.
Um abraco.
J.Belo
Grande Jero. Louvo a tua capacidade de sinteses e de reprodução pormenorizada de um periodo longo da história da Guiné e de Portugal, fruto de uma conversa no ultimo convivio da Tabanca do Centro como dizes, conversa certamente breve, com um interveniente de peso numa operação importante, e bem descrita. Porém, sem poder, nem querer, de algum modo contrariar nada do que dizes, para mim, o problema começou quando foram mortos os três Majores do Quadro e um alferes miliciano na Chãoo Manjaco em 20 de Abril de 1970. Independentemente de tudo o resto, nomeadamente da morte frequente de soldados, cabos, furrieis e até alguns alferes, a coisa complicou-se quando começaram a morrer outras patentes. Claro que o resultado final não derivou desta minha opinião, mas também e muito do cenário internacional desse tempo. Mas lá que teve o seu peso, não duvido. Vê bem que o senhor comandante da operação de evacuação de Madina do Boé, salvo erro um Coronel, de que resultou o desastre do Cheche em 05 de Fevereiro de 1969, em que morreram cerca de 50 soldados, foi condecorado no 10 de Junho no Terreiro do Paço. Um abraço e até depois de amanhã, 4ª dia 30.
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