OS ENCONTROS ANUAIS DOS
EX-COMBATENTES
Há sempre uma expectativa
especial quando chega a data de mais uma confraternização. Como é que estarão
os nossos velhos companheiros da guerra?
No nosso caso já passaram
52 anos (e 52 convívios) em relação à data de chegada a Lisboa em 3 de Maio de
1966 a bordo do navio “UIGE”, vindos de Bissau-Guiné. Este ano o encontro foi
em Benavente e com os ex-militares e suas famílias juntaram-se 80 pessoas.
Antes da missa, em memória
dos camaradas que tombaram em defesa da Pátria e dos que, segundo a lei da vida
foram partindo já depois do regresso da guerra, o ex-alferes Belmiro Tavares procedeu
à leitura dos nomes dos companheiros que já não estão entre nós, sendo cada
nome saudado com um grito de “presente”.
Ainda na Guiné morreram em
combate o furriel Álvaro Manuel Vilhena Mesquita e os soldados Augusto Gonçalves
e João Nunes do Nascimento. E depois do regresso a Metrópole
já nos deixaram mais 49 camaradas.
O primeiro que nos deixou depois do regresso
foi o 1º Cabo Enfermeiro Martins, vítima de acidente e, em passado recente, por
doença o soldado José Pires Carreira, por alcunha o “Lua”.
No ofício religioso
estiveram presentes os familiares do Álvaro Mesquita - sua irmã Teresa e seu
sobrinho Francisco Mesquita - que viajaram propositadamente de Vila Nova de
Famalicão.
Em relação aos presentes
no convívio, e no que respeita aos antigos militares, estiveram 26 ex-combatentes
da 675, sob o comando do nosso eterno “Capitão do Quadrado”, Ten. General Alípio
Tomé Pinto.
A novidade deste ano foi ter
estado presente um ex-militar do Pelotão de Morteiros 980, que esteve a cumprir
serviço militar na Guiné na mesma altura
da C.Caç.675.
Silvério Miranda |
Tivemos a oportunidade de
conversar em privado com o Silvério e resumimos em seguida o que resultou dessa
espécie de entrevista, com base nas suas “memórias” de mais de 50 anos.
De seu nome completo Silvério
de Almeida Miranda nasceu em 1 de Janeiro de 1942 na freguesia de Pampilhosa da
Serra, em Aldeia Cimeira. Conta portanto 76 anos.
Cumpriu serviço militar na
Guiné no Pelotão de Morteiros 980, que foi adido ao Batalhão de Cavalaria 490,
sediado em Farim. E esteve no desastre do Rio
Cacheu, na operação que tinha como alvo principal o ataque a Sambuiá.
Iremos incluindo
oportunamente alguns elementos do relatório da operação para melhor e mais
correta leitura desta página da história da guerra na Guiné.
O Pelotão 980 participava na
Op Panóplia que se realizava na Península de Sambuiá, entre o
rio do mesmo nome e o rio Malibolon.
Na madrugada do dia da
operação partiram num navio de Farim – o”Orion” - pelo Rio Cacheu “acima”. Não
chegaram a instalar-se no local que lhes estava destinado porque o azar
sobrepôs-se ao que estava planeado.
Para dar cumprimento à missão,
o Pel.Mort. 980 embarcou na LFG Orion às 05h00 como estava previsto e foi
transportado por esse meio na direcção E-W pelo rio Cacheu (Relatório da “operação”).
Como fora planeado, o navio
passou pelo local de desembarque, local esse que fora reconhecido na véspera,
até um ponto antes de Bigene.
Aí, o navio inverteu a marcha e, como também
fora planeado, foi então que os militares do Pel.Mort. 980 desembarcaram para o
bote de borracha no qual se faria o desembarque na Península de Sambuiá (Relatório
da “operação”).
Quando entraram no bote de
borracha, que foi atrelado ao “Orion”, foi passado um cabo por baixo
do barco onde eram transportados os 25 homens, cabo esse amarrado a um ferro
existente no fundo do mesmo bote. Pouco progrediram pois a
corda que os ligava ao navio fez afocinhar o “zebro” e toda a gente caiu à
água.
Silvério Miranda sabia
nadar mas viu-se aflito. A arma e o capacete foram logo para o fundo do rio mas
um camarada – que nunca soube quem foi – agarrou-se-lhe à “platina” do seu
camuflado e viu-se atrapalhado. Puxando pela memória diz que “nunca na vida se
viu tão aflito”.
Conseguiu agarrar-se ao
fundo do bote de borracha, que já se
tinha virado, e aí se segurou “com unhas e dentes”… à vida. Até as unhas das
mãos “se viraram ao contrário”. Viu momentaneamente ao seu lado o
rádio-telegrafista, que se afundou de imediato e não mais apareceu.
Alguns militares não chegaram a vir à
superfície uma única vez, talvez devido ao grande peso do equipamento,
armamento e munições. Entre estes, dois eram bons nadadores. Este
relato é do Tenente José Pedro Cruz, que comandava o Pelotão de Morteiros 980.
“Verifiquei então que se aproximava rapidamente um barco de borracha da Marinha, tripulado pelo próprio Cmdt da Orion, a qual se encontrava parada, afastada do barco sinistrado cerca de 80 metros (Relatório do Ten.Pedro Cruz)".
Depois de se efectuar o transporte de todos os sobreviventes para bordo do navio, efectuaram-se pesquisas em todos os sentidos e recolheu-se todo o material que se encontrava a boiar.
