quarta-feira, 31 de janeiro de 2018
domingo, 28 de janeiro de 2018
P992: DO ANTÓNIO LÚCIO VIEIRA
Depois de um ano de 2017 farto de problemas de saúde, diz-nos o
Lúcio Vieira:
“Este é, finalmente, o
primeiro poema que escrevo, após a crise que me atingiu.
Agora ganhei coragem e
escrevi-o…”
Com uma dedicatória especial para três amigos que me acompanharam na doença
que quase me vitimou e que sempre estiveram ao meu lado durante todo o processo:
o Carlos Pinheiro e o Manuel Ramos, companheiros habituais em Monte Real, e o
José Rosa, um dos muitos e
bons actores que tive a felicidade de dirigir ao longo dos meus anos de Teatro.”
CONFISSÃO
E medito.
Tenho por certo que a vida me devia
ter sido
por mero acto de justiça, um projecto
de felicidade.
Nasceram comigo incontáveis promessas
e inocentes esperanças. E eu sei um
pouco de esperanças.
A minha mãe ergueu-me, peça a peça,
ânsia a ânsia.
Depois concluiu-me e deixou-me,
timidamente, ao futuro.
Um dia, imperfeito, surpreso e
descuidado, descobri-te.
Encontrei a minha casa nos teus olhos
o meu sossego nos teus braços
a minha paz e a minha ventura nas tuas
palavras
e nos teus olhares tão ternamente eloquentes.
E descubro que tanta vez fui amado
quando pouco amava.
Perdoem-me, se me amaram, os amores
que mal mereci.
Confesso-lhes:
como enamorado camoniano,
de
deslumbrado coração,
quanto mais vos paguei em
amor mais amor vos devi.
Mil e uma vezes confrontei as mortes.
Perdi-me
algures, em remotos tempos
em duelos decisivos
com homens com a razão na voz
homens que clamavam pão e liberdade e
depois
anos depois, vesti-me de sapiências, de razão e de verdades.
Eu próprio me ensinei, vos digo.
Foi depois que se abateram as
derrotas.
Fui confrontado ainda por amores que
nunca entendi
de mulheres que não amei o bastante enquanto as amava.
Agora,
sem o clamor das trombetas, voltei à beira da mortalha.
Silenciosa e cobarde, a morte
insidiou-se e quase venceu.
Voltaram os amores. Desta feita em
redor de uma cama
onde o corpo, por denodo, me resistia. Cúmplice,
aquela
casa de salvação onde me acolhi, ergueu-se em armas
em
defesa deste atrevido e incrédulo paciente.
Depois de tanta morte ameaçada,
tocou-me o soro da vida
dos novos amores que, como outrora, mal mereço.
Sorriam-me
os rostos quando abria os olhos na cama dos martírios.
Definhava-me o corpo e acendia-se a
alma.
Outra,
uma outra alma, onde cabiam todos os anjos da guarda,
que sempre jurei não existirem.
Nunca
acreditei em divindades, porém
sei
bem que os meus anjos existem.
Os
tais meus amores de que aqui vos falo. Sei-os comigo
ainda,
agora, dentro e fora daquela casa de salvação
onde
dedicadamente me salvam. Onde todos eles se deram mãos
e me devolveram às tantas vidas a que
já resisto.
E
tu, anjo maior, estiveste sempre comigo, acredita.
Aqui,
neste canto do peito onde, cioso, guardo
a
memória dos meus novos anjos que não sabia existirem,
mas
que, na heresia da descrença,
me
protegeram dos momentos de agonia,
das mil mortes a que resisti e que
ainda me envolvem
como uma sina a que só se deixa de
fugir
apenas quando os nossos anjos
partirem.
Entretanto, vagueei pelas sombrias
ruelas da morte.
Coisa banal, não é?
Voltei. Não sei por quanto tempo esta
ventura,
mas sei que é em vós, os meus anjo
protectores,
que penso, sempre que penso na morte
vencida
por obra e graça do amor e do
saber de quem me resgatou
e dos meus, dos corações que ainda não
mereço
e dos quais recebi a bênção de um
outro amor maior
a que vulgarmente se chama Amizade.
Confesso-vos
que estou a transformar esse tão puro sentimento,
naquilo que sempre me tem faltado.
Os poetas que conheço chamam-lhe Amor.
Quem sou eu para contrariar os poetas…
António
Lúcio Vieira
Jan.
