sábado, 20 de fevereiro de 2016

P763: UM POEMA DO LÚCIO VIEIRA

Palavras do nosso camarigo Lúcio Vieira:

De vez em quando nasce um poema.
Doenças graves que atacam os poetas. Que se pode fazer?

DOS TEUS CRAVOS VERMELHOS

Lembras-te
outrora as nossas palavras floriam nos jardins
havia lírios e goivos a bailar na voz dos teus poemas
e cravos, tantos cravos vermelhos nos teus lábios
quando me dizias não partas, fico vazia.
 
E já se consumiram tantos dias
e já as memórias fossilizaram nas palavras
nos gestos que trocámos como núpcias.
Havia nesse tempo um livro de quimeras
promessas libertadas no fragor das horas
daquelas horas de escrever a vida
de desabrochar o destino e o mundo todo
com as palavras desenhadas pelo veludo das tuas mãos
quando nos deitávamos nos prados e depois
contávamos estrelas e viagens e futuros.
 
Quanto me dói agora a tua ausência
os silêncios de ti quando as nossas palavras
soltas no fragor das noites de sonhar os dias
se adornavam com as flores  dos nossos mágicos jardins.
 
Sei uma dor profunda na minha voz velada
não sei se definharam os cravos vermelhos dos teus lábios
não sei de ti, nem sei se ainda sei também de nós.
 
Se estiveres algures, se me ouvires as mágoas
procura-me assim nos teus sorrisos
digo-te que estarei apenas longe, apenas
quando deixares de sorrir
tão longe que não sei agora o caminho de regresso.
 
E aqui ficarei à míngua do jardim da tua voz
dos cravos vermelhos dos teus lábios e das horas
recolhidas no cofre violado dos sentidos
naqueles dias de germinar os caminhos do futuro
destinos que as nossas mãos tentaram construir.
 
Quanto me dói agora a tua ausência: redigo
quanto que nem sei já se era esse o sonho de morrer
no morno dos cravos dos teus lábios
ouvindo a voz celeste no veludo dos teus poemas
e ressuscitando as palavras que tanto
tanto e tanto tempo divinas, embalámos.
 
Não sei bem
mas acredito que os deuses  nos alentam as memórias
e cultivam de poemas os jardins
para que em nós não se ateie e se eternize
a mágoa cruel do esquecimento de um amor
plantado num canteiro de palavras
que outrora floriram nos jardins da tua voz.


António Lúcio Vieira 

2 comentários:

Carlos Pinheiro disse...

O meu amigo e conterraneo António Lucio Coutinho Vieira (nascemos em Alcanena e vivemos na mesma Rua da Cova) é um poeta e um escritor de mérito... há muitos anos e com muita e variada obra publicada. Mas esta, não conhecia. Parabéns.

Anónimo disse...

Parabéns ao camarigo António Lúcio Vieira.
Gostei muito, de ler este seu poema.
Diz o amigo Carlos Pinheiro que conhece a sua obra, mas este não conhecia. Possivelmente terá sido escrito recentemente, pois fala do passado!..
Um abraço.
Mª Arminda