quinta-feira, 13 de março de 2014

P458: DO MANUEL MAIA - 10



AMÉRICO COSTA,
O DOUTOR DA SEMANA

Este texto do nosso camarigo Manuel Maia foi publicado no jornal desportivo “PÁSSARO AZUL”, do clube lá da terra. Aqui reproduzimos a história, com a devida vénia à publicação e ao autor.


Nascido no lugar de Crestins desta freguesia de Moreira a 9/10/1907, acabaria por falecer corria o ano de 1986 ao vigésimo segundo dia do mês primeiro.

Residiu durante largo período de tempo em casa da Srª. Cândida, mãe do nosso conterrâneo e amigo, Sr. Armando Ferreira dos  Santos, ali junto à farmácia.

Américo Costa, o "doutor da semana", foi uma das muitas figuras que Moreira conheceu, com epíteto granjeado na fértil "imaginação popular", como corolário do azar que lhe batera à porta, quando lhe fora diagnosticado um problema pulmonar motivado pelo "pó da pedra", mercê da profissão de pedreiro que abraçara bem novo, problema esse que constituiu a razão motivadora para abandonar a cantaria.

Teria de arranjar uma ocupação que lhe não acarretasse acréscimo na maleita...

                                                         FEZ-SE  BARBEIRO..

Mas  "Fígaros"  havia muitos, pelo que teve de apostar  na área da especialização...

Assim, dedicou-se à causa dos mortos (até porque deles não receberia reclamações quanto à qualidade do serviço...) batendo ainda a estrada - como diriam os músicos - ou seja, fazendo domicílios, sabida que era a dificuldade de se deslocarem os acamados doentes...(sempre deveriam cortar a barba uma vez por semana...)

Mas o tempo também não era de guerras intestinas nem tão pouco de surtos epidémicos portadores de muita clientela, para além de não ser moda a procura antecipada do passamento, dada a dificuldade em fornecer as moedas a Caronte para atravessar o Lete...

Viu-se pois na contingência de arranjar outro part-time (como agora se diz...) numa área de actividade ligada à de barbeiro especialista, como mais lá para a frente explicaremos...

Entretanto, Américo era bombeiro voluntário, com actividade reduzida é certo, porque o calor dos incêndios e o fumo o incomodavam um pouco e ainda porque não conseguia "ver sangue" - e então nos acidentes de trânsito...

Mas era brioso, dir-se-ia mesmo que vaidoso, no que à farda dizia respeito, mantendo-a sempre nos "trinques" - como diriam do outro lado do Atlântico -  com as botas quase  sem sola, é verdade, mas com um lustro, um brilho quase de espelho que a graxa do "ti Joaquim sapateiro", motorista, quarteleiro e sapateiro do quartel (o único funcionário remunerado da corporação...) emprestava, assim como no capacete que lhe distribuíram, que reluzia de tanto limpa-metais (coração) com que sistematicamente o polia...

Num país de raras oportunidades, sem estar munido de ferramentas (como agora se diz...) diferentes das que o tinham levado à doença, com três filhos para sustentar, foi obrigado a entregar o filho mais novo a uma família portuense, onde a sua mulher trabalhava, família essa que haveria de criar o António Fernando, assim se chamava o rapaz, como se de um filho natural se tratasse...

Os outros, Helena a mais  velha e Benjamim o seguinte (pese embora o nome) lá cresceram nas dificuldades comuns à maioria dos lares portugueses de então...

Mas  voltemos ao "doutor da semana"...

Como nada conseguisse a nível de emprego fixo e o "gancho" de barbeiro especializado não lhe trouxesse os proventos de que necessitava, até para o bagacito que à guisa de remédio, tomava na Sameira, no Branco, na Melindra ou ainda, como no caso vertente que a fotografia reproduz, no Bernardino da venda (homem das sete profissões...) teve de procurar um novo "biscate" por forma a arranjar dinheiro para o vício quer do "remédio" quer ainda do cigarrito...

Naquele tempo era comum os cangalheiros anunciarem a morte do freguês (habitante da freguesia...) fazendo alguém percorrer as ruas cá do "burgo" com a função de arauto, de mensageiro da má notícia, (mas  neste caso boa para o Ernesto... - "não gosto que ninguém morra, mas quero que a minha vida corra"...) no sentido de ampliar a divulgação do passamento (nem sempre era possível ao padre fazer a comunicação atempada no serviço de missas...) visando dignificar o acto com um número significativo de presenças no último adeus...

Fora essa a função de que passara  a incumbir-se o Américo Costa, recebendo assim uns cobres do cangalheiro (pai do actual profissional de encaminhamento à última morada...) bem como dos familiares do morto, profissão esta que poderia juntar à de barbeiro especializado, "matando assim dois tiros de uma só cajadada...

O povo chamava-lhe "doutor da semana" de forma algo achincalhada, pretendendo afirmar que ele não gostava de trabalhar levando assim uma vida "flauteada, de doutor”... (o que para o Zé, era sinónimo de ocupação sem esforço...), afirmando mesmo que doença dos pulmões não se cura com cigarros, mas como vimos, a razão prendia- se com o impedimento que a doença lhe causara e não com a "perda de apetite" para "vergar a mola"...

Quanto aos cigarros, todos sabemos  da força dum vício...

Tardia mas justa esta reparação devida ao Américo Costa...

Bem difícil era a vida nesse tempo !

Manuel Maia

4 comentários:

joaquim disse...

Bela história, bela homenagem!

Os barbeiros antigamente eram uma espécie de médicos, mas dos vivos!!!

Lembro-me que na minha terra, Monte Real, era no barbeiro que se vendiam os preservativos, para evitar o embaraço de ir à farmácia!!!

Abraços
Joaquim

Anónimo disse...

Mais uma vez,Portugal,o verdadeiro,
entrou pela minha janela.

Admirava Manuel Maia pela sua poesia viva e frontal.
Admiro agora ,também,a sua muito especial maneira de descrever-NOS.
Fica-se na expectativa de novas histórias.
Um grande abraco do José Belo.

Anónimo disse...

História interessante a que o Manuel Maia, nos dá a conhecer. Realmente o barbeiro era muitas vezes reconhecido como o doutor da terra onde habitava, pois algumas vezes era chamado para fazer "sangrias", não daquelas que gostamos de beber. Além dos versos também nos brinda com interessantes prosas. Um abraço. Mª Arminda

Anónimo disse...

Um testemunho muito interessante de um "outro tempo" que se viva no ambiente rural, que dá uma leitura escoreita e leve até fim. Gostei francamente. Abraço ao poeta e prosador Manuel Maia.JERO