segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

P1097: O FUTURO DE PORTUGAL PASSAVA POR SPÍNOLA


GENERAL SPÍNOLA, O MILITAR QUE PODIA TER MUDADO A HISTÓRIA DE PORTUGAL


António Sebastião Ribeiro de Spínola foi um militar e político português e o décimo quarto presidente da República Portuguesa, o primeiro após o 25 de Abril de 1974. Filho de António Sebastião Spínola e de Maria Gabriela Alves Ribeiro nasceu em 11 de abril de 1910 em Estremoz.

General António de Spínola
Estudou no Colégio Militar, em Lisboa, entre 1920 e 1928. Em 1939 tornou-se ajudante de campo do Comando da Guarda Nacional Republicana.
Germanófilo, partiu em 1941 para a frente russa como observador das movimentações da Wehrmacht, no início do cerco a Leninegrado, onde já se encontravam voluntários portugueses incorporados na Blaue Division.
A 23 de Janeiro de 1948 foi feito Oficial da Ordem Militar de Avis, tendo sido elevado a Comendador da mesma Ordem a 16 de Maio de 1959.
Em 1961, em carta dirigida a Salazar, voluntaria-se para a Guerra Colonial, em Angola. Notabilizou-se no comando do Batalhão de Cavalaria n.º 345, entre 1961 e 1963.
Foi nomeado governador militar da Guiné-Bissau em 1968, e de novo em 1972, no auge da Guerra Colonial. Nesse cargo, o seu grande prestígio tem origem numa política de respeito pela individualidade das etnias guineenses e na associação das autoridades tradicionais à administração, ao mesmo tempo que continuava a guerra por todos os meios ao seu dispor, desde a diplomacia secreta (encontro secreto com Léopold Sédar Senghor presidente do Senegal) a incursões armadas em países vizinhos (ataque a ConakriOperação Mar Verde em 22 de Novembro de 1970).
A diplomacia secreta teve um rude golpe para a estratégia da condução da guerra, definida pelo General António de Spínola, com a morte trágica dos 3 Majores e seus acompanhantes, em 20 de ABRIL de 1970, na região Pelundo/Jolmete.
“As mortes terão sido executadas por indivíduos vindos de Conacri para o efeito e, pelo menos, os chefes guinéus envolvidos nas negociações terão sido fuzilados. O assassinato dos majores produziu um maior desentendimento entre os guineenses e os cabo-verdianos porque eram guineenses os que estavam a negociar o regresso dos guerrilheiros à revelia dos comandos do PAIGC. Foram denunciadas as conversas com os militares portugueses, o comando do PAIGC mandou matar os majores e depois fuzilar os chefes dos guerrilheiros envolvidos na negociação”. (1)
Todavia, o General Spínola não desistiu de continuar por via de conversações a procurar uma solução para a Guiné.
O Presidente Senghor, em alternativa negocial a Marcello Caetano, escolhe o Governador e Comandante-Chefe da Guiné. O encontro secreto, com autorização do Governo de Lisboa, deu-se a 18 de Maio de 1972, em Cap Skirring, no Senegal. Na reunião Senghor propõe novos encontros a outro nível com vista às possibilidades de mediação entre as autoridades nacionais e o PAIGC, apresentando como ponto de partida um cessar-fogo e a concessão de, pelo menos, 10 anos de autonomia progressiva com vista a uma ulterior independência, no quadro de uma comunidade luso-afro-brasileira ou, apenas, luso-africana.
Alfredo Pinho
A partir daqui partilho detalhes desta operação que me foram facultados por um piloto de helicóptero que tive o privilégio de conhecer num recente convívio da Tabanca do Centro em 28 de Novembro de 2018.
O piloto em causa – o então Alferes Miliciano Piloto Alfredo Pinho - a quinze dias do final da sua comissão foi convocado para pilotar um helicóptero para um destino secreto, só revelado algumas horas antes da saída. Transportou nesse helicóptero o Major Fabião e o Inspetor da Pide Fragoso Alas.
Num segundo helicóptero, o então Comandante da Esquadra 122, Capitão Zúquete da Fonseca, que descolou cinco minutos depois, era acompanhado pelo Governador Geral da Guiné, General Spínola e pelo Capitão Nunes Barata.

