segunda-feira, 7 de setembro de 2015

P690: RECORDAÇÕES ANTIGAS... MAS SEMPRE ACTUAIS...

GUINÉ!

Guiné! Dos pântanos, das bolanhas, dos mosquitos e das febres.
  
Guiné! Da mata onde havia momentos em que todos os ruídos paravam.
Não se afastavam ou diminuíam, antes tudo se calava abruptamente, como se os seres vivos tivessem recebido uma ordem.

"Ouviam-se" então coisas impossíveis... o soprar húmido do vento, o suor dos nossos camuflados, a actividade frenética dos insectos, e mesmo, o bater do nosso coração.

Guiné! Dos escravos, das revoltas nativas, das muralhas do Cacheu, que lá estavam quando cheguei, e lá ficaram ao partir.

Guiné! Dos Fulas, Mandingas, noites de luar na Tabanca, falando dos "avós dos avós”, de outros "chãos" onde nunca houvera fome, dos pastores que no céu escuro guardam os rebanhos de estrelas.

Guiné! Dos Balantas, símbolo pujante da África que luta, que trabalha as suas chamas que também se sabe divertir.
(A velha aguardente de cana!)

Guiné! Dos Beafadas, Nalus, dos Papéis, dos guerreiros Felupes bebendo vinho de palma pelo crânio dos inimigos vencidos.

Guiné do matriacado Bijagó!

Guiné! De Bubaque... miragem de guerra!

Guiné! De Ponte Varela, "Copacabana" sem casa, sem gente, mas na qual num dia solarengo do princípio dos anos sessenta Brigitte Bardot (PASME-SE!) tomou bom banho de mar!


Guiné! Das bajudas de "mama firmada”, lavadeiras de tantas lamas, (e porque não?) de algumas águas bem cristalinas.

Guiné! De Bissau, vilória perdida, cidade feita de... avenida única... pouco mais!
Da cerveja gelada, das ostras grelhadas com molho picante, dos "mininos" vendendo mancarra em coloridos alguidares de esmalte.
Das tascas, dos "restaurantes" que serviam gostoso chabéu que o Joäossssssinho - Manjaco tão bem preparava!

Bissau das muralhas do forte da Amura, lembrança constante de um... estar pelas armas. 

Bissau da piscina em Clube de Oficiais, mas também Bissau do Hospital Militar.

Bissau! Os minutos que valiam ouro... roubados à morte que esperava no mato.

Guiné! Da violência, da guerra tribal... dividir para governar


Guiné! Do Comando Africano, jovem herói, usado e abusado para matar "os seus" em guerras não "suas".
Guiné de Amílcar Cabral! Que, com humildade, soube ouvir os gritos de um povo.
Do diálogo possível... e por tal... do "diálogo assassinado"! 
Guiné! Onde General destemido tentava tapar com mãos "nuas" os buracos nos diques, pretensiosamente levantados aos maremotos da História.

Saberia ele? Saberíamos nós?... Quando o víamos chegar aos locais mais perigosos da luta, ou visitar interessado os feridos, que olhávamos o último dos Comandantes África num Portugal que jamais seria o mesmo?

Guiné onde um Império acabou por ruir!
Guiné de um "círculo".
Dos amigos. Dos inimigos. Dos amigos-inimigos e, mais tarde, dos inimigos-amigos.

Guiné de tantas e profundas lições!

Terra vermelha de argila e sangue!
Da estrada de Buba a Aldeia Formosa, de Aldeia Formosa a Gandembel.

Terra que abraçámos com violência, quando contra ela nos comprimíamos em chão de emboscadas!

Terra que "comungámos" no pó e saliva que nos enchia a boca em rebentamento de minas!

Terra regada com tantas lágrimas de saudade, dramas pessoais, frustrações e dor... a juntarem-se às vossas... de povo africano mártir.

Guiné de Mampatá! Tabanca perdida na selva, onde, tão longe de tudo e todos, acabámos por nos "encontrar"!

Guiné que foi Vossa/Nossa, mas que hoje sendo Vossa/Vossa é bem mais Nossa que antes.

José Belo
Estocolmo, Setembro 1981



Imagens retiradas da Net, na sua maioria provenientes de "Luís Graça & Camaradas da Guiné" e "Ultramar Terraweb", que aqui reproduzimos com a devida vénia.

6 comentários:

Torcato Mendonca disse...


Duas palavras A REALIDADE VIVIDA.

Quem não se sentiu LÁ estava no bem bom do ar "tratado"...

Ab,T.

Unknown disse...

The Portuguese? Allways romantic!

Kram from Kattan.

Anónimo disse...

José Belo (o autor)
Miguel Pessoa(editor)

Gostei muito.
(até fala de Gandembel... do meu/nosso sofrimento)
Abraço para os dois
Aberto Branquinho

manuel maia disse...

Sabe bem reler as vivências que todos conhecemos lá longe naquele território quente e húmido pejado de mosquitos e balas, prenhe de carências,impado de fraternas ligações,de medos e de choros pelos que precocemente partiram tombados ali ao nosso lado,de episódios rocambolescos,naquela Guiné vossa/nossa de autóctones e adoptados mercê das amizades fraternas com as populações com os faxinas,com a milícia,com a tropa africana.

Sabe bem evocar a alegria das lavadeiras nos fins de tarde irrompendo nos aquartelamentos com as bacias esmaltadas multicoloridas onde traziam a roupa impecavelmente lavada e passada em ferros a carvão, que pousadas na cabeça equilibravam perfeitamente,enquanto meneavam as ancas em movimentos algo libidinosos que nos excitavam sobremaneira...

Sabe bem relembrar os céus cobertos de aves chilreando,os rios onde pescavamos à granada,os cajueiros e mangueiros que nos saciavam a fome quando aparecia mais carregada,aquela bafarada quente que nos secava a garganta...

Sabe bem evocar as festas, os casamentos na população,o batucar contínuo que durava dias e a hospitalidade dos guinéus autóctones que nos presenteavam,(guinéus adoptados),no destacamento/paredes meias com a tabanca,através de nacos de carne de gado que profusamente abatiam para consumo nesses dias de festa e alegria...

Sabe bem mau grado as vicissitudes,recuar no tempo e voltar aos vinte anos da loucura que já não voltam de outra forma senão esta...

Obrigado José Belo por este naco de prosa saudável.

Anónimo disse...

Só posso dar os parabéns ao José Belo, por esta magnífica descrição daquela terra que todos os que nela estiveram, não a esqueceram. Ainda bem que assim acontece e onde o sentimento "vossa/nossa-nossa/vossa", traduz bem a grande alma, de se ser português!.. Um abraço e também ao Miguel pela ilustração do texto. Para mim foi um saudável regresso ao passado, embora não tenha tido muitas das vossas experiências, mas entendo-as bem.

Joaquim Mexia Alves disse...

Sem mais palavras, que não são precisas, um grande abraço ao Zé Belo!