sexta-feira, 15 de junho de 2012

P237: AINDA O 10 DE JUNHO


Nunca tinha ido ao 10 de Junho, mas há sempre uma primeira vez...

Não mais voltarei!

Nas comemorações de Belém, o realce para as palavras do Professor Doutor Manuel Antunes, chefe da equipa cirúrgica que me operou há cinco meses em Coimbra.

Não o conheci então pessoalmente, ausente que estava para um congresso.

Ouvi-o com toda a atenção e o que disse tocou-me, não só pela forma simples como falou, mas pelo desassombro de verdades inteiras ditas sem vacilar.

O seu discurso, que em boa hora aqui foi trazido, foi o único momento alto ao expressar claramente o que muitos de nós sentem!

Claro que também gostei de reencontrar alguns amigos do Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné! Talvez uns dez? Mas esses estão aqui todos os dias no nosso ponto de encontro.

Não voltarei!

A indiferença de uma maioria significativa dos assistentes ao que se passava no "palco", as conversas barulhentas, os copos bebidos enquanto a cerimónia decorria, o frete de alguns  expresso no “vamos é almoçar”, justificam a tristeza que se me colou!

Dizem-me que o desinteresse crescente por este dia se manifesta no número cada vez mais escasso de presenças de antigos combatentes.

O senhor professor doutor Manuel Antunes ainda lembrou a forma como os antigos combatentes são continuamente desconsiderados e maltratados!
Pior ainda é o desprezo que esta sociedade dedica aos estropiados, aos escorraçados pelas próprias famílias, aos fardos pesados que são os combatentes doentes e que esmolam, se embriagam e refugiam na droga por esse Portugal fora, perante a indiferença de quase todos!

Não voltarei!
Todos os anos há um arremedo de crítica à forma ignara como somos tratados pelos sucessivos governos. É cíclico… depois o silêncio e o “ não fazer nada”…até que lá vem um a sugerir que….”
Assim não vamos lá!
Assim não voltarei!
Será que não existe um espaço onde possamos criar, desde já,  uma vaga de fundo, uma mobilização forte capaz de mostrar à sociedade que os antigos combatentes são pessoas dignas de respeito e de admiração?

Haverá algum sítio mais capaz do que o Blogue da Tabanca Grande, com a dimensão de um Batalhão e com tantos milhares de visitantes para dar o pontapé de saída, ou não cabem nos seus princípios tais desideratos? 

Isto não é fazer política, é honrar os milhares de mortos, de feridos e de deficientes que a guerra causou à nossa geração!

Será muito difícil nas reuniões das nossas companhias fazermos passar a mensagem de que devemos ir em força em tal dia dizer que estamos vivos e que exigimos o respeito a que temos direito?
Porventura já falei demasiado e tudo o que disse cairá em saco roto! A ser assim, não!
Não mais voltarei!

                                                                                             Vasco da Gama

9 comentários:

Carlos Pinheiro disse...

Apoiado grande Vasco.
Começo por dizer que nunca fui ao Monumento em Belém, nem no dia 10 de Junho nem noutra data qualquer. Penso lá ir um dia, mas fora de multidões que muitas vezes nada dizem.
Quanto à vaga de fundo de que falas, estou pronto para acompanhar esse movimento. Já é tempo da malta de facto dizer que ainda está viva e explicar aos mais novos que a Guerra existiu, que foram 14 longos anos, em três frentes de combate, que mobilizaram muitas centenas de milhar jovens que obrigatoriamente por lá passaram mais de 3 anos, muitos por lá morreram, cerca de 10.000, feridos foram mais que muitos e afectados psicologicamente ninguém sabe quantos são.
Mas os que vão sobrevivendo, ainda são muitos milhares, ainda são capazes de ensinar a quem não sabe e lembrar aqueles que já se esqueceram, que Portugal esteve em Guerra de 1961 a 1975.
E se nada fizermos, as gerações mais novas amanhã, quando lhes perguntarem algo sobre a Guerra, ainda são capazes de responder, qual guerra?
Penso que uma forma de ensinar as pessoas era facilitar-lhes, não digo obrigar-lhes mas apetecia-me dizer, a leitura de certos livros mas aquele que o Idálio Reis nos ofereceu em Monte Real – A C.CAÇ.2317, NA GUERRA DA GUINÉ GANDEMBEL/PONTE BALANA é um bom exemplo, claro, explicativo, bem elaborado e acima de tudo muito claro que deveria ser lido por muita gente que pensa que é importante.
Mas temos que fazer alguma coisa enquanto estivermos vivos. Alguém tem que dar o pontapé de saída.
Um abraço
Carlos Pinheiro
14

55475547 disse...