"Verifiquei
imediatamente que tinham desaparecido no desastre alguns homens do meu Pelotão
e variadíssimo material (Ten.Pedro
Cruz)”.
Voltando às memórias relatadas pelo agora civil
Silvério Miranda recorda este que, na madrugada desse dia 5 de Janeiro de 1965,
quando da saída de Farim, um seu companheiro conhecido pela alcunha de “O Toureiro”
dizia em voz alta que era para levar uma “merenda” para comer mais tarde mas
que a ia comer já, "antes que morra". E
foi efectivamente um dos que morreu quando do desastre do bote de borracha.
Em relação aos 8 camaradas desaparecidos nessa
manhã nas águas do Rio Cacheu confessa que os recorda de forma muito esbatida.
Quando regressou à Metrópole escreveu a alguns familiares desses camaradas desaparecidos, mas o contacto não se manteve ao longo dos anos.
Quando regressou à Metrópole escreveu a alguns familiares desses camaradas desaparecidos, mas o contacto não se manteve ao longo dos anos.
Como recuperou de todas essas emoções da vida
militar? Recuperou bem e entrou descontraído na vida civil.
Valeu a pena a guerra? Para ser honesto acha que
não, respondeu. “Não sou político mas, afinal morreram milhares de homens para
quê!?”
Para milhares de civis estabelecidos nas antigas
Colónias voltarem para Portugal. Não lhes chamou “retornados” mas era,
obviamente, a eles que se referia.
Por minha conta e risco recordo os nomes dos
militares que perderam a vida no longínquo dia 5 de Janeiro de 1965:-
1.º Cabo n.º 1295/63- Arlindo dos Santos
Cardoso
1.º Cabo n.º 2143/63- João Machado
Soldado n.º 2481/63- António Ferreira Baptista
Soldado n.º 2517/63- António José Patronilho Ferreira
Soldado n.º 2540/63- António Domingos Félix Alberto
Soldado n.º 2594/63- Joaquim Gonçalves Monteiro
Soldado n.º 3021/63- João Jota da Costa
Soldado n.º 3029/63- António Maria Ferreira.
1.º Cabo n.º 2143/63- João Machado
Soldado n.º 2481/63- António Ferreira Baptista
Soldado n.º 2517/63- António José Patronilho Ferreira
Soldado n.º 2540/63- António Domingos Félix Alberto
Soldado n.º 2594/63- Joaquim Gonçalves Monteiro
Soldado n.º 3021/63- João Jota da Costa
Soldado n.º 3029/63- António Maria Ferreira.
Termino
com a mensagem que o nosso Ten. General Alípio Tomé Pinto nos dirigiu :
”É com muita alegria que vos volto a encontrar e a ver que a Companhia continua a crescer. Aos jovens de 22 e 23 anos que conheci na Guiné há mais de meio século juntam-se agora filhos e netos, que são a mais-valia dos valores morais que crescem ao longo dos anos com a família. Esses valores que transportaram do passado estão aqui bem presentes.
O nosso Alferes Tavares telefonou-me há poucos dias manifestando-me a sua tristeza de haver menos militares inscritos do que no ano passado mas verifica-se hoje que há muitos familiares dos ex-combatentes. E isso é muito importante.
Peço aos mais novos que acreditem naquilo que os vossos avós vos contarem sobre a Guerra do Ultramar. Obrigou a muito sacrifício porque as guerras não trazem coisas boas. Houve que conseguir a superação de enormes dificuldades que motivaram o crescimento de uma amizade especial que perdura tantos anos depois do regresso em 1966.
Peço finalmente aos ex-combatentes que resistam. Que aguentem até aos 90 ou mesmo até aos 100 anos porque senão o nosso Alferes Tavares fica sem clientela. Renovo o meu agradecimento por toda a simpatia que sempre manifestam por mim e pela minha mulher. E até para o ano se Deus quiser.”
”É com muita alegria que vos volto a encontrar e a ver que a Companhia continua a crescer. Aos jovens de 22 e 23 anos que conheci na Guiné há mais de meio século juntam-se agora filhos e netos, que são a mais-valia dos valores morais que crescem ao longo dos anos com a família. Esses valores que transportaram do passado estão aqui bem presentes.
O nosso Alferes Tavares telefonou-me há poucos dias manifestando-me a sua tristeza de haver menos militares inscritos do que no ano passado mas verifica-se hoje que há muitos familiares dos ex-combatentes. E isso é muito importante.
Peço aos mais novos que acreditem naquilo que os vossos avós vos contarem sobre a Guerra do Ultramar. Obrigou a muito sacrifício porque as guerras não trazem coisas boas. Houve que conseguir a superação de enormes dificuldades que motivaram o crescimento de uma amizade especial que perdura tantos anos depois do regresso em 1966.
Peço finalmente aos ex-combatentes que resistam. Que aguentem até aos 90 ou mesmo até aos 100 anos porque senão o nosso Alferes Tavares fica sem clientela. Renovo o meu agradecimento por toda a simpatia que sempre manifestam por mim e pela minha mulher. E até para o ano se Deus quiser.”
O tempo passou e não para…
Escrever
é também uma tentativa de prolongarmos a vida para além de nós...
JERO
1 comentário:
Obrigada ao JERO por este relato de mais um convívio da sua companhia.
É muito gratificante para todos os que ainda estão entre os vivos, conviverem e trocarem relatos de odisseias por si vividas , para lembrarem a muitos, o seu passado repleto de sacrifício e de muitasemoções.
Um abraço amigo.
M. Arminda
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