Foto de arquivo, com o piloto Jorge Félix
O destino era uma pista situada alguns quilómetros a norte da fronteira norte, já no Senegal, junto a Cap Skirring. Depois de aterrar, o Alf. Pinho teria de confirmar para o Cap. Zúquete, no segundo heli (onde vinha o General Spínola), se existiam condições de segurança para a sua aterragem.
Junto à pista estava estacionado um Dakota DC-3 da Força Aérea, com dois pilotos senegaleses, um capitão e um sargento. Notava-se também, junto à pista, muito movimento de viaturas militares e tropas regulares do Senegal.
Seguiu-se uma reunião secreta com o presidente Senghor no sentido de procurar uma solução de paz honrosa entre a Guiné portuguesa e o PAIG.
Assim aconteceu e enquanto durou a reunião - cerca de uma hora e meia- voavam em alerta a 8000 pés de altitude, dois Fiat G-91 pilotados pelo Tenente-Coronel Brito, então Comandante do Grupo Operacional 1201, e pelo Coronel Moura Pinto, então Comandante da Zona Aérea.
A poucos quilómetros a sul, junto à fronteira, estavam estacionados 8 helicópteros com paraquedistas prontos para intervirem, se necessário fosse.
Os pilotos dos Fiats tinham instruções para bombardear e metralhar a zona onde decorreu a reunião tentando evitar a todo o custo, juntamente com os paraquedistas, uma possível captura do general Spínola.
Se tal tivesse acontecido - como alguns anos antes, quando uma infame traição tirou a vida a oficiais portugueses - talvez muito poucos sobrevivessem para testemunhar o facto.
Felizmente, dessa vez, não houve traições, ficou aprazada nova reunião e toda a gente pôde regressar a Bissau nesse dia.
Coronel Carlos Fabião
Com o apoio de outra fonte (entrevista a Carlos Fabião feita por Maria João Avillez) continuo a partir do registo anterior para uma análise geral da situação política e militar respeitante aos últimos anos da presença portuguesa na Guiné.

