sábado, 16 de dezembro de 2017

P978: LEMBRANDO VELHAS MAZELAS

COM UM BRAÇO ÀS COSTAS…

Miguel Pessoa
O recente acidente caseiro do nosso camarigo Manuel “Kambuta” Lopes fez-me lembrar um episódio em que estive envolvido há bastantes anos, de que resultou uma lesão no meu ombro direito – o mesmo que haveria de voltar a desconjuntar mais de quarenta anos depois…

Trocando aqui braços por pernas, não quis deixar de me solidarizar com o “Kambuta”, recordando este meu acidente e lembrando que há sempre possibilidade de se ultrapassar uma fase menos boa da nossa vida e prosseguir em frente, com mais ou menos sequelas…

Não é em vão que tenho uns tantos meses de permanência em hospitais, espalhados por vários episódios. Considero-os no entanto como perfeitamente vulgares e não lhes dou grande importância – o facto é que saí mais ou menos bem de todos e não me deixaram mossas muito visíveis, embora com o passar dos anos e a mudança do tempo cada vez sinta mais dores nas partes afectadas.

Mas houve uma cena de que me lembro com grande nitidez e que vai ser o tema deste pequeno texto de hoje. E o título que escolhi (“Com um braço às costas…") parece-me bastante adequado. A história não tem nada de especial, apenas sendo curioso um pequeno episódio passado no decorrer da minha recuperação para o hospital.

Mas, começando pelo princípio, o acidente – parvo como quase todos os acidentes – ocorreu há largos anos atrás (quase 50…) no decorrer de uma aula de ginástica, estava eu no 3º ano do curso de Aeronáutica da Academia Militar. Por uma razão qualquer, quando me equilibrava sobre uma barra colocada a cerca de metro e meio de chão perdi o equilíbrio e saí disparado em direcção ao solo.

Eu, que das aulas de judo tinha retirado alguns ensinamentos na arte de cair bem, estupidamente resolvi dispensar essas minhas capacidades e estiquei o braço direito para o solo, na tentativa de amortecer a queda. Claro que não amorteci nada e o contacto com o solo foi duro, tendo o pessoal presente ficado estarrecido com o TLAC! que a minha aterragem tinha provocado. Não era caso para menos, pois quando tentei levantar-me verifiquei que tinha o braço direito virado ao contrário… Aliás o aspecto não parecia nada bom, com um osso a forçar a pele, um pouco abaixo do ombro direito, sendo necessário que me segurassem o braço pois não podia deixá-lo pendente, dadas as dores que isso provocava.

Embora só mais tarde o soubesse, posso desde já dizer que naquela queda tinha sofrido uma luxação escapulo-umeral (*), um termo interessante para explicar que tinha havido uma troca de posição entre a clavícula e a omoplata. É claro que a coisa só se resolvia com uma ida ao hospital.

Lá apareceu um jeep com condutor, mais um cabo para me segurar o braço… e lá arrancámos em direcção ao Hospital Militar na Estrela, com as dores que me iam afligindo pelo caminho, devido à trepidação do veículo. Para cúmulo o jeep, chegado à rua Alexandre Herculano, resolve ir-se abaixo, sendo necessário descermos todos enquanto o condutor e o cabo de serviço ao meu braço tentavam empurrar o carro e pô-lo outra vez a trabalhar.

Abandonado à minha sorte enquanto os dois militares tentavam convencer o jipe a trabalhar, e não suportando as dores que o braço pendente me provocava, lá resolvi com o braço bom colocar o aleijado em cima do guarda-lamas dianteiro e acompanhar a lenta deslocação do jipe enquanto este era empurrado... Imagino a figura caricata que fizemos!

Lembro-me que finalmente a situação lá se resolveu e pudemos prosseguir para o hospital sem mais problemas. Claro que cadete não era peça importante do sistema, mesmo com o braço virado, por isso ainda tive que esperar que resolvessem o grave problema de um furúnculo que afectava o bem-estar da esposa de um senhor oficial superior. Chegada a minha vez lá me explicaram o que me tinha sucedido, tendo sido informado que teria que levar uma anestesia para voltarem a pôr-me o braço no sítio.

