sábado, 15 de outubro de 2022

P1344: É BOM SER MAIS VELHO...

        O ELOGIO DA VELHICE

Deus concedeu-me a graça de ter 4 filhos.

Acredito que cada um deles me há-de pegar pela mão e ajudar a atravessar a estrada que se vai agora apresentando à minha vida .

Agora ainda acham graça às minhas expressões de dor que vai percorrendo todo o meu corpo mas sei e sinto que lá no fundo se vão preocupando com o pai que continua, apesar de tudo, forte e vivo.

Claro que as dores são fruto da idade, mas também muito fruto das asneiras da vida que levei e que foram muitas, (algumas forçadas, como a guerra, mas a maior parte de livre vontade), e tinham forçosamente de marcar os meus anos mais velhos

Um tal Variações cantava que “quando a cabeça não tem juízo o corpo é que paga”!

É engraçado começar a viver agora as recordações daquilo que, quando novo, achava daqueles que tendo a minha idade ou sendo mais velhos, iam dizendo e se iam queixando e como eu desvalorizava esses “queixumes” acreditando que eram para chamar a atenção.

Percebo agora que os nossos “queixumes” nestas idades, são muito mais para nós, são íntimos, do que para chamar a atenção dos outros.

Gostaríamos até de conseguir não nos queixarmos para não preocuparmos os mais novos, mas, caramba, às vezes nem são tanto as dores, são mais as incapacidades de fazer algo tão simples como calçar e descalçar as meias sem ter que “gemer” um pouco!

Mas é bom ser mais velho.

Dá-nos, por exemplo, a capacidade de nos calarmos para não provocar discussões, (embora tenhamos os nossos “repentes” pois claro), conseguirmos “adivinhar” reações, sabermos coisas que os mais novos ficam espantados, contarmos histórias que eles querem ouvir, (às vezes até lhes acrescentamos umas “coisas” para ficarem mais bonitas ou interessantes), lembrarmos sítios que já não existem ou tradições perdidas, enfim, somos quase uma “enciclopédia” de “banalidades” interessantes.

E é tão gratificante quando os mais novos nos pedem para repetir as histórias que já contámos vezes sem fim, mas que eles querem recordar, muito provavelmente para poderem contar quando chegarem à “idade das dores”.

Depois, também, as ofensas que nos fizeram ou nós fizemos, vão-se esbatendo e vamos percebendo o ridículo do incómodo que nos causamos por não perdoar ou não pedir perdão.

Começamos a perceber bem melhor o sentido de viver em paz.

A mim, sinceramente, nunca me preocupou a idade, (a não ser por causa das tais “incapacidades”), e acho até interessante ser olhado como mais velho.

Há sempre algum respeito nesses olhares.

A morte nunca me preocupou e hoje em dia muito menos, pois a Fé que vivo ou tento viver todos os dias, dá-me a certeza de que, mais tarde ou mais cedo, estarei nos braços de Deus, (depois de purificadas as minhas inúmeras faltas), no gozo do amor que nunca acaba.

E o amor talvez seja o melhor elogio à velhice!

Joaquim Mexia Alves

NOTA: Claro que escrevo o que sinto e na generalidade, pois cada situação é diferente, sobretudo para aqueles que são abandonados pelos mais novos.

1 comentário:

Hélder Valério disse...

Olá Joaquim, meu amigo.
Não comentei mais cedo pois aguardei que algum "outro velho" aqui viesse manifestar-se.
Na sua falta cá estou eu a dizer que compreendo estes teus desabafos, estas reflexões.
Por exemplo, essa de se pensar que os "mais velhos", quando éramos "mais novos", se queixavam da mudança de tempo sinalizada pelas dores nos ossos, também eu tinha essa ideia que referes, mas já a abandonei desde que a minha perna esquerda teima sempre em "dar sinal" disso, por força da cornada que levei numa largada de toiros em Vila Franca. Por sinal quando fiz 17 anos.
E sabes uma coisa, Joaquim, envelhecer até que nem é assim tão mau. Começa logo por ser sinal que se viveu até ao momento e por isso viu-se, viveu-se e aprendeu-se muita coisa. E ainda há espaço temporal para continuar.
Mas.... e as dores?
Tinha aqui no meu prédio um colega que também trabalhava na mesma empresa que eu mas, entretanto, "ganhou" uma esclerose lateral amiotrópica e na escada, quando me cruzava com ele e lhe perguntava "então, como vai isso?" ele dizia sempre "aguenta-se!".
E é verdade Joaquim tem que se aguartar.
Abraço
Hélder Sousa