Estou com vocês...
São pessoas de bem, estou muito agradecido por poder partilhar verdadeiro momentos de convívio e de um sentimento maior, que as palavras
por vezes não alcançam.
O meu obrigado, pelo v/ heroico passado.
Paulo Moreno

Anónimo disse...

AmigoVasco.As suas palavras vêm ao encontro do meu sentir. Fui vários anos ao 10 de Junho e interrompi qundo o meu marido adoeceu. Estive onze anos sem lá voltar, mas ficava sempre com um sentimento amargo, por essa falta de comparência. Este ano felizmente voltei e libertei esse peso de consciência. A Guerra existiu e deixou muitas e variadas marcas,aos que a viveram. Seria muito bom que esta nova geração tomasse disso conhecimento. Gostei muito do discurso do Sr Prof Doutotor Manuel Antunes, que tive ocasião nesse dia de o conhecer pessoalmente e de o felicitar, pelo brilhante discurso. Encontrei-me com um camarigo de Cufar que me abordou e penso ser ter sido o Mário Fitas. Tive pena de não ter encontrado o resto do grupo, inclusivé o amigo Vasco.Envio um abraço e força para a continuação dessa luta, que não pode nem deve ser esquecida. Mª Arminda

Manuel Reis disse...

Amigo Vasco:

Não gostei que tivesses passado por essa experiência amarga, mas acredita que não esparava mais, face aos antecedentes.
Estamos isolados, tratados pelo Estado como de um fardo se tratasse e que de bom agrado se libertariam.
São muitos os camaradas que passam por momentos complicados de saúde, tanto física como psiquicamente e muitos são aqueles que a sociedade excluiu.
A nossa visibilidade não passa pelo 10 de Junho e concordo contigo na concretização de formas alternativas de manifestação. Os nossos camaradas que padecem e aqueles que já partiram merecem todo o nosso sacrifício.
Comeram-nos a carne, agora que nos roam os ossos.
Um abraço.
Manuel Reis

Anónimo disse...

Não conversámos sobre este assunto, mas, parece que estamos de acordo desde sempre.

Ao ler o que escreveste, lembrei-me que andámos todo o ano anterior a falar em nos organizarmos para demonstrarmos as comemorações que queremos. Foi escrita uma carta, subscrita por vários, muitos, creio, mas, chegou o dia e hora e nada estava definido. Preparavam-se as comemorações do 10 de Junho de 2011.

Mais uma vez não estive nas comemorações de 2012, por isso não evoco as mesmas razões que tu para não comparecer no futuro, mantenho apenas o não pelas razões sempre apresentadas, não participarei em festas de ou para pavões, sejam eles aldrabões ou não por, falando para o povo, dele se lembrarem apenas enquanto “botam faladura” e constando depois nas estatísticas, aproveitando-se assim daqueles que, com sentimentos verdadeiros e sinceros ali marcam presença, mesmo quando as comemorações feitas daquela forma nada lhes dizem.


Quanto a discursos e salvo as devidas diferenças, lembro que, já o do ano transato, feito por António Barreto, foi alvo de grandes elogios, reconheça-se a qualidade da retórica, embora com uma diferença, este já fez parte de um governo…
Escrevi-o no blogue da Tabanca Grande, a tal Tabanca que podia ser o polo aglutinador, reconheço e elogio o discernimento, forma simples, digna e sentida como foi o discurso do Prof. Dr. Manuel Antunes, que, acredito sincero, mas insuficiente.

Quando efetivamente se organizar um ajuntamento que, independentemente do dia, procure dignificar todos os que perderam a vida, ficaram estropiados ou doentes (física ou psicologicamente), nesse dia procurarei e tudo farei para estar presente cerrando fileiras, até lá, vamo-nos encontrando por aí.

Um abraço
BS

Carlos Pinheiro disse...

Camarigos
O Vasco fez muito bem em lançar o repto. Já há vários apoiantes, isto é vários camarigos que concordam com a ideia. Agora só temos que nos organizar. E maior parte de nós tem vagar de sobra. Vamos dar nota que estamos vivos e dizer que estamos fartos de sermos ignorados. Não precisamos de honrarias, mas sim de respeito. De palavras de circunstancia, por vezes bem empolgadas, estamos fartos. Em qualquer país civilizado os ex-combatentes são respeitados enquanto que por cá são ignorados. E essa coisa da "esmola" dos 100€ por ano é uma vergonha para não dizer uma ofensa. Temos mesmo que nos organizar para que amanhã os "senhores" não venham dizer que não sabiam da guerra e muito menos que ainda há ex-combatentes. Um abraço.
Carlos Pinheiro

joaquim disse...

