PEDAÇOS HISTÓRICOS PERDIDOS NA GUINÉ
EM 1969
Só o facto de estarmos
em guerra, só o facto de estarmos em África, mas também pelo facto das
comunicações da altura não serem nada, nem de perto nem de longe, do que hoje
dispomos, leva-me a relatar alguns factos, mais ou menos históricos, que não
presenciámos, que não testemunhámos por estarmos forçadamente ausentes do nosso
cantinho, da nossa família, dos nossos amigos, mas dos quais nunca duvidámos
uma vez que, mesmo à distância, lá nos chegaram, dias mais tarde, ecos desses
mesmos factos, que hoje são mesmo históricos por razões diversas.
Imagem retirada do Site da RTP, com a devida vénia |
Logo no início do ano
de 1969 foi lançado na RTP, a única televisão da época, um programa que foi
marcante para a altura.
Tratou-se do ZIP
ZIP, um programa de Raul Solnado, Fialho Gouveia e Carlos Cruz que
apareceu, certamente “permitido” pela primavera Marcelista, uma vez que Salazar
tinha caído da cadeira no ano anterior e Marcelo já governava.
Segundo rezam as
crónicas, foi um programa audaz para a época, mas a malta do meu tempo que
estava na guerra, perdeu-o pura e simplesmente.
Foto retirada da Wikipédia, com a devida vénia |
Outro facto histórico de nível mundial desse período aconteceu exactamente no dia 20 de Julho de 1969.
Foi a chegada do primeiro homem à Lua que a Televisão terá transmitido em directo e a que nós não tivemos oportunidade de assistir. Ouvimos falar, lemos nos jornais com alguns dias de atraso, mas não presenciámos o facto e o feito. É caso para dizer que lemos e ouvimos, mas não vimos.
Também perdemos outro acontecimento, marcante para a história de Portugal, que
ocorreu no dia 27 de Julho de 1969.
Foto retirado do Site Fotos Sapo, com a devida vénia |
Foi a
morte de António de Oliveira Salazar cujo funeral nacional foi
efectuado de comboio de Lisboa para a sua terra natal, Vimieiro, Santa Comba
Dão, tendo o país ficado de luto durante três dias.
Até na Guiné esse luto foi
garantido com a bandeira nacional a meia haste. Mas não presenciámos, só
ouvimos falar, mais nada, para além de sentirmos mais algum rigor nas
prevenções militares naqueles dias.
Outro facto importante
para a época e que a história regista e a que nós não assistimos e muito menos
participámos, foram as Eleições
legislativas de 1969.
As primeiras que se realizaram com Marcelo no Governo, precisamente no dia 26
de Outubro daquele ano e onde concorreram, para além da União Nacional, o
partido do Governo, a CEUD Comissão Eleitoral de Unidade Democrática, a CDE
Comissão Democrática Eleitoral e a CEM Comissão Eleitoral Monárquica.
Soubemos
depois que a União Nacional elegeu todos os 120 Deputados naquela espécie de
acto eleitoral, como mandavam as regras da época, a bem da nação, a bem da
evolução na continuidade.
Em contrapartida, para além do facto de estarmos na guerra, muitos sofrerem
o horror dos combates e dos ataques, da fome e da sede, muitos morrerem na flor
da idade e muitos outros terem ficado estropiados no corpo e no espírito,
ganhámos o privilégio de podermos passar a
consumir Coca-Cola, importada directamente de Inglaterra e até de
Moçambique, bebida esta que na Metrópole era proibida.
Aliás, já que estamos a
falar de privilégios, na Guiné também podíamos beber água Perrier e Vichy vindas de França e
até leite da Holanda da Twin Girls, uma vez que era difícil a entrada naquelas
terras de águas ou leite da Metrópole. Vá-se lá saber porquê.
Relatar estes acontecimentos passados tantos anos, denota algum saudosismo, mas também serve para lembrar que a guerra deixou marcas das mais variadas estirpes. Hoje, nada disto aconteceria. Ou melhor aconteceria, acontece tudo, mas todo o mundo, Iraque ou Afeganistão, por exemplo, estaria informado no momento, em directo, em todas as televisões.
Relatar estes acontecimentos passados tantos anos, denota algum saudosismo, mas também serve para lembrar que a guerra deixou marcas das mais variadas estirpes. Hoje, nada disto aconteceria. Ou melhor aconteceria, acontece tudo, mas todo o mundo, Iraque ou Afeganistão, por exemplo, estaria informado no momento, em directo, em todas as televisões.
Carlos Pinheiro
5 comentários:
Com todas as voltas( e reviravoltas) que as nossas longas vidas a muitos proporcionaram quase nos perguntamos se as nossas memórias terão realmente......existido!
Será esse o significado de “velho”?
Um abraço do J.Belo
Obrigado registo de memórias Carlos Pinheiro.
Abraço de Alcobaça.
JERO
Caro Carlos Pinheiro
Só agora me foi possível ler estas tuas "memórias".
Bem... essas foram as tuas, lá!
Por mim, esse efeito, com esses acontecimentos, não foram diferenciados no tempo já que por cá ainda andava.
O ZIP ZIP foi de facto inovador. Acompanhei-o ainda antes de ingressar na tropa.
A chegada à lua já me "apanhou" em Santarém. O funeral do António, também.
As "eleições de 69" apanharam-me no BT, em Lisboa, quartel dos Sapadores, onde me esforcei para que os programas das oposições pudessem chegar.
Já quanto aos teus outros apontamentos sobre bebidas e afins pois é bem verdade que, pelo menos em Bissau, havia uma boa oferta com escolha variada.
Para além dessas referências à tal "água suja do imperialismo", como então alguns se referiam a esse produto desincrustante e decapante também conhecido por Coca-Cola (foi moda na altura misturar com um bocado de wiskey e chamar "Cuba Livre"), ao leitinho holandês (que preenchia, juntamente com sandes de fiambre, o reforço alimentar aquando do serviço noturno na "Escuta"), às águas Vichy e Perrier (já temos até aqui algum "internacionalismo"), pode-se ainda juntar cervejas que não haviam pela "Metrópole", como por exemplo a Becks, a McMahon, que me ocorreram agora e ainda água espanhola como por exemplo "El Mondariz".
Não se estava mal em Bissau...
Abraço
Hélder Sousa
Caros amigos
Pessoa atenta e indulgente para com as minhas falhas chamou-me (particularmente) a atenção para que o "Cuba Livre" é originalmente feito da mistura em doses proporcionais de coca-cola e rum.
Isso é que é correcto.
Embora, como se devem lembrar, "misturas criativas" não eram raro fazer-se e tenho a ideia que essa da coca-cola com wiskey não me foi totalmente estranha.
Hélder Sousa
Por falar em misturas, na passagem do ano 69/70, em instalações da BA 12 ou do BCP 12, nem sei bem como é que lá fui parar depois de ter jantado nas Palmeiras, a mistura era Vinho do Porto com WIsky. Imaginem...
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