quinta-feira, 21 de junho de 2018

P1034: NÃO ESTÃO ESQUECIDOS...


MORTOS POR FUZILAMENTO NA GUINÉ

JERO
O PAICG prometeu tratá-los com humanidade. Portugal acreditou, pagou-lhes seis meses de ordenado e pediu-lhes que entregassem as armas. Ainda que renitentes, os 27 mil militares guineenses do Exército português aceitaram. Mal as autoridades portuguesas abandonaram o país, logo o novo poder executou os primeiros.

Mortes reconhecidas na sinceridade das certidões de óbito: “Faleceu por fuzilamento”, diziam. As autoridades guineenses pós-Luís Cabral falam em 500 mortos. O jornal “Nô Pintcha” chegou a publicar uma lista de nomes. Mas os sobreviventes calculam que pelo menos um milhar terá comparecido diante do pelotão de fuzilamento - alguns em aeroportos e campos de futebol, diante das populações.

Apetece-me começar por dizer que este triste e trágico tema, que em termos pessoais desde sempre incluímos na chamada “descolonização exemplar”, foi há muito esquecido…

Como um amigo e ex-militar do “quadro” me disse quando lhe referi “os falecidos por fuzilamento” há coisas que… não interessa lembrar. E é melhor esquecer !

No que me diz respeito - e por diversas razões – não consigo “apagar” das minhas memórias da guerra do Ultramar a história dos fuzilamentos da Guiné. E já lá vão mais de 50 anos…mas ainda restam testemunhos credíveis.

Socorrendo-me de textos de Eduardo Dâmaso e Adelino Gomes recordamos que “… ainda a comissão executiva do PAIGC não tinha ocupado as cadeiras do poder, em Bissau, no Outono de 1974, e já alguns dos mais destacados militares africanos do contingente português na Guiné começavam a ser fuzilados.

 O destino dos cerca de 27 mil guineenses que faziam parte do contingente português na província, à data de 25 de Abril de 1974, começou por ser objecto de discussão no primeiro encontro entre as delegações de Portugal e do PAIGC, em Maio e Junho desse mesmo ano, mas não consta nem do texto principal nem dos anexos do chamado acordo de Argel, através do qual a antiga potência colonial reconheceu o Estado da Guiné-Bissau.

Todavia, foi num desses encontros das delegações de Portugal, integrada por Mário Soares, Almeida Santos, Jorge Campinos e o general Almeida Bruno, com a do PAIGC, representado por Pedro Pires e José Araújo, que a questão foi abordada.”

O General Almeida Bruno por diversas vezes recordou publicamente que levava indicações claras de Spínola: “Ninguém tocava nos africanos, não só nos oficiais e sargentos do Batalhão de Comandos, como nos comandantes das milícias, que tinham cerca de 20 mil homens com insígnias e uniformes próprios”. Intenções rapidamente desmentidas pelo vertiginoso curso dos acontecimentos.

Para o General Almeida Bruno, resulta claro que o PAIGC aceitou a integração daqueles militares. Ou na vida militar ou na vida civil. “Mas o que aconteceu não foi isso e o PAIGC fuzilou barbaramente a maioria dos meus oficiais africanos do batalhão de Comandos”.

O General Almeida Bruno conseguiu fazer sair do país Marcelino da Mata, o mais lendário de todos os combatentes africanos.

As companhias africanas e os soldados milícias constituíam uma potencial terceira força que alguma falta de tacto poderia fazer emergir de um momento para o outro.

A questão preocupou, como é de calcular, os representantes locais do MFA, nas semanas que se seguiram ao golpe de Estado.

Logo após o 25 de Abril, os militares guineenses que combateram o PAIGC começaram a dar sinais de inquietação.

Necessitados de garantir um processo sem sobressaltos os representantes locais do novo poder em Lisboa procuraram obter do  PAIGC o compromisso de que nenhuma represália seria exercida sobre guineenses que haviam integrado as forças portuguesas.

Tarefa tanto mais complexa quanto muitos dos militares mais graduados pareciam não ter entendido ainda o sentido dos ventos da História. “Nós, os futuros coronéis, queremos que o nosso general Spínola venha cá fazer-nos a entrega da Guiné”, disse por estas palavras, ou outras de significado semelhante, um oficial nativo ao comandante de uma das unidades operacionais.