Carlos Fabião, Coronel reformado do Exército português aos 63 anos, foi em diversas comissões de serviço em Angola e na Guiné um herói de guerra - e, por isso, promovido, louvado e condecorado. Era um dos "sete magníficos" que rodeavam Spínola, um grupo que, durante anos, trouxe aos ombros as esperanças e o orgulho do general nas savanas africanas. Conheceu o General Spínola durante uma terceira comissão entre 1968 e 1970 na Guiné.
“O General Spínola correu a Guiné toda, tirou as suas conclusões e mandou embora uns tantos civis e militares que eram pouco competentes. A dada altura, o General faz uma reunião com todos os oficiais, onde nos disse que a guerra subversiva não se ganhava militarmente.
O general Spínola no seu Livro “Portugal e o Futuro” inspirou-se bastante no projecto que o Senghor tinha para a África francesa. Como aliás o próprio Senghor também se deixou influenciar pelos discursos feitos pelo general Spínola e pelos seus planos. Esta influência recíproca motivou o já referido encontro entre os dois que foi conseguido pelo homem da PIDE Fragoso Alas. E no dia marcado, o Spínola vai ao Senegal, acompanhado pela sua equipa, conferenciar com o Presidente Senghor.
Presidente Senghor, do Senegal
O encontro foi num Clube Mediterranée, em Cap Skirring, que havia perto da fronteira com a Guiné. Na sala estavam apenas o general Spínola, o Alas e o Nunes Barata. Eu [Carlos Fabião] fiquei junto dos helicópteros, cabendo-me a decisão de fazer avançar ou não as tropas. Em caso de azar, o ponto de honra era que eles (o PAIGC ou as forças do próprio Senegal) não apanhassem o general Spínola vivo...
Felizmente não foi preciso e tudo correu bem…menos a decisão que veio de Lisboa. Marcelo Caetano proibiu tudo e exigiu o fim de todas as negociações. Foi uma tremenda desilusão.
Enquanto na Guiné tentávamos uma paz com honra surge em Lisboa um outro projecto: Sá Carneiro e a Ala Liberal convidam Spínola a candidatar-se à Presidência da República, em 1973. O general respondeu que ia estudar a questão. A estratégia do Sá Carneiro era afastar de vez Américo Thomaz, que na altura era o óbvio suporte de toda a direita radical. E nesse caso, se Thomaz fosse afastado, só restaria a Marcello candidatar-se ele próprio à Presidência da República. É de resto o próprio Sá Carneiro quem explica isto a Spínola, adiantando-lhe, inclusivamente, que, a dar-se este caso - Marcello avançar para a eleição presidencial - Spínola teria que desistir para lhe deixar o caminho livre.
Dá-se o 25 de Abril. Começam as clivagens, horas, ou dias depois... Mas o general não aceitou reconhecer a Republica da Guiné. Não quis fazer esse gesto.”
O general Spínola ainda se convenceu de que se pudesse ir à Guiné... Mas a verdade é que, naquele momento, já não tinha prestígio. Os indivíduos que o tinham aplaudido passaram a assobiá-lo... Os africanos podiam não ser cultos, mas não eram parvos! E já tinham percebido que o "senhor" de Lisboa acabara com a chegada da revolução... Agora, o "senhor" chamava-se PAIGC. O coronel Fabião volta à Guiné e teve oportunidade de verificar a "força" e a "fragilidade" do PAIGC. Pensava que eram todos do PAIGC, mas afinal não eram.
“… A gente, dantes, desconfiava que eram todos... mas, ao fim ao cabo, não eram. E eu, assim, também não estava em condições de dar qualquer informação ao general Spínola, porque deparei, à chegada, com problemas gravíssimos: cada remessa de jornais que chegavam da metrópole dava origem a greves iguais às que se faziam aqui. Os africanos sabiam que nós estávamos de partida e que a seguir viria o PAIGC, portanto, todos queriam ser promovidos, aumentados - para que o PAIGC ficasse com esse encargo aos ombros... e faziam greves medonhas. Senghor tinha razão: já não era possível viabilizar qualquer projecto como ele e Spínola, uns anos antes, tinham defendido. Spínola ainda quis fazer lá um congresso, mas o PAIGC nunca quis que o general lá voltasse: recomeçaria a guerra imediatamente caso ele levasse por diante tal ideia.”
Carlos Fabião foi o último Governador num território onde combatera por diversas vezes, que conhecia bem e onde tinha seguido as pisadas, o projecto e a" fé" de um homem que admirara, o general Spínola.
“… Houve de facto uma parte muito amarga e violenta, outra que o não foi. Custou muito - até escrevi uma carta ao general Spínola a dizer isso - o facto de estar a desfazer um império. Mesmo sabendo que alguém teria de o fazer, custava-me ser eu a fazê-lo. Era talvez egoísmo, mas teria preferido que fosse outro o responsável pela resolução daqueles problemas todos.
Aquilo estava prestes a cair por um desastre militar. E nesse sentido, até foi bom ter ocorrido o 25 de Abril, estava tudo mesmo a cair... Um batalhão tem 600 e tal homens e havia lá batalhões que só tinham três oficiais do quadro permanente, sendo o restante composto por milicianos. Ninguém percebia nada de nada, tecnicamente falando. E, além disso, ninguém estava, como sabe, disposto a morrer naquela guerra.
…Começou por haver gente disposta a morrer e depois não houve mais. Não digo que mesmo no final, no meu tempo de governador, não houvesse um ou outro...Depois de Maio de 68, começaram a aparecer indivíduos com outra mentalidade... Houve um que me disse na cara: Eu estou aqui apenas a defender o meu direito de viver em Portugal! Isto significa que, a partir daí, era outra gente que fazia a guerra, não era a gente de 61, de Angola, nem pouco mais ou menos... No final, os soldados iam para lá para tentar-se ver-se livres daquilo o mais depressa possível.”
Quase no final da entrevista a jornalista pergunta a Carlos Fabião:
P. - Não foi consigo que se passou um episódio segundo o qual mandou desmobilizar diversos batalhões de negros que tinham combatido do nosso lado e que depois vieram a ser fuzilados pelo PAIGC?
R. - Foram fuzilados muitos meses depois.
P. - Mas foi ou não por sua iniciativa - e sua palavra - que eles depuseram as armas confiando que teriam outra sorte e foram depois mortos?
R. - A tropa, quando é licenciada, entrega as armas, entrega os equipamentos, entrega tudo. O PAIGC prometeu não lhes fazer nada.”
Mas fez.
Carlos Fabião regressa a Portugal e soube mais tarde que “eles tinham fuzilado uns quantos”!
Como Coronel é eleito depois do “Verão Quente” Chefe de Estado-Maior do Exército. E entra na guerra de cá. O “28 de Setembro” foi uma confrontação entre o Partido Comunista e o General Spínola que, segundo ele, devia ter sido evitada.
Depois de Tancos deixa de ver Spínola.
Marechal Costa Gomes
Costa Gomes chama Fabião a Belém. São os tempos conturbados de Vasco Gonçalves, altura em que Carlos Fabião esteve quase a ser primeiro-ministro.
Dá-se o 25 de Novembro onde Carlos Fabião não teve qualquer papel - apesar de ser Chefe do Estado-Maior do Exército. Passa finalmente à reserva em 1993.
Na entrevista refere que, passados 20 anos em relação aos tempos da Guiné, não havia comparação entre o Portugal de 1974 e o de então. Tem saudade de Spínola mas releva o papel do Marechal Costa Gomes, que “salvou o País de uma grande desgraça”.
O tempo não parou. O General Spínola faleceu em Lisboa em Agosto de 1996. O Marechal Costa Gomes morre cinco anos depois. Em 2006 falece Carlos Fabião.
CAP SKIRRING é uma ténue memória do passado. E a Guiné-Bissau é o 4º. país mais pobre do Mundo…

