terça-feira, 24 de outubro de 2017

P960: UM DESABAFO DO KAMBUTA

El-Rei D.Dinis deve estar às voltas no túmulo,
revoltado com o que está a suceder…

UMA FICÇÃO MINHA, A CONDIZER COM A TRISTE REALIDADE, A DESTRUIÇÃO DAS MATAS NACIONAIS

Seguíamos os dois dentro do carro, eu e a Hortense, Estávamos então a entrar nas tristes matas nacionais, totalmente queimadas, cuja visão nos provocou fortes exclamações de pesar ao vermos tanta destruição.

Ao chegarmos junto da Ribeira de São Pedro deparámos com um casal já muito velhinho deitado no chão. Pensámos que tinham sido vítimas do fogo, por isso parámos o carro e eu tentei ver o que se passava.

Com os conhecimentos de enfer-magem adquiridos no decorrer da minha comissão em África, procurei de imediato socorrê-los. Abeirei-me dos dois corpos, repa-rando que estavam inanimados; logo tentei reanimá-los da melhor maneira possível. O velhinho casal lentamente começou a voltar ao normal, iniciando uma série de desabafos entrecortados com uns gemidos - «Ai, a minha linda mata toda queimada!» - exclamavam.

Calmamente fui-lhes fazendo perguntas, ao ponto de identificar o velho casal, posto o que chamei a Hortense perto de mim e segredei-lhe dizendo quem eram.

Com a nossa ajuda o casal lá acabou por se levantar, parecendo então que nos tinham reconhecido. O velhinho inesperadamente excla-mou, «Ai os meus primos, o Manel Kambuta dos Dembos e a esposa!».

Abraçámos-no os quatro mas não houve conversa para matar saudades. Eu só lhe fiz a pergunta - “Primo D.Dinis, depois de tantos séculos da vossa partida para o túmulo para um descanso merecido, depois de tanto terem trabalhado para bem da nossa Pátria, do nosso lindo Portugal, de terem mandado semear e plantar as lindas matas nacionais, afinal o que vos levou a voltar agora?”

O meu primo D. Dinis e a esposa, a minha prima Isabel de Aragão, responderam que estavam nos seus túmulos dormindo um sono profundo, quando tiveram um triste sonho que os fez acordar. E explicaram que uns criminosos sem coração, sem qualquer amor à pátria, tinham ateado o fogo e destruído as nossas lindas matas nacionais. O sonho era tão real que acordaram, e de tanto espernearem, rebentaram com o túmulo e saíram correndo como loucos só parando naquele local. E caíram no chão desmaiados ao verem tanta falsa liberdade, tanta má educação, tanta maldade, tanta falta de civismo, tanta falta de amor pelo País, tanta destruição.

E, digo eu, quem tem respon-sabilidades para resolver situações como a protecção das matas não tem feito muito por isso. E os incendiários ficam em liberdade, prontos para prosseguirem a sua nefasta acção.

No tempo da velha senhora, por muitos criticado, no entanto as matas mantinham-se sempre limpas, havia guardas florestais e casas da guarda. Quando tudo isso terminou, as matas nacionais ficaram abandonadas e à mercê destes criminosos.

O meu primo D. Dinis deu-me um forte abraço dizendo - “Primo Manuel Kambuta, és de uma geração de jovens que tudo fizeram na guerra do ultramar por amor ao nosso País, e que hoje se sentem revoltados com estas situações assim como eu me sinto. Peço-te que não te canses de escrever desabafando todas as verdades, que quem diz a verdade não merece castigo. Esta gentalha que anda a destruir o nosso País passará um dia a ser cinza e pó, não vai levar nada consigo, para quê tanta maldade, tantas destruições, roubos, fogos, mortes?”

O meu primo D. Dinis deu-me um último abraço de despedida - “Vou-me embora muito triste e desgostoso com tudo o que estou a ver, prefiro morrer outra vez e voltar para o meu túmulo; e prometo nunca mais voltar a um espaço que mandei semear e plantar com tanto amor e carinho”.

Esta minha ficção foi escrita com todo o respeito e dedicada ao nosso Rei D.Dinis, com muita mágoa pela destruição das matas que ele mandou semear e plantar para bem do seu e nosso amado País.

Manuel Kambuta dos Dembos


1 comentário:

Carlos Vinhal disse...

Oxalá o D. Dinis e o seu progenitor D. Afonso III não sejam chamados a depor em mais um inquérito parlamentar para justificarem a plantação do Pinhal de Leira, uma vez que aparentemente este não cumpria as normas de segurança contra fogos. A prova é que ao fim de quase 800 anos não resistiu ao vandalismo da civilizada geração do séc XXI.
Carlos Vinhal
Leça da Palmeira
(irradicada definitivamente de palmeiras e pinheiros)