quinta-feira, 7 de junho de 2012

P235: ACIDENTES EM TERRA – 2 (e último…)


COM UM BRAÇO ÀS COSTAS…

“Miguel, agora que te lembraste disso e o revelaste, aproveita a embalagem e conta os 'outros' acidentes, sim, porque é perfeitamente expectável que tenhas mais histórias...”
Este comentário do nosso camarigo Helder Sousa ao texto que publiquei há uns dias no blogue – intitulado “Acidentes em terra” – pareceu-me conter uma pequena provocação do tipo “Bom, se não as há, inventa-as”… Confesso que tenho uma certa falta de imaginação para inventar histórias, mas teria material suficiente para relatar alguns “acidentes de percurso” por que tenho passado ao longo da minha vida. Não é em vão que tenho uns tantos meses de permanência em hospitais, espalhados por vários episódios. Considero-os no entanto como perfeitamente vulgares e não lhes dou grande importância – o facto é que saí mais ou menos bem de todos e não me deixaram mossas muito visíveis, embora com o passar dos anos e a mudança do tempo cada vez sinta mais dores nas partes afectadas.

Mas houve uma cena de que me lembro com grande nitidez e que vai ser o tema deste pequeno texto de hoje. Chamei-lhe “Acidentes em terra - 2” e ao contrário do que o título pode sugerir, não entrámos numa série de vários episódios. Este é o 2º - e último... e o sub-título (“Com um braço às costas…) parece-me bastante adequado.
A história não tem nada de especial, apenas sendo curioso um pequeno episódio passado no decorrer da minha recuperação para o hospital. Mas, começando pelo princípio, o acidente – parvo como quase todos os acidentes – ocorreu há largos anos atrás (44 precisamente…) no decorrer de uma aula de ginástica, estava eu no 3º ano do curso de Aeronáutica da Academia Militar. Por uma razão qualquer, quando me equilibrava sobre uma barra colocada a cerca de metro e meio de chão perdi o equilíbrio e saí disparado em direcção ao solo. Eu, que das aulas de judo tinha retirado alguns ensinamentos na arte de cair bem, estupidamente resolvi dispensar essas minhas capacidades e estiquei o braço direito para o solo, na tentativa de amortecer a queda. Claro que não amorteci nada e o contacto com o solo foi duro, tendo o pessoal presente ficado estarrecido com o TLAC! que a minha aterragem tinha provocado. Não era caso para menos, pois quando tentei levantar-me verifiquei que tinha o braço direito virado ao contrário… Aliás o aspecto não parecia nada bom, com um osso a forçar a pele, um pouco abaixo do ombro direito, sendo necessário que me segurassem o braço pois não podia deixá-lo pendente, dadas as dores que isso provocava.

Embora só mais tarde o soubesse, posso desde já dizer que naquela queda tinha sofrido uma luxação escapulo-umeral (*), um termo interessante para explicar que tinha havido uma troca de posição entre a clavícula e a omoplata. É claro que a coisa só se resolvia com uma ida ao hospital. Lá apareceu um jeep com condutor, mais um cabo para me segurar o braço… e lá arrancámos em direcção ao Hospital Militar na Estrela, com as dores que me iam afligindo pelo caminho, devido à trepidação do veículo. Para cúmulo o jeep, chegado à rua Alexandre Herculano resolve ir-se abaixo, sendo necessário descermos todos enquanto o condutor e o cabo de serviço ao meu braço tentavam empurrar o carro e pô-lo outra vez a trabalhar. Abandonado à minha sorte enquanto os dois militares tentavam convencer o jipe a trabalhar, e não suportando as dores que o braço pendente me provocava, lá resolvi com o braço bom colocar o aleijado em cima do guarda-lamas dianteiro e acompanhar a lenta deslocação do jipe enquanto este era empurrado... Imagino a figura caricata que fizemos!
Lembro-me que finalmente a situação se resolveu e lá pudemos prosseguir para o hospital sem mais problemas. Claro que cadete não era peça importante do sistema, mesmo com o braço virado, por isso ainda tive que esperar que resolvessem o grave problema de um furúnculo que afectava o bem-estar da esposa de um senhor oficial superior. Chegada a minha vez lá me explicaram o que me tinha sucedido, tendo sido informado que teria que levar uma anestesia para voltarem a pôr-me o braço no sítio. Naturalmente não assisti a essa parte - quando acordei recebi o relato do cabo que me tinha acompanhado, ainda traumatizado pelo que tinha visto - estou a imaginar o médico a fincar o pé na minha axila e com as duas mãos dar um forte esticão de forma a colocar o meu braço na posição original…