2018
sexta-feira, 26 de janeiro de 2018
terça-feira, 23 de janeiro de 2018
sábado, 20 de janeiro de 2018
P989: POEMA DE UM DOS GRANDES ESPÍRITOS NACIONAIS
AOS MEUS
AMIGOS
FERNANDO PESSOA
Sentiremos saudades de todas as conversas atiradas fora,
das descobertas que fizemos, dos sonhos que tivemos,
dos tantos risos e momentos que partilhámos.
Saudades até dos
momentos de lágrimas, da angústia, das
vésperas dos fins-de-semana, dos finais de ano, enfim...
do companheirismo vivido.
Sempre pensei que as
amizades continuassem para sempre.
Hoje já não tenho tanta
certeza disso.
Em breve cada um vai
para seu lado, seja
pelo destino ou por algum
desentendimento, segue a sua vida.
Talvez continuemos a
encontrar-nos, quem sabe... nas cartas
que trocaremos.
Podemos falar ao
telefone e dizer algumas tolices...
Aí, os dias vão passar, meses... anos... até este contacto
se tornar cada vez mais raro.
Vamo-nos perder no
tempo...
Um dia os nossos filhos
verão as nossas fotografias e
perguntarão:
Quem são aquelas pessoas?
Diremos... que eram
nossos amigos e... isso vai doer tanto!
- Foram meus amigos, foi
com eles que vivi tantos bons
anos da minha vida!
A saudade vai apertar
bem dentro do peito.
Vai dar vontade de ligar, ouvir aquelas vozes novamente...
Quando o nosso grupo
estiver incompleto...
reunir-nos-emos para um último adeus a um amigo
e, entre lágrimas, abraçar-nos-emos.
Então faremos promessas de nos encontrarmos mais vezes
daquele dia em diante.
Por fim, cada um vai para o seu lado para continuar a viver a sua vida, isolada
do passado.
E perder-nos-emos no
tempo...
Por isso, fica aqui um
pedido deste humilde amigo:
Não deixes que a vida passe em branco, e que pequenas adversidades sejam
a causa de grandes tempestades....
Eu poderia suportar,
embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores,
mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos!"
Fernando Pessoa
terça-feira, 16 de janeiro de 2018
P988: UMA FELIZ INICIATIVA, PERMANENTEMENTE RENOVADA
OITO ANOS DE TABANCA DO CENTRO!
Já lá
vão oito anos (!) e eu não posso deixar de me surpreender com isso mesmo.
É que,
passados oito anos ainda continuamos a reunir-nos, a almoçarmos, a convivermos,
a termos tema de conversa, a abraçarmo-nos, a entusiasmarmo-nos, a
emocionarmo-nos, enfim, a sentirmo-nos de algum modo sempre combatentes.
Quem
havia de dizer que esta gente apesar dos sessentas e setentas anos, continua a
ter entusiasmo e vitalidade, para vir por vezes de longe, “apenas” para dar dois
dedos de conversa, para dar uns abraços, para matar saudades.
Saudades
de quê?
Da
guerra?
Claro
que não!
Mas sim
saudades de quando os jovens se fizeram homens, e perceberam que aquele que
estava ao seu lado era aquele em quem mais se devia confiar, que aqueles e
aquelas que andavam pelo ar, eram a protecção e a esperança nos momentos de
aperto, que aqueles que andavam a navegar, combatiam ao nosso lado e protegiam
as nossas chegadas e partidas e até as nossas idas de férias.
É um
orgulho enorme fazer parte desta Tabanca do Centro que nos une “apenas” para
matar as tais saudades, para falarmos a linguagem que só nós compreendemos,
para contar até à exaustão as histórias já tantas vezes contadas.
É bom
ver como os olhos cansados de tanta coisa já vista na vida, se iluminam quando
nos juntamos e partilhamos a nossa emoção, porque no fundo partilhamos a nossa
vida, como fizemos na Guiné, em Angola ou por Moçambique.
Obrigado,
meus camarigos, por estes oito anos e que muitos mais venham para nos continuarmos
a abraçar, deixando de lado tudo o que divide e não junta, para sermos exemplo
para os vindouros de que um combatente nunca deixa de o ser, enquanto viver.
Porque
nós não somos combatentes da guerra, somos combatentes da vida!
Monte Real, 16 de Janeiro de 2018
Joaquim Mexia Alves
Nota:
Já agora, venham lá daí, de todos os lados,
festejar estes oito anos da Tabanca do Centro, que vos espera de braços
abertos.
sexta-feira, 12 de janeiro de 2018
segunda-feira, 8 de janeiro de 2018
P986: JERO - LEMBRANÇAS DE ÁFRICA
O “NHACA”
O
soldado-atirador nº. 2226/63, António Machado de seu nome, era mais conhecido na
Companhia por “Nhaca”, sendo, entre várias coisas, aprendiz de enfermeiro nas
horas vagas.
