SALEQUINHEDIM... FRENTE A FARIM
JERO |
Conheci o Aníbal Albino, alfacinha dos quatro costados, no Hospital
Militar Principal, à Estrela, em Lisboa, onde o tratávamos por “six/five/ò/laring”(vá-se lá saber porquê…). A partir de Outubro de 1962 estivemos alguns
meses juntos e ficámos amigos.
Depois… cada qual foi à sua vida em
termos militares e voltámos a encontrar-nos em meados de Novembro de 1964… num
local muito longe de Lisboa!
O Aníbal Albino era então o Furriel
Enfermeiro da Companhia de Artilharia 732, recém-chegada à Guiné. Eu desempenhava idênticas funções na Companhia
de Caçadores 675, ao tempo já com a experiência de 4 meses de mato na região
de Binta, a cerca de 20 kms. de Farim.
Na altura do nosso encontro eu estava
integrado num pelotão da minha Companhia (o 3º.Pelotão), que garantia uma “testa
de ponte” frente a Farim (na margem esquerda do Rio Cacheu) para uma operação
da Companhia de Cavalaria 487 e o Aníbal Albino vinha com a sua Companhia de
Bissau para se instalarem em Saliquinhedim, a 5 kms. de Farim.
Encontrámo-nos na noite de 5 de Novembro
– conforme registo do “Diário” da minha “Companhia 675” – e o Aníbal Albino não
exagera quando mais tarde me confessou que “tremia por tudo quando era
sítio”.
A sua Companhia tinha partido na manhã do dia
anterior de Bissau, em coluna-auto, via Mansoa-Mansabá-Olossato, e já tinha
sido violentamente atacada por duas vezes, resultando dessas emboscadas
um morto e cinco feridos. Quando chegaram junto de nós os militares
da “Companhia 732” vinham de cabeça perdida e completamente desorientados.
Ainda hoje me lembro de o Aníbal Albino me contar que
os militares da sua Companhia tinham recebido as suas espingardas
automáticas“G-3” na véspera e já tinham “passado” por dois ataques e
muitos deles nem a bala na câmara “sabiam meter”! Praticamente a reação ao fogo
inimigo tinha sido feita por um Sargento do Quadro, com uma metralhadora-pesada
instalada numa viatura.
Aníbal Rebelo Albino |
O resto da malta tinha-se
mandado ao chão à espera que a “trovoada” passasse… A confusão tinha sido
tanta que até as tropas de Saliquinhedim, que eles vinham render, tinha feito fogo
sobre eles, pois não tinham informação de que iam ser rendidos nesse dia
!!!
Recordo-me ainda do pormenor macabro de ter sido eu,
mais o meu cabo-enfermeiro Martins, que fomos acima de uma viatura buscar o morto da
“732”, para o confiar às tropas da “487”, que regressavam nessa noite a
Farim, pois os seus camaradas nem tinham coragem de olhar para o corpo, já
então envolto numa lona.
Refiro umas linhas do “Diário da minha Companhia 675: “Quase
há dois dias sem comerem eles aceitaram como “dádiva” do céu” o nosso
jantar de que prescindimos para lhes oferecer. Pouco a pouco conseguimos confortá-los
e dar-lhes alento.
Não podiam cruzar os braços. Tinham que reagir, lutar, vingar os seus mortos e feridos.”
Foi uma longa noite para eles mas, quando chegou o novo dia, apesar de inexperientes estavam prontos para voltar à luta. Quando abalaram de novo nas suas viaturas para render a “487”, e continuar a operação, tinham um ar resoluto e uma nova confiança.
«Obrigado 675», gritaram-nos.
«Para a frente 732», incitámo-los na
despedida.
No que diz respeito à "minha" operação, que estava prevista para três dias, acabou por prolongar-se por
mais quatro – uma surpresa tão desagradável quanto imprevista!
Mas na minha memória – mais do que essa semana
terrivelmente desconfortável – o que perdura são os camaradas da “732” e,
particularmente, o Enfermeiro Aníbal Albino. Que muitos anos mais
tarde vi a reencontrar na praia de São Martinho do Porto.
E, claro está, as primeiras palavras que trocámos tiveram a ver com a
terrível noite da Guiné em Saliquinhedim… frente a Farim. Duas palavras, correspondentes
a dois lugares da longínqua Guiné, que nos marcaram para toda a vida.
JERO
2 comentários:
Saliquinhedim era conhecido por K3 por ficar a 3 quilómetros de Farim. Fui ao K3 inúmeras vezes, já com a estrada toda alcatroada, ao contrário do que sucedia no tempo do nosso amigo JERO.
No meu tempo, 1970/72, não se fazia o itinerário Mansoa-Mansabá-Olossato porque a picada a partir da estrada de Mansoa-Mansabá-Farim para o Olossato estava impraticável, cheia de abatizes. Ia-se ao Olossato só pelo itinerário Mansoa-Bissorã-Olossato.
A zona do Oio foi sempre muito problemática.
Carlos Vinhal
Leça da Palmeira
As coisas de que te foste lembrar! Então, o pessoal nem sequer sabia pôr a bala na câmara, provavelmente, nem sabiam o que isso era. Ao menos estavam equipadas com o cão, ou também terias dado notícia. Só por milagre, ou porque os turras não queriam arriscar, salvou-se a maioria. Há tantas estórias do rídiculo que nos aconteceram. Abraço.
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