sábado, 1 de setembro de 2018

P1051: OS MEUS CARROS DE SOLTEIRO – 3


UM CLÁSSICO… QUE AINDA MEXE?

Miguel Pessoa
Nos textos anteriores referi-vos a aquisição dos meus dois primeiros carros, o Hillman Imp e o NSU TT 1200. Vou hoje falar-vos da terceira e última aquisição que fiz nesta minha fase de solteiro. E, acreditem ou não, a escolha foi feita através de uma fotografia, como se faz nos casamentos por correspondência!

Estávamos em Junho de 1970 e já tinha garantida uma estadia prolongada no Hospital Militar, na Estrela, na sequência do acidente em que tinha destruído o meu segundo carro, o malogrado NSU TT. A recuperação da fractura do colo do fémur ir-me-ia manter acamado por um período de dois meses, com a perna direita em tracção com 4,5 kgs de pesos para permitir a calcificação da zona da fractura.

Para me entreter ia pensando na possibilidade de adquirir um novo carro e, vendo o meu entusiasmo, o meu Pai não quis deixar de me apoiar e movimentou-se junto de conhecidos numa primeira prospecção do mercado. Liso como estava, e ainda a pagar as prestações dos dois carros (…), não era muito esquisito com o que podia arranjar, embora preferisse um carro “com pinta”, mesmo já com alguns anos de uso. E assim posicionaram-se dois candidatos, um Mercedes 190 SL descapotável e um Alfa-Romeo Giulietta Sprint Veloce, de que o meu Pai teve o cuidado de obter umas fotos, para eu analisar… e decidir.

Finalmente, já a caminho da recuperação, decidi-me pelo Alfa-Romeo, um modelo com 9 anos de idade mas com razoável aspecto. Contei para isso com o apoio do meu Pai, que me emprestou os 35 contos necessários para a transacção. E no dia da minha saída do Hospital, ainda armado de canadianas, lá tinha o Alfa à porta para me levar para casa!

E falo das canadianas porque tinha havido um cuidado muito especial do meu médico alertando-me para a necessidade de uma cuidadosa recuperação para evitar sequelas. Por isso durante um período razoável, embora guiando o carro, transportava sempre as canadianas comigo para os percursos a pé. E mesmo quando ia para as discotecas só as largava para dançar…

O carro era um modelo 2+2, com lugares apertados atrás, mas cheguei a levar 5 ou 6 ocupantes no carro… Tinha alguns requintes de carro fino, com estofos em cabedal e uma posição de condução espectacular, a que se juntavam algumas mazelas do uso, tal como a 2ª velocidade que por vezes arranhava quando entrava; o travão de mão posicionado por baixo do tablier, à esquerda do volante, também não era muito prático. O escape era ruidoso, como era hábito ter naquele tempo, e o depósito de gasolina, enorme (80 litros), tinha já em suspensão muita porcaria, o que originava que acima dos 150 km/hora o carro podia engasgar-se por entupimento dos carburadores… E os dois carburadores Weber duplos também não eram muito poupados, o que me levava a fazer médias de 10 litros aos cem…

Lembro-me da cara dos funcionários das bombas ao atestarem o carro e da sua preocupação, depois de metidos os primeiros 50 litros, de olharem para baixo do carro a ver se havia alguma fuga pois não acreditavam que pudesse levar tanta gasolina!

Foram mais as coisas boas que as más e devo dizer que este carro me deixou muitas saudades, tendo-me acompanhado durante dois anos nas viagens que fazia de e para a Ota e posteriormente de e para Monte Real, e em todas as passeatas que fui fazendo ao longo desse período.

O carro acabou por ter um fim prematuro nas minhas mãos quando na viagem final de Monte Real para Lisboa, a poucos dias do embarque para a Guiné, o motor se finou quando percorria as rectas de Rio Maior a 130 Kms/hora. Trazido por reboque para Lisboa e dispondo eu de pouco tempo para grandes decisões, acabei por vender o carro como salvado ao meu mecânico, por 6 contos…

A história poderia acabar aqui, pois entrei então numa fase da minha vida em que optei por não ter carro nenhum… até casar. Mas, curiosamente, no ano de 2010, tendo visitado na FIL a Feira de Carros Clássicos, no meio de todas as máquinas em exposição deparei com uma foto bastante ampliada de um Alfa-Romeo em tudo semelhante ao que eu tinha tido… e mais espantado fiquei ao ver a matrícula (GF-83-27), precisamente a matrícula do meu antigo carro!

Só posso imaginar que algum apreciador da marca tenha resolvido investir na recuperação total do carro – e por aquilo que se pode apreciar nas fotos fê-lo com algum cuidado, devolvendo-lhe a cor vermelha original (no meu tempo o carro era côr de laranja), colocando-lhe os retrovisores do modelo original e certamente tendo considerado muitos outros pormenores que a foto não deixa perceber.

Presumo aqui que o carro rodava ainda 50 anos depois do seu fabrico (!) e que uma recuperação destas não é posta de parte de ânimo leve por um apaixonado pelos carros clássicos, pelo que tenho a certeza que ele andará ainda por aí, embora de mansinho, devido à idade…

Ah! E tenho a ideia de que quando embarquei para a Guiné já tinha acabado de pagar os três carros!

Miguel Pessoa



3 comentários:

Carlos Pinheiro disse...

Grande Miguel. Com todos estes relatos, já não sei se tiveste azar com esses três primeiros carros ou se foram eles que tiveram azar contigo. Mas eram outros tempos e outras idades. Um abraço
Carlos Pinheiro

Hélder Valério disse...

E então? Há, ou não há coincidências?

Poderemos deduzir que o Alfa estará em "boas mãos".

Abraço, Miguel.

Anónimo disse...

Calhando ainda aí anda nas mostras de carros antigos e bem estimados.
Pelo menos ficou pago e isso não foi mau…
Gostei das estórias.
Um abraço.
M Arminda