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O "Nhaca" |
A
seu respeito ficaram algumas histórias, esbatidas pelo tempo, que recordamos
com o auxílio do “Diário” da C.Caç. 675.
Para
já, deve referir-se a maneira curiosa como se iniciou para as “medicinas”. Era
um cliente tão assíduo do posto de socorros – era certo e sabido que depois do
toque a doentes o Machado lá estava a pedir a sua aspirina diária para as dores
de cabeça – que um dia foi convidado a ficar, passando de “doente profissional”
a curioso da enfermagem.
E
não se pode dizer que o Machado não tivesse habilidade e não fosse útil,
despachando a preceito e com rapidez os pensos que se reconheciam estar já ao
alcance dos seus conhecimentos, embora por vezes os seus ares “doutorais” não
fossem muito bem aceites pelos fregueses do posto de socorros.
Alguns
conflitos com o cabo enfermeiro Martins, que não simpatizava muito com o Nhaca,
levaram-no a afastar-se temporariamente… mas a sua boa vontade e gosto pela
enfermagem faziam-no voltar a aparecer principalmente quando o seu “amigo”
Martins não estava ao serviço.
Assim aconteceu mais uma vez em Guidage (na fronteira da Guiné com o Senegal), onde esteva instalado temporariamente o pelotão a que pertencia. Quando o cabo enfermeiro Adelino substituiu o Martins, o nosso amigo Machado voltou a ser “ajudante de enfermeiro” e a fazer valer os seus dotes e saberes, repetindo com frequência aos nativos que acorriam ao posto de socorros o seu nome e “posto”, já que a “especialidade” era rendosa pois em troca de uma injeção os doentes do Senegal traziam uma galinha, o que reforçava a sua alimentação.
Assim aconteceu mais uma vez em Guidage (na fronteira da Guiné com o Senegal), onde esteva instalado temporariamente o pelotão a que pertencia. Quando o cabo enfermeiro Adelino substituiu o Martins, o nosso amigo Machado voltou a ser “ajudante de enfermeiro” e a fazer valer os seus dotes e saberes, repetindo com frequência aos nativos que acorriam ao posto de socorros o seu nome e “posto”, já que a “especialidade” era rendosa pois em troca de uma injeção os doentes do Senegal traziam uma galinha, o que reforçava a sua alimentação.
O anterior
enfermeiro teve “lucros” tais que chegou a fazer uma capoeira normalmente
sempre bem recheada de galinhas senegalesas.
Assim
o “Doutor” António Machado passou a ser mais conhecido entre a população nativa,
com direito a ter quase todos os dias “rancho” melhorado.
Até
que um dia – há sempre um dia – houve tanta gente no posto de enfermagem que o
Machado foi encarregado de, além dos pensos, dar duas ou três injeções de hidromicina,
que ele despachou com ligeireza.
Terminada a consulta e quando se limpavam as seringas para serem de novo fervidas, verificou-se faltar uma agulha de injeções intramusculares.
Terminada a consulta e quando se limpavam as seringas para serem de novo fervidas, verificou-se faltar uma agulha de injeções intramusculares.
O
Machado teve um sobressalto, bateu com mão na testa, e sem dizer palavra saiu
disparado do posto de socorros.
Um
sprint de 200 metros e eis que o nosso “enfermeiro” volta cansado mas com a
agulha em falta recuperada por ter seguido indevidamente na nádega de uma
bajuda (rapariga jovem).
Ficou
tudo certo no material sanitário mas o “prestígio” do Machado saiu da história
um pouco abalado embora alguns o consolassem dizendo-lhe que azares daqueles
acontecem aos melhores, sendo conhecidas histórias de médicos cirurgiões que se
esqueceram de pinças e tesouras nas entranhas dos seus pacientes.
E
o Machado voltou a fazer enfermagem embora se dedicasse a partir dessa altura a
fazer mais pensos e seus “derivados”, com algum prejuízo para o stock das “suas”
galinhas que lhe chegavam do outro lado da fronteira.
Mas não deixou a sua fama e proveito por “mãos alheias”. E aqui é recordado mais de
meio século depois da sua passagem pela Guiné (1964-66), o soldado-atirador nº.
2226/63, António Machado de seu nome. Mais conhecido por “Nhaca”.