Naturalmente não assisti a essa parte - quando acordei recebi o relato do cabo que me tinha acompanhado, ainda traumatizado pelo que tinha visto - estou a imaginar o médico a fincar o pé na minha axila e com as duas mãos dar um forte esticão de forma a colocar o meu braço na posição original…

A esta distância não me recordo de ter grandes dores a partir daí; mas começava com a minha recuperação o período mais difícil que passei ao longo deste acidente. É que, para garantir que os ossos se mantinham no sítio e os tendões recuperavam, tiveram que me enfaixar o braço colado ao corpo, situação que se manteve por quase dois meses. Já estávamos a chegar ao verão, o calor começava a apertar e a colagem do braço ao corpo provocou uma necrose da pele (**).

De quinze em quinze dias lá me desenfaixavam o braço e com Cetavlon retiravam-me todo o tecido morto. Foi realmente a parte de que me lembro mais, por ter sido prolongada… e desagradável. Mas recuperei fisicamente a tempo de concluir esse ano com aproveitamento (talvez se possa dizer “com um braço às costas”…) e arrancar para o meu tirocínio como Aspirante na Base de Sintra.


(**) Na necrose causada por úlcera de pressão a pele fica avermelhada e edemaciada, quando se faz pressão com os dedos empalidece mas não volta ao normal após retirada a pressão. Isso ocorre pelo metabolismo anaeróbio (sem oxigénio), e sem o meio de sobrevivência do tecido ele morre (necrose). É muito importante saber a causa para adequar o tratamento, geralmente é feito com a retirada deste tecido necrosado e uso de medicação no local para favorecer a cicatrização, o uso de antibiótico para conter ou evitar infecção também é muito importante.

Miguel Pessoa

5 comentários:

Alberto Branquinho disse...

O que a gente aprende com esta Pessoa.
Eu não sabia que se podia "fazer um roque" com a clavícula e a omoplata (ou vice-versa).

Abraço e BOM NATAL!
Alberto Branquinho

Anónimo disse...

Boa noite Miguel
Como andei pelas enfermagens 4 anos tenho uma ideia do que passastes. E sei que não é fácil.O papel do médico que referes foi decisivo e se fosse mal feito nunca mais serias a mesma Pessoa.
Votos de Natal Feliz e, mais uma vez, obrigado pelo que tens feito pela vivência dos convívios da TABANCA do CENTRO,
JERO

joaquim disse...

Há uns com um "braço às costas" e outros com uma "perna às costas"!!!

É por isso que me deixei de ginásticas!!!!

Grande abraço Miguel e obrigado por tudo.

Joaquim

JD disse...

Viva Miguel!
Tenho a ideia de já ter tido conhecimento desse infeliz episódio, que agora relatas por solidariedade com o nosso Cambuta, coitado. Pois bem, quero aqui manifestar-te a minha solidariedade para qualquer uma dessas eventualidades futuras, porque em relação às outras confesso-me incapaz.
Assim, se voltares a cair de uma barra, ou a sentires dores de fracturas perdido na cidade, eh pá, avisa-me que eu grito, e preservas o teu ar de individuo bem comportado.
Não há pressa!
Para todos, aproveito a ocasião, faço votos de Boas-Festas e que o Ano Novo vos proporcione muitas alegrias.
JD

Hélder Valério disse...

Mau caro amigo Miguel

Só agora li mais esta tua "desventura", que nos trouxeste por solidariedade com o Manuel.
Pois bem, nem sei que te diga.
Por um lado, com tantos episódios desse tipo que já conhecemos pode-se dizer que és um 'sobrevivente' mas também que deverá ser um perigo estar ao pé de ti!....
Deve ter sido doloroso, calculo, pois quando parti um dedo também não senti nada mas a 'recuperação', essa sim, doeu bastante.

Folgo que já estejas bem (salvo essa coisa dos ossinhos te 'avisarem' da mudança de tempo, mas deixa lá que comigo também se passa o mesmo mas aí derivado duma cornada, o termo correcto será "tarrascada", que levei de um hastado no dia dos meus 17 anos, quando ainda tinha a mania que isso de toiros era 'canja').

Se te for possível, avisa aquando do próximo incidente!

Abraço.
Hélder Sousa