Meu caro camarigo Vasco

Gostei!
Gostei, como sempre, do teu texto, da tua escrita, porque sempre dás a conhecer o teu pensamento com frontalidade, mas também com todo o sentimento com que vives a vida.
Sabes, nunca fui ao 10 de Junho!
Algo me impede cá por dentro de o fazer nestes moldes em que o mesmo é celebrado!
É que me parece sempre mais um encontro de combatentes, igual a tantos outros por este Portugal fora, do que um verdadeiro encontro de homenagem aos que por lá ficaram, aos que voltaram trazendo marcas visíveis no corpo, e aos que voltaram trazendo marcas invisíveis, mas que todos nós sabemos que têm, que todos nós sabemos que temos.
Os discursos de ocasião, são feitos pelas autoridades ou por aqueles que convidados por elas dão “uma no cravo e outra na ferradura”.
Parece-me contudo que o Prof. Manuel Antunes conseguiu este ano sair desse rotina, por isso, o meu respeito, portanto, a ele.
Escrevi o que penso, julgo que o ano passado, em carta aberta ao Presidente da República, e por isso mesmo, não vou repetir o que todos sabemos.
Muitos subscreveram a carta, mas “ninguém mexeu uma palha”, (pelo menos que eu tenha sabido, exceptuando o António M. Matos), sempre à espera que outros façam para "eu" me juntar.
Ainda insisti por algumas vezes, mas ninguém se predispôs a disponibilizar-se para formarmos um grupo, uma comissão, (tenho um medo desta palavra!!!), para dar corpo às diversas ideias que foram surgindo.
“Dividir para reinar”
É velho o ditado, que continua a ser muito verdadeiro e real!
É que uns quantos, continuam a querer fazer a “sua” história da guerra, continuam a querer justificar os seus actos ideológicos com a “sua” “verdade” da guerra e como tal, qualquer manifestação de união em torno de uma homenagem aos combatentes, pelos combatentes, pode fazer perigar as suas teorias.
São esses que não têm o mínimo pejo em elogiar o antigo inimigo, com loas e panegíricos, que nunca têm para os combatentes portugueses.
São esses que defendem uma “vitória” do inimigo, que só eles e mais ninguém viu no terreno!
São esses enfim que apostam na divisão dos combatentes, para que nunca a Pátria possa ter um dia em que os combatentes de África sejam homenageados, porque segundo eles, seria uma homenagem a um regime.
E nós quedamo-nos, e deixamo-nos dividir e até muitas vezes fazemos propaganda das suas “obras” e dos seus pensamentos”.
Chega! Não escrevo mais sobre este assunto que me/nos dói na alma portuguesa!
Estou disponível para trabalhar, para realizarmos o NOSSO DIA, com autoridades ou sem autoridades, mas em que os discursos a fazer, (se os houver), sejam feitos por alguém que seja uma escolha dos combatentes e não por alinhamentos ideológicos, ou administrativos, para que as autoridades saiam sempre bem nesse “filme”.
Assim não sendo, prefiro os nossos almoços pela Tabanca do Centro, onde nos abraçamos, convivemos, e a todos aceitamos, como combatentes que somos.

Disse!

Um abraço para o Vasco e para todos
Joaquim Mexia Alves

Não revejo nada do que escrevi! Não me apetece

Anónimo disse...

Joaquim,
Terás alguma razão quanto ao chegar à frente de outros, mas recordo-me que havia conhecimento da Tabanca Grande, logo de todos, além de contactos pessoais eventualmente feitos por cada um de nós com outros antigos militares não inscritos em qualquer Tabanca, bastava que fosse feita a confirmação da presença.
Comissões?
Desculpa, não percebi depois que tem a ver o pretendido com qualquer comparação de regimes políticos... Por aí não entro, já chega se conseguirmos organizar alguma coisa em 2013.
O resto discutimos ao vivo junto do prato de cozido.
Um abraço,
BS

joaquim disse...

Caro Belarmino

O que eu digo é:
«porque segundo eles, seria uma homenagem a um regime.»

Ou seja, que a alguns incomoda uma manifestação genuina de combatentes, porque a conotam, ou querem conotar com o regime anterior.

Para mim, uma manifestação genuina de combatentes é apenas e tão só uma manifestação de combatentes homenageando os seus, a que o país se deve muito justamente juntar.

Um abraço
Joaquim Mexia Alves