segunda-feira, 30 de setembro de 2024

P1491: SÓ PARA QUEM POR LÁ PASSOU...

CONVERSAS IMPROVÁVEIS SOBRE A GUERRA

Tens saudades da guerra???

Não, claro que não!

Então?

Não, não tenho saudades da guerra, mas de quando em vez instala-se uma espécie de nostalgia, uma qualquer coisa inexplicável, que me leva até àquele tempo, àqueles lugares, sobretudo àqueles que comigo estavam e sentiam a mesma tensão, o mesmo perigo e, por vezes até, o mesmo alheamento.

Mas o que significa isso?

Não sei, não consigo explicar. É como se por momentos ali quisesse estar outra vez, não debaixo de fogo, claro, mas vivendo aquele constante sentimento de insegurança que nos tornava mais perto uns dos outros.

Então não são realmente saudades da guerra?

Não claro que não! Como poderia ter saudades de algo que é destrutivo, que mata, que nos torna por vezes quase indiferentes.

É estranho isso.

Sim, eu sei que é estranho, que é inexplicável, mas a verdade é que o sinto por vezes, e isso torna-me nostálgico, uma tristeza quase calorosa, que me transporta para aquele calor, aqueles cheiros, aquela terra vermelha, aquele pulsar de vida que se via na natureza, constantemente.

São então recordações boas?

Não direi que são boas recordações, embora algumas delas o sejam, mas um misto de verdade, de realidade, de sentimento onde não há fingimento.

Não há fingimento?

Sim, pelo menos eu nunca me coibi de chorar quando sentia vontade de chorar, nem de rir quando tinha vontade de rir. Era apenas eu, talvez um pouco imberbe a ser curtido pela vida, mas a descobrir em cada momento um novo alento, um novo querer viver, um novo respirar.

E de tudo isso o que mais te impressionava?

Sei lá eu bem! Ver gente diferente de mim, mas que eu sentia e vivia como meus irmãos de armas. Costumes diferentes, falas diferentes, sentires diferentes, mas que se extinguiam quando chegava o momento de todos sermos um. Sentir que podia contar com eles e que eles podiam contar comigo.

E a guerra? O mato, os tiros, os ataques?

Graças a Deus foram relativamente poucos. No início vivia-os como momentos de incredulidade, ou seja, pensava como era possível alguém querer matar-me ou eu poder matar alguém. Depois eu, que sou um nervoso constante, ficava numa calma que não sei explicar e fazia o que tinha a fazer. Finalmente vinha o alívio quando tudo acabava.

Então é disso que tens saudades?

Não, nem pensar! Tenho saudades, se assim lhes posso chamar, do depois e dos momentos em que nos juntávamos para conversar, para dizer coisas, por vezes sem sentido, para nos rirmos, para criticarmos, enfim, para nos unirmos em torno da situação que vivíamos.

Voltavas para a guerra?

Com a minha idade, com certeza, que não sou preciso. De qualquer modo, se o país mo pedisse, não teria dúvidas em fazê-lo. Mas, melhor do que isso, haveria de lutar primeiro para que nunca se chegasse a uma situação de guerra, porque a guerra nunca resolve nada. Apenas faz vítimas e alimenta ódios.

Estás em paz?

Sim, em relação à guerra estou em paz, embora de vez em quando os “fantasmas” desse passado me visitem e incomodem, mas acabo sempre por encontrar o bem maior que é a fé cristã que me alimenta e faz viver no dia a dia.

Marinha Grande, 30 de Setembro de 2024

Joaquim Mexia Alves


5 comentários:

Anónimo disse...

Como o entendo amigo Mexia Alves.
Embora a minha situação e passagem tivesse sido diferente da dos combatente, lembro-me muitas vezes dessa terra e do são convívio,« entre todos. Também recordo medos, cheiros, sons tristezas e alegrias. Há fantasmas que nos acompanham vida fora enquanto tivermos memória.
Um abraço e boa saúde

Anónimo disse...

Esqueço-me algumas vezes de me identificar.
O comentário é de Mª Arminda

Carlos Pinheiro disse...

Parabéns amigo Joaquim por estas Conversas improváveis sobre a Guerra. Abraço.

Armando Faria disse...

Para quem teve de "ir á guerra", como eu e muitos da nossa geração, ficamos marcados para a vida e as memórias desses dias, estarão sempre presentes e habitam as nossas noites. Obrigado Joaquim Mexia, por mais este texto que bem espelha as nossas vivências, não ficou saudade da guerra, mas dos amigos "construídos" nesses dias, á sim , muitas.

Anónimo disse...

Não temos saudades da guerra mas temos saudades daquela idade. A paz é direito que adquirimos depois de muito suor e que nunca nos falte.
Juvenal Amado