AMÉRICO COSTA,
O DOUTOR DA
SEMANA
Este texto do nosso camarigo Manuel Maia foi
publicado no jornal desportivo “PÁSSARO AZUL”, do clube lá da terra. Aqui
reproduzimos a história, com a devida vénia à publicação e ao autor.
Nascido no
lugar de Crestins desta freguesia de Moreira a 9/10/1907, acabaria por falecer
corria o ano de 1986 ao vigésimo segundo dia do mês primeiro.
Residiu
durante largo período de tempo em casa da Srª. Cândida, mãe do nosso
conterrâneo e amigo, Sr. Armando Ferreira dos Santos, ali junto à
farmácia.
Américo
Costa, o "doutor da semana", foi uma das muitas figuras que Moreira
conheceu, com epíteto granjeado na fértil "imaginação popular", como
corolário do azar que lhe batera à porta, quando lhe fora diagnosticado um
problema pulmonar motivado pelo "pó da pedra", mercê da profissão de
pedreiro que abraçara bem novo, problema esse que constituiu a razão motivadora
para abandonar a cantaria.
Teria de
arranjar uma ocupação que lhe não acarretasse acréscimo na maleita...
FEZ-SE BARBEIRO..
Mas
"Fígaros" havia muitos, pelo que teve de apostar na
área da especialização...
Assim, dedicou-se
à causa dos mortos (até porque deles não receberia reclamações quanto à
qualidade do serviço...) batendo ainda a estrada - como diriam os músicos - ou
seja, fazendo domicílios, sabida que era a dificuldade de se deslocarem os
acamados doentes...(sempre deveriam cortar a barba uma vez por semana...)
Mas o tempo
também não era de guerras intestinas nem tão pouco de surtos epidémicos
portadores de muita clientela, para além de não ser moda a procura antecipada
do passamento, dada a dificuldade em fornecer as moedas a Caronte para
atravessar o Lete...
Viu-se pois
na contingência de arranjar outro part-time (como agora se diz...) numa área
de actividade ligada à de barbeiro especialista, como mais lá para a frente
explicaremos...
Entretanto,
Américo era bombeiro voluntário, com actividade reduzida é certo, porque o
calor dos incêndios e o fumo o incomodavam um pouco e ainda porque não
conseguia "ver sangue" - e então nos acidentes de trânsito...
Mas era
brioso, dir-se-ia mesmo que vaidoso, no que à farda dizia respeito, mantendo-a
sempre nos "trinques" - como diriam do outro lado do Atlântico -
com as botas quase sem sola, é verdade, mas com um lustro, um
brilho quase de espelho que a graxa do "ti Joaquim sapateiro",
motorista, quarteleiro e sapateiro do quartel (o único funcionário remunerado
da corporação...) emprestava, assim como no capacete que lhe distribuíram, que
reluzia de tanto limpa-metais (coração) com que sistematicamente o polia...
Num país de
raras oportunidades, sem estar munido de ferramentas (como agora se diz...)
diferentes das que o tinham levado à doença, com três filhos para sustentar,
foi obrigado a entregar o filho mais novo a uma família portuense, onde a sua
mulher trabalhava, família essa que haveria de criar o António Fernando, assim
se chamava o rapaz, como se de um filho natural se tratasse...
Os outros, Helena
a mais velha e Benjamim o seguinte (pese embora o nome) lá cresceram nas
dificuldades comuns à maioria dos lares portugueses de então...
Mas
voltemos ao "doutor da semana"...
Como nada
conseguisse a nível de emprego fixo e o "gancho" de barbeiro
especializado não lhe trouxesse os proventos de que necessitava, até para o
bagacito que à guisa de remédio, tomava na Sameira, no Branco, na Melindra ou
ainda, como no caso vertente que a fotografia reproduz, no Bernardino da venda
(homem das sete profissões...) teve de procurar um novo "biscate" por
forma a arranjar dinheiro para o vício quer do "remédio" quer ainda
do cigarrito...
Naquele
tempo era comum os cangalheiros anunciarem a morte do freguês (habitante da
freguesia...) fazendo alguém percorrer as ruas cá do "burgo" com a
função de arauto, de mensageiro da má notícia, (mas neste caso boa para o
Ernesto... - "não gosto que ninguém morra, mas quero que a minha vida
corra"...) no sentido de ampliar a divulgação do passamento (nem sempre
era possível ao padre fazer a comunicação atempada no serviço de missas...)
visando dignificar o acto com um número significativo de presenças no último
adeus...
Fora essa a
função de que passara a incumbir-se o Américo Costa, recebendo assim uns
cobres do cangalheiro (pai do actual profissional de encaminhamento à última
morada...) bem como dos familiares do morto, profissão esta que poderia
juntar à de barbeiro especializado, "matando assim dois tiros de uma só
cajadada...
O povo
chamava-lhe "doutor da semana" de forma algo achincalhada, pretendendo
afirmar que ele não gostava de trabalhar levando assim uma vida "flauteada,
de doutor”... (o que para o Zé, era sinónimo de ocupação sem esforço...), afirmando
mesmo que doença dos pulmões não se cura com cigarros, mas como vimos, a razão
prendia- se com o impedimento que a doença lhe causara e não com a "perda
de apetite" para "vergar a mola"...
Quanto aos
cigarros, todos sabemos da força dum vício...
Tardia mas
justa esta reparação devida ao Américo Costa...
Bem difícil
era a vida nesse tempo !
Manuel Maia
4 comentários:
Bela história, bela homenagem!
Os barbeiros antigamente eram uma espécie de médicos, mas dos vivos!!!
Lembro-me que na minha terra, Monte Real, era no barbeiro que se vendiam os preservativos, para evitar o embaraço de ir à farmácia!!!
Abraços
Joaquim
Mais uma vez,Portugal,o verdadeiro,
entrou pela minha janela.
Admirava Manuel Maia pela sua poesia viva e frontal.
Admiro agora ,também,a sua muito especial maneira de descrever-NOS.
Fica-se na expectativa de novas histórias.
Um grande abraco do José Belo.
História interessante a que o Manuel Maia, nos dá a conhecer. Realmente o barbeiro era muitas vezes reconhecido como o doutor da terra onde habitava, pois algumas vezes era chamado para fazer "sangrias", não daquelas que gostamos de beber. Além dos versos também nos brinda com interessantes prosas. Um abraço. Mª Arminda
Um testemunho muito interessante de um "outro tempo" que se viva no ambiente rural, que dá uma leitura escoreita e leve até fim. Gostei francamente. Abraço ao poeta e prosador Manuel Maia.JERO
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