Os dados disponíveis para reconstituir objectivamente como tudo começou e se desenvolveu são ainda pouco seguros. Há quem se recuse a falar e os que o fazem confundem muitas vezes as datas e parecem afectados por um grande ódio ao PAIGC.

Sabe-se que muitos dos soldados e oficiais, ao apresentarem-se em Janeiro nos quartéis das FARP, foram mandados para a embaixada de Portugal em Bissau, onde, minutos depois, blindados os dispersaram.

O então chefe do Estado-Maior do Exército do PAIGC, Umarú Djaló apareceu junto à embaixada portuguesa num dos blindados e gritou-lhes: “Deviam ter vergonha por estar ali a pedir alguma coisa, deviam de ter vergonha de ter sido comandos!”

Os que não abandonaram o país cruzando a fronteira para o Senegal, viram-se pouco depois e uma vez mais confrontados com o PAIGC, que logo após o golpe de 11 de Março, em Lisboa, lançou uma gigantesca operação de limpeza entre os ex-soldados comandos e milícias.

“Acusaram-nos de querermos fazer um golpe. Sem armas? Os soldados portugueses controlaram a entrega das armas. Mas, ainda que houvesse desconfianças, onde estavam as provas? E mata-se sem julgamento?” - perguntava-se muito anos depois.

Mansoa, Bissorã (antiga Teixeira Pinto), Bula e Cachungo foram localidades onde ocorreram muitas das execuções.

Em termos públicos “os assassinatos acabaram com o golpe de 14 de Novembro de 1980”, liderado pelo presidente e antigo guerrilheiro Nino Vieira. “Mas, secretamente, continuaram”, acusam muitos, calculando em mais de mil os assassinados”. Se continuaram depois do golpe de Nino Vieira, não se sabe, mas, que persistiram até muito próximo dele, isso é certo.

Malan Sissé
E terminamos com uma nota pessoal sobre o Guia Malan Sissé (foto do ex-Alferes Belmiro Tavares) em 1965.

"Depois da 'Revolução de Abril' e da Independência da Guiné, Malan Sissé, também conhecido em Binta por Malan Griffon Sissé, foi morto (sem qualquer sombra de julgamento) no Senegal onde se refugiara, tentando fugir ao destino que lhe traçaram.

Mais recentemente tem participado nos nossos convívios João Turé um dos sobrinhos do malogrado Malan, o nosso grande e saudoso guia, que a Companhia de Caçadores 675 guarda na memória como um dos nossos mortos em combate.

Aqui fica mais uma distante memória da chamada “descolonização exemplar”.
JERO    


3 comentários:

joaquim disse...

Este é um assunto demasiado penoso para mim.

Lembro-me dos meus bravos do Pel Caç Nat 52 e muito especialmente dos da C. Caç. 15, onde segundo informações que me chegaram, foram realmente muitos os fuzilados.

É uma profunda e vergonhosa chaga na história de Portugal.

E mais não digo!

Rezo por eles!

Abraços
Joaquim Mexia Alves

Anónimo disse...

Obrigado Joaquim Mexia Alves.
Recordei-me agora que pouco antes de partirmos da Guiné em meados de 1966 tentámos conseguir autorização para trazer connosco o guia Malan. Passaria 6 meses na Metrópole a expensas nossas mas não foi possível.
Mas em finais dos anos sessenta (ou princípios de setenta) o Malan foi galardoado com o Prémio Governador da Guiné e "ganhou"um mês em Portugal com viagem e estadia pagas pelo Governo.

"E quando ele chegou a Lisboa...'raptámos' o Malan do Depósito Geral de Adidos (Calçada da Ajuda) e só o 'libertámos' para regressar a Guiné.
A memória desse mês feliz de Malan Sissé em Lisboa ninguém nos tira.
Até breve se Deus quiser.
JERO

Anónimo disse...

Obrigada por este testemunho, amigo JERO.
Sempre me soou aos ouvidos esses trágicos acontecimentos depois da independência e fiquei chocada ao saber que o Luis Cabral viera para cá, penso que até findar os seus dias!...
Uma página negra da nossa história recente, que perdurará nas nossas memórias.
Algumas vezes penso no que terá acontecido ao Afonso, filho de um oficial de "segunda linha", que fora serviçal da nossa casa, ao serviço da FAP.
Um abraço
M Arminda