UM
CLÁSSICO… QUE AINDA MEXE?
Miguel Pessoa |
Nos
textos anteriores referi-vos a aquisição dos meus dois primeiros carros, o
Hillman Imp e o NSU TT 1200. Vou hoje falar-vos da terceira e última aquisição que
fiz nesta minha fase de solteiro. E, acreditem ou não, a escolha foi feita
através de uma fotografia, como se faz nos casamentos por correspondência!
Estávamos
em Junho de 1970 e já tinha garantida uma estadia prolongada no Hospital
Militar, na Estrela, na sequência do acidente em que tinha destruído o meu
segundo carro, o malogrado NSU TT. A recuperação da fractura do colo do fémur
ir-me-ia manter acamado por um período de dois meses, com a perna direita em
tracção com 4,5 kgs de pesos para permitir a calcificação da zona da fractura.
Para
me entreter ia pensando na possibilidade de adquirir um novo carro e, vendo o
meu entusiasmo, o meu Pai não quis deixar de me apoiar e movimentou-se junto de
conhecidos numa primeira prospecção do mercado. Liso como estava, e ainda a
pagar as prestações dos dois carros (…), não era muito esquisito com o que
podia arranjar, embora preferisse um carro “com pinta”, mesmo já com alguns
anos de uso. E assim posicionaram-se dois candidatos, um Mercedes 190 SL descapotável
e um Alfa-Romeo Giulietta Sprint Veloce, de que o meu Pai teve o cuidado de
obter umas fotos, para eu analisar… e decidir.
Finalmente,
já a caminho da recuperação, decidi-me pelo Alfa-Romeo, um modelo com 9 anos de
idade mas com razoável aspecto. Contei para isso com o apoio do meu Pai, que me
emprestou os 35 contos necessários para a transacção. E no dia da minha saída
do Hospital, ainda armado de canadianas, lá tinha o Alfa à porta para me levar
para casa!
E
falo das canadianas porque tinha havido um cuidado muito especial do meu médico
alertando-me para a necessidade de uma cuidadosa recuperação para evitar
sequelas. Por isso durante um período razoável, embora guiando o carro,
transportava sempre as canadianas comigo para os percursos a pé. E mesmo quando
ia para as discotecas só as largava para dançar…
O
carro era um modelo 2+2, com lugares apertados atrás, mas cheguei a levar 5 ou
6 ocupantes no carro… Tinha alguns requintes de carro fino, com estofos em
cabedal e uma posição de condução espectacular, a que se juntavam algumas
mazelas do uso, tal como a 2ª velocidade que por vezes arranhava quando entrava;
o travão de mão posicionado por baixo do tablier, à esquerda do volante, também
não era muito prático. O escape era ruidoso, como era hábito ter naquele tempo,
e o depósito de gasolina, enorme (80 litros), tinha já em suspensão muita
porcaria, o que originava que acima dos 150 km/hora o carro podia engasgar-se por
entupimento dos carburadores… E os dois carburadores Weber duplos também não
eram muito poupados, o que me levava a fazer médias de 10 litros aos cem…
Lembro-me
da cara dos funcionários das bombas ao atestarem o carro e da sua preocupação,
depois de metidos os primeiros 50 litros, de olharem para baixo do carro a ver
se havia alguma fuga pois não acreditavam que pudesse levar tanta gasolina!
Foram
mais as coisas boas que as más e devo dizer que este carro me deixou muitas
saudades, tendo-me acompanhado durante dois anos nas viagens que fazia de e
para a Ota e posteriormente de e para Monte Real, e em todas as passeatas que
fui fazendo ao longo desse período.
O
carro acabou por ter um fim prematuro nas minhas mãos quando na viagem final de
Monte Real para Lisboa, a poucos dias do embarque para a Guiné, o motor se
finou quando percorria as rectas de Rio Maior a 130 Kms/hora. Trazido por
reboque para Lisboa e dispondo eu de pouco tempo para grandes decisões, acabei
por vender o carro como salvado ao meu mecânico, por 6 contos…
A
história poderia acabar aqui, pois entrei então numa fase da minha vida em que
optei por não ter carro nenhum… até casar. Mas, curiosamente, no ano de 2010,
tendo visitado na FIL a Feira de Carros Clássicos, no meio de todas as máquinas
em exposição deparei com uma foto bastante ampliada de um Alfa-Romeo em tudo
semelhante ao que eu tinha tido… e mais espantado fiquei ao ver a matrícula
(GF-83-27), precisamente a matrícula do meu antigo carro!
Só
posso imaginar que algum apreciador da marca tenha resolvido investir na
recuperação total do carro – e por aquilo que se pode apreciar nas fotos fê-lo
com algum cuidado, devolvendo-lhe a cor vermelha original (no meu tempo o carro
era côr de laranja), colocando-lhe os retrovisores do modelo original e
certamente tendo considerado muitos outros pormenores que a foto não deixa perceber.
Presumo
aqui que o carro rodava ainda 50 anos depois do seu fabrico (!) e que uma
recuperação destas não é posta de parte de ânimo leve por um apaixonado pelos
carros clássicos, pelo que tenho a certeza que ele andará ainda por aí, embora
de mansinho, devido à idade…
Ah!
E tenho a ideia de que quando embarquei para a Guiné já tinha acabado de pagar
os três carros!
Miguel Pessoa
3 comentários:
Grande Miguel. Com todos estes relatos, já não sei se tiveste azar com esses três primeiros carros ou se foram eles que tiveram azar contigo. Mas eram outros tempos e outras idades. Um abraço
Carlos Pinheiro
E então? Há, ou não há coincidências?
Poderemos deduzir que o Alfa estará em "boas mãos".
Abraço, Miguel.
Calhando ainda aí anda nas mostras de carros antigos e bem estimados.
Pelo menos ficou pago e isso não foi mau…
Gostei das estórias.
Um abraço.
M Arminda
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