sexta-feira, 11 de maio de 2012

P226: O ÓSCAR E OS MEUS RELÓGIOS


Logo num dos primeiros encontros organizados pela Tabanca do Centro – estamos portanto a reportar-nos aos primeiros meses de 2010 – dirigia-me eu para o local de reunião no Café Central quando dei de caras com um velho conhecido meu, o Óscar. Reconhecemo-nos – eu mais facilmente a ele do que ele a mim… - e trocámos os cumprimentos efusivos de quem não se via há já um par de anos. Bom, não propriamente um par de anos; a última vez que nos tínhamos encontrado terá sido em finais de 1987, há quase quinze anos, quando abandonei as funções que tinha no Grupo Operacional 51, da Base Aérea de Monte Real, e voltei a Lisboa.

Mas já nos tínhamos cruzado há quarenta anos, em 1971/72, sendo eu um jovem tenente colocado na BA5 para ganhar a minha qualificação nos aviões F-86 e Fiat G-91 e assim poder avançar para a minha comissão em África. O amigo Óscar era um dos funcionários que nos “tratava da saúde” na messe de oficiais da Base, pois era um dos empregados de mesa que ali trabalhava.
Sendo solteiro e longe do meu habitat aproveitava o tempo para entabular conversas mais ou menos prolongadas com o pessoal que nos apoiava, e rapidamente descobri que o Sr. Óscar (vamos só chamar-lhe Óscar, que não lhe sei o apelido e não gosto de associar o “Sr.” ao primeiro nome…), bom, o Óscar era um bom relojoeiro e tinha um razoável stock de material para fornecer ao pessoal.

Ora, já me tinham referenciado que o cronómetro do F-86 – o avião que eu ia voar – era de difícil leitura com a trepidação em voo e que seria boa ideia eu dispor de um relógio de pulso com função de cronómetro. O que eu tinha era básico – dava as horas, o que já não era mau – por isso encarei de imediato a hipótese de lhe adquirir um relógio à maneira. E devo dizer que não me arrependi da compra pois ele acompanhou-me em momentos importantes da minha vida, nomeadamente no episódio da minha ejecção e estadia no mato, já na Guiné.

Saímos aliás os dois um bocado maltratados desse episódio, pois se eu tive que recuperar da coluna e da perna, o relógio depois de levar com 18 Gs de aceleração perdeu o botão que accionava o cronómetro e dobrou o ponteiro do cronómetro, que encalhava na marca dos 25 segundos…

Quando regressei da Guiné fiz chegar o relógio ao Óscar, para uma revisão/reparação completa que o tem mantido a funcionar até aos dias de hoje.

Regressei à BA5 para comandar o Grupo Operacional e voltei a encontrar o Óscar, que por lá se mantinha. Achei então que estava na hora de arranjar material mais avançado e decidi comprar-lhe um novo relógio, de quartzo. Estávamos então em Outubro de 1985. Fiquei desconfiado quando ele me disse que a pilha duraria cinco anos e verifiquei que não era bem verdade, pois tive que mudar a pilha em Outubro de 1995, portanto… dez anos depois…
Este relógio está hoje guardado pois esta segunda pilha finou-se ao fim de… mais quinze anos… Desde então aguarda uma decisão minha sobre o que lhe hei-de fazer. Conversando há pouco com o Óscar – agora já reformado e vivendo em Monte Real - este aconselhou-me que não fizesse nada, pois o relógio está exteriormente bastante desgastado e não se justificaria uma reparação cara. Assim, voltei a usar o primeiro relógio que lhe tinha comprado. Só que recentemente o cronómetro deste voltou a pifar. O Óscar já me disse que quando quiser lhe leve o relógio que ele mo arranja.
Mas, tenho pensado eu – o Óscar está reformado, eu estou reformado; não será altura de reformar também os dois relógios e deixá-los descansar calmamente na gaveta, com os achaques próprios da sua idade?
                                                                                                                                         Miguel Pessoa

5 comentários:

Carlos Pinheiro disse...

Este artigo sobre relógios fez-me recordar também uma história com o meu 1º relógio. Era um ZINAL, fabricado na òmega segndo dizia o relojoeiro. Ainda é "vivo" e ainda o guardo e de vez em quando ponho-o a funcionar, foi-me dado pelos meus pais quando eu fiz a 4ª classe e a admissão à Escola Industrial em 1956. Custou na altura 502$50. Não era uma fortuna mas era muito dinheiro para quem tinha pouco.
O Zinal acompanhou-me sempre. Na Escola, no 1º emprego, na tropa e lá foi comigo para a Guiné. Mas deu-se mal com o clima. Parou ao fim de dois ou três meses. Não se aguentou. Foi evacuado e foi cá arranjado, bem limpo e bem seco, porque estava cheio de humidade.
Lá tive que comprar um SEIKO 5, na loja do meu parente, o Costa Pinheiro, que era Agente da SONY, da SUZUKI, da NIVICO, da TOYOTA, para além da SEIKO.Ainda hoje o guardo e que também funciona mesmo como um relógio.
Carlos Pinheiroceernar odelaam

Hélder Valério disse...

Caro Miguel

Sempre foste um homem sensato (assim acho) e portanto a decisão final, o do repouso dos relógios que, a avaliar pela foto, fazem companhia um ao outro, foi uma decisão sábia.

Quanto a relógios... lá pelos meus lados não havia dinheiro para esses luxos... um "Cauny prima" de contrabando e vivó velho! Lá na Guiné, em Bissau, comprei um Tissot (ainda o tenho) na casa "Salgado e Tomé" sendo que este "Tomé" era um familiar do Capitão e depois Major Mário Tomé.

Agora não uso! Guio-me pelas estrelas e pela noção do tempo... sendo também verdade que às vezes consulto o relógio do carro, o do telemóvel e o do computador.

Abraço
Hélder S.

joaquim disse...

Tive um relógio que me acompanhou sempre na Guiné.

Passados uns anos esquecido numa gaveta, quando o reencontrei dei-lhe corda e ... voltou a trabalhar sem problemas!!!

É um Kienzle acho que é assim que se escreve.

Miguel
manda arranjar o relógio e guarda-o porque é uma óptima recordação.

Um abraço
Joaquim Mexia Alves

António Martins Matos disse...

Os relógios são algo de estranho e transcendente, nunca somos os seus verdadeiros donos, apenas os guardamos para os nossos descendentes.

Anónimo disse...

Amigo, o relógio é uma peça de que todos nos lembramos quando pela primeira vez o usamos. O meu primeiro com o registo dos segundos, foi quando entrei no curso de enfermagem para registar os batimentos cardíacos,(as pulsações). Ficou em 1962 esquecido num hotel em Madrd, mas os "nuestros irmanos", devolveram-me pelo correio após o meu alerta.Outros tive, pela vida, avariados, mas mesmo assim guardo-os de recordação, como o meu amigo fez aos seus. Estão no cofre das recordações. Um abraço Mª Arminda