A esta distância não me recordo de ter grandes dores a partir daí; mas começava com a minha recuperação o período mais difícil que passei ao longo deste acidente. É que, para garantir que os ossos se mantinham no sítio e os tendões recuperavam, tiveram que me enfaixar o braço colado ao corpo, situação que se manteve por quase dois meses. Já estávamos a chegar ao verão, o calor começava a apertar e a colagem do braço ao corpo provocou uma necrose da pele (**). De quinze em quinze dias lá me desenfaixavam o braço e com Cetavlon retiravam-me todo o tecido morto. Foi realmente a parte de que me lembro mais, por ter sido prolongada… e desagradável. Mas recuperei fisicamente a tempo de concluir esse ano com aproveitamento (talvez se possa dizer “com um braço às costas”…) e arrancar para o meu tirocínio como Aspirante na Base de Sintra.

      ou  http://drcunha.com.br/blog/?p=44

(**) Na necrose causada por úlcera de pressão a pele fica avermelhada e edemaciada, quando se faz pressão com os dedos empalidece mas não volta ao normal após retirada a pressão. Isso ocorre pelo metabolismo anaeróbio (sem oxigénio), e sem o meio de sobrevivência do tecido ele morre (necrose). É muito importante saber a causa para adequar o tratamento, geralmente é feito com a retirada deste tecido necrosado e uso de medicação no local para favorecer a cicatrização, o uso de antibiótico para conter ou evitar infecção também é muito importante

M P




8 comentários:

Hélder Valério disse...

Caros amigos

Vamos por partes: fiz bem, ou não fiz, em 'espicaçar' o nosso amigo Miguel a 'deitar cá para fora' mais uma das suas 'aventuras/desventuras'?
E palpita-me, apesar de ele dizer ser a 'última' que não fica por aqui...
Não pode! Com aquela tendência que já se viu que ele tem (tinha, teve) para atrair complicações, é forçoso que hajam mais...

Achei 'um mimo' aquela do "cabo de serviço ao meu braço"... pois é bem reveladora de como o nosso Miguel andava a ensaiar para como ter sempre 'alguém' de enfermagem ao seu lado... 'just in case'...

Agora um outro aspecto.
Dizes que isso ocorreu há 44 anos, ou seja no ano da Graça de 1968. Pois nessa altura eu andava a tentar estudar num estabelecimento perto da Basílica e do Jardim da Estrela e, obviamente, também perto dos edifícios do Hospital da Estrela.
Então não é que agora 'se fez luz'? A história de um jeep avarido a ser empurrado e com um militar 'com um braço às costas' apoiado no guarda-lamas foi muito comentado, na ocasião, pelos estudantes. Dizia-se "olha, olha, se isto é assim antes de se ir 'para lá' como será depois?"

Abraços
Hélder S.

Anónimo disse...

Cum caraças Miguel.Está tão bem escrito que até doe...Sempre ouvi dizer que o tipo de lesão que te "calhou" és das dolorosas do cardápio. E depois os dois meses de imobilização!!! Cum caraças!Já passaste por cada ua ! Um grande abraço, JERO

joaquim disse...

Ó Miguel, etntão tu tiveste uma "luxação escapulo-umeral", e não dizias nada à gente!!!

Espero bem que a tenhas guardada num cofre porque isso é coisa fina!!!

Percebe-se agora, (para além de outras razões, claro), porque casaste com a Giselda!

Com coisas dessas é sempre bom ter uma Enfermeira à mão ... eheheh

Grande abraço
Joaquim Mexia Alves

Juvenal Amado disse...

Eu do alto da minha ignorância ia perguntar se tinha sido grelhado, cozido ou assado e que tipo de prato era esse chamado escapulo-umeral.
Mas `há cautela fui ver e fiquei muito preocupado pois halterofilismo ou mesmo flexões têm que ser encarados com muita calma.
Bem lá vem o ditado que diz "Doente de pé e mão fala como doente mas come como são"

Um abraço e as melhoras

Juvenal Amado

Anónimo disse...

Estava eu lendo com todo o entusiasmo à espera de ver qual teria sido o veículo ou chaparia com motor a que o Miguel tinha dado nova forma e nada, bolas, fiquei frustrado, então ele desta vez não conseguiu destruir nada? Só o braço?
Bem, esperemos por mais episódios.
BS

Hélder Valério disse...

Caro Miguel

Como podes ver, pelo conteúdo explícito e implícito nos comentários anteriores, só te resta contares 'aquela', a 'outra', a que está a faltar!....

Abraço
Hélder S.

Anónimo disse...

Amigo Miguel essa foi mesmo a doer. Vi certa vez em S. José, um doente que teve que ser anestesiado, porque não suportava as dores e não conseguiam colocar-lhe o braço direito.É uma situação difícil e não há dúvida que o amigo é mesmo forte. Ganhou o gosto de andar aos trambulhões e por isso optou por ter para toda a vida, uma enfermeira mesmo à mão. Beij para vós.Bom fim de semana.

Anónimo disse...

Esqueci-me de dizer que fui eu a Mª Arminda, que colocou o escrito anterior. Já estou a pensar que logo vou ver o jogo da nossa selecção, mas que até lá ainda tenho muito que fazer. Ando sempre nas corridas e lá me esqueci de me identificar. Um abraço para todos e bom fim de samana. Mª Arminda