JERO     

(1) Texto a  págs. 98 do livro "A Guiné e a Ruptura com Marcello", de Carlos Santos Pereira 

(2) Algumas imagens foram reproduzidas, com a devida vénia, do blogue "Luís Graça & Camaradas da Guiné"

2 comentários:

Anónimo disse...

Parabéns pelo equilíbrio factual do texto.
Muitos näo estaräo a tal habituados.

Um abraco.
J.Belo

Carlos Pinheiro disse...

Grande Jero. Louvo a tua capacidade de sinteses e de reprodução pormenorizada de um periodo longo da história da Guiné e de Portugal, fruto de uma conversa no ultimo convivio da Tabanca do Centro como dizes, conversa certamente breve, com um interveniente de peso numa operação importante, e bem descrita. Porém, sem poder, nem querer, de algum modo contrariar nada do que dizes, para mim, o problema começou quando foram mortos os três Majores do Quadro e um alferes miliciano na Chãoo Manjaco em 20 de Abril de 1970. Independentemente de tudo o resto, nomeadamente da morte frequente de soldados, cabos, furrieis e até alguns alferes, a coisa complicou-se quando começaram a morrer outras patentes. Claro que o resultado final não derivou desta minha opinião, mas também e muito do cenário internacional desse tempo. Mas lá que teve o seu peso, não duvido. Vê bem que o senhor comandante da operação de evacuação de Madina do Boé, salvo erro um Coronel, de que resultou o desastre do Cheche em 05 de Fevereiro de 1969, em que morreram cerca de 50 soldados, foi condecorado no 10 de Junho no Terreiro do Paço. Um abraço e até depois de amanhã, 4ª dia 30.