segunda-feira, 5 de outubro de 2015

P703: CRÓNICAS DO JERO

A ROTA DA MEMÓRIA

Na revista do "Expresso" da edição nº. 2239, de 26 de Setembro último, veio publicado um texto de Luís Pedro Nunes com o título em referência. Confesso que o li com o coração bem apertado.

O texto ocupa 6 páginas incluindo 4 fotografias de Alfredo Cunha. Tem a ver com os traumas da guerra na Guiné (1961-1974) vistos quarenta e um anos depois.

Estive a cumprir serviço militar no Norte da Guine (Binta e Guidage) de Maio de 1964 a Maio de 1966.

A minha Companhia - a CCaç. 675 - teve 3 mortos em combate, entre os quais o meu melhor amigo. Os corpos dos militares da "675" vieram para as terras da sua naturalidade a expensas da Companhia, onde foram condignamente sepultados.

Mas nem sempre foi assim. E muitas famílias não puderam fazer luto pelos seus familiares mortos na Guiné. A transladação para a Metrópole custava ao tempo cerca de 11 contos (11 mil escudos), o que para a época era muito dinheiro.

No texto do "Expresso" logo de início é referido que na Guiné há cerca de 30 locais onde existem sepulturas de militares portugueses mortos durante a guerra.

No Cemitério Municipal de Bissau, que fica situado numa das zonas mais degradadas da capital, há vários talhões com campas de militares portugueses.

O jornalista do "Expresso" esteve lá e falou com um "responsáveis" do cemitério.

Há 3 talhões de militares portugueses mortos. «Logo à entrada, junto a campas sem nome, há 2 placas de 2010 da Liga dos Antigos Combatentes. Mas a verdade é que grande parte do cemitério, lá para a zona do fundo, está destruído ou a ser reciclado, isto é, reutilizado».

O responsável pelos talhões dos militares portugueses chama-se Francisco Monteiro tem 68 anos e foi antigo guerrilheiro do PAIGC. Em 1973 perdeu uma mão ao tentar devolver uma granada lançada pela tropa portuguesa.

O "turra" maneta, que cuida dos "tugas" mortos, dá uma volta pelo cemitério com o jornalista do "Expresso".

«Há aproximadamente 480 campas. Francisco Monteiro garante que ainda no ano passado foram transladados para Portugal três corpos e que recebe visita de portugueses "meses sim, meses não". 

E, como tantos ex-combatentes do PAIGC que encontramos, Francisco Monteiro é um desencantado com o país de hoje e como se vive."Não tenho nada. O povo não tem nada. A Guiné podia ter tudo".»

Apetece-me mudar o título do texto do "Expresso" para “A RODA DA MEMÓRIA”. Que tantas voltas deu e que tantas voltas continua a dar.

Enquanto permanecerem vivos ex-combatentes a sua memória não deixará parar a "Roda".

Mas as ervas e o capim vão continuando a crescer junto das campas ao abandono dos militares mortos há mais de quatro décadas na Guiné.

Este é um País - a Guiné - que teve sorte com tudo. Menos com os políticos, disseram ao jornalista do "Expresso".

Não sei porquê mas lembrei-me do Portugal dos nossos dias!

JERO   



3 comentários:

Hélder Valério disse...

Caros amigos
Meu caro JERO

Por acaso também li esse artigo, que me parece intrinsecamente sério, e também fiquei um tanto como referes.
Acho que tens razão quando indicas "A Roda da Memória" como mais apropriado. Na verdade, a História é um constante rodopiar. Há quem diga que se repete em círculos, embora eu entenda que é mais em espiral.
Lembrar-te do 'Portugal dos nossos dias' é que é cá uma coisa.....

Abraço
Hélder Sousa

Juvenal Amado disse...

Também eu li o artigo.

Os mortos esquecidos da guerra é uma situação se se presta a muitas ilações.

Um anterior regime não os transladou porque não estava interessado nas manifestações de pesar e outras que se fariam à roda dos funerais, pois isso representava uma verdade indiscutível de uma realidade que não queriam assumir. Os mortos em combate começam por ser um orgulho para as nações pois morrem pela a Pátria e podem ser rastilho do levantamento em massa de fervoroso patriotismo, mas logo o povo começa a torcer o nariz, quando isso se torna periódico e as baixas se vão somando.

O regime implantado depois do 25A rapidamente quis esquecer o que se lá tinha passado e assim, o regresso dos mortos continuou a ser incómodo sem eu perceber bem porquê, pois seria uma situação que os governos poderiam capitalizar a seu favor, dando azo a uma profunda gratidão dos familiares e dos ex combatentes.

Naquele tempo custava 11000$00 e as famílias não podiam arcar com essa despesa, que representava quase ou mais que um salário de um ano de um trabalhador, mas o direito de os trazerem era uma obrigação do governo que os tinha para lá mandado, ou em última instância deveria assumir os custo dos cuidados das sepulturas.

Hoje continuamos na mesma.

Aqui há tempos atrás um camarada e amigo disse assim "temos que apertar com o presidente da câmara para edificar um monumento aos combatentes do ultramar", eu respondi-lhe com a velha linguagem de caserna que não esqueci e guardo para quando uma coisa me desagrada, .. Vai-te lixar com isso .
Um monumento aos combatentes era cuidarem dos que apodrecem na rua, os que não têm dinheiro para os medicamentos, não têm direito a três refeições diárias, que não têm centro de acolhimento quando não têm quem cuide deles.
E já agora trazer os nossos mortos para as famílias e dar-lhe um enterro com honra no seu chão na sua terra, esse sim sagrado.Isso sim é que era prestar-lhes homenagem

Depois disso sim façam-nos uma estátua






Anónimo disse...

Um "Näo sei porquê" de melancolias várias, Amigo e Camarada Jero...


Infelizmente,o nosso querido Portugal,o tal "dos nossos dias", mais näo é que uma continuidade do Portugal de quase ( saliento "quase") sempre.

Para se näo ir demasiado longe no tempo,desde o séc.XVII até hoje,uma leitura atenta da História encontra todas as "personagens",situacöes e agrupamentos de interêsses por maldicäo sempre...renascidos.

Uma continuidade nos geniais políticos,nas suas associacöes e,bem pior...nos resultados.

Será claro que,as opiniöes de "estrangeirados",para mais de quatro décadas,valem o que valem.

Um grande abraco do José Belo