JERO
quinta-feira, 4 de janeiro de 2018
P985: NO LANÇAMENTO DE MAIS UM LIVRO
Artigo sobre o nosso camarigo Lúcio
Vieira reproduzido, com a devida vénia, de
TORRES NOVAS
UM PRÉMIO PARA O
“POETA MAIOR”
QUE O PAÍS NUNCA
RECONHECEU
Reportagem de Cláudia Gameiro
Poeta de Torres Novas venceu o seu primeiro
prémio
depois de uma vida dedicada à poesia
Foto: mediotejo.net
Figura reconhecida no circulo literário
e do teatro torrejano, foi uma surpresa “sem surpresa” a notícia de que António
Lúcio Vieira fora escolhido como o vencedor do Prémio Literário Médio Tejo
Edições, na categoria de poesia. Disso deram conta os seus amigos aquando a
apresentação da obra vencedora “25 poemas de dores e amores”, no sábado, 16 de
dezembro, lançada a nível nacional através da nova chancela da Médio Tejo
Edições, a Origami.
“longa e insana noite
dos desassossegos
que cruz esta minha
porquê estes pregos
que silêncio é este
que me cava a sorte
porque me és eterna
bem mais do que a morte”
in 25
Poemas de dores e amores, pp.41
O cravo é a imagem de marca do livro de
António Lúcio Vieira. É um símbolo de liberdade
mas também do amor, em alguns
países. Na foto, o poeta com a editora Patrícia Fonseca.
Foto: mediotejo.net
“Isto é da melhor poesia que já li”,
afirmaria António Matias Coelho, presidente da Associação Casa-Memória de
Camões e membro do júri, ao ler o poema da página 41, o que mais o marcou, e
ditaria a sua predilecção pela obra, então anónima, que venceria o Prémio
Literário Médio Tejo Edições, uma iniciativa com o apoio do TorreShopping que
visa revelar talentos regionais. “Eu não conhecia o António Lúcio Vieira, nunca
tinha lido nada dele”, reconheceu, frisando que o que conheceu dele durante
todo o processo de análise das obras de poesia a concurso foram apenas as suas
palavras. “Havia outros trabalhos igualmente merecedores” da vitória, mas a
obra de António Lúcio Vieira alcançaria a unanimidade.
Na apresentação do livro, António
Matias Coelho descreveu o vencedor como “um poeta maior”, um “mestre da
palavra”. “Não é um poeta regional, é um poeta nacional”, salientou, mas que
nunca teve o devido reconhecimento.
A mesma opinião foi partilhada pelo
músico Pedro Barroso, presente na apresentação e autor do prefácio da obra, que
o consideraria “um caso enorme de injustiça no tecido cultural” literário. “Fiz
tertúlia com muitos poetas famosos que não têm a profundidade deste homem”,
afirmou. “O António Lúcio Vieira é uma figura maior, é um poeta maior da poesia
portuguesa”, com um “domínio da língua que não é vulgar”.
“O António Lúcio Vieira não precisava de
ser descoberto. Mas precisava de ser acarinhado e precisa, com toda a certeza,
de ser mais promovido, para que o seu talento possa ser reconhecido a nível
nacional”, salientou Patrícia Fonseca, editora da Médio Tejo Edições, admitindo
que o nome do poeta era desconhecido de três de quatro membros do júri.
Também presente na ocasião, o presidente
da Câmara de Torres Novas, Pedro Ferreira, recordaria um amigo que é “como um
irmão” e que possui um “dom” há muito reconhecido pelos que o rodeiam.
António Lúcio Vieira descreveria o livro
como a sua “melhor poesia” e “a mais madura”, sendo que os poemas desta obra
foram todos escritos nos últimos dois anos. Na sua intervenção lembrou que
esteve às portas da morte, não tendo ido receber o prémio no Torreshoping
quando este foi anunciado, em setembro passado, e que chegou a pensar que esta
acabaria por ser uma obra póstuma. Não foi e encontrou um auditório composto no
sábado, na Biblioteca Municipal de Torres Novas, onde vários amigos declamaram
alguns dos seus poemas.
O poeta é conhecido em Torres Novas
sobretudo pelo seu trabalho como dramaturgo, tendo ainda trabalhado como
jornalista no jornal local “O Almonda”. O seu primeiro livro de
poesia data de 1974, publicando várias outras obras ao longo da vida. Natural
de Alcanena, vive em Torres Novas desde a juventude. E é nesta cidade que,
promete, continuará a escrever, fintando a solidão das noites e as agruras dos
dias.
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