“O “Guimarães” levava a
bazuca e eu ajudava-o a levar as granadas.
Quando saímos da bolanha para entrar na mata mudámos para o “quadrado”. Sabíamos que “os gajos” estavam perto. Já tínhamos ouvido vozes...
Quando saímos da bolanha para entrar na mata mudámos para o “quadrado”. Sabíamos que “os gajos” estavam perto. Já tínhamos ouvido vozes...
Ouvi uma rajada e pareceu que o capim à minha frente era “cortado”...
Senti que tinha “levado”...
O tiroteio era agora por
todo o lado.
Deixei cair a arma... Não tinha força no braço... Aguentei-me de pé mas sabia que... ”me tinha calhado”...
Não sentia dores mas estava
“estonteado”...
O cabo enfermeiro – o "Rato" – ajudou-me a sentar. Os tiros eram agora só dos nossos... Alguma malta estava à minha volta e lembra-me do nosso Alferes Tavares se chegar ao pé de mim com “cara de caso”.
Mostraram-me a minha arma. A rajada tinha acertado no carregador – 4 tiros –. E havia mais uma marca de bala entre a mola do gatinho e o cano.
Quantas levei? Não
sei!
Disseram-me que já
tinham chamado o helicóptero. Consegui levantar-me e amparado pelo enfermeiro e
com a malta a animar-me andámos mais um bocado para sair da mata. No local em
que eu tinha sido ferido o helicóptero não podia aterrar.
Lá chegamos ao sítio que “devia ser” e... encostei-me para esperar sentado.
Lembro-me que foram duas
horas compridas. Ou, se calhar, quase umas três…
Finalmente lá chegou o helicóptero.
Lembro-me do meu Alferes ter
a lágrima ao canto do olho.
«Olha o nosso Alferes! Isto
não é nada. Só acontece a quem cá anda!».
Julgo que chegámos ao
Hospital de Bissau por volta das 3 da tarde. Nessa altura já estava cheio de
dores. O garrote que levava no braço doía-me “comó caraças”!
As caras dos médicos que me viram fizeram-me algum “cagaço”. Ia ser operado logo a seguir. Depois - não sei quanto tempo depois - acordei amarrado a uma cama do Hospital.
Lembro-me de ter os pés amarrados e... o braço ferido estar todo “entrapado”. Só me apetecia dar pontapés... E doía-me. Muito... Estive 3 dias a leite. Que fome eu passei!”
O Joaquim Lopes Henriques, que nasceu nas Caldas da Rainha em 16 de Abril de 1942 e trabalhava na cerâmica até ir para o serviço militar, falou desta fase “complicada” da sua vida sem dramatizar. Tinha acontecido e... ”prontos”!
Comoveu-se
e ficou momentaneamente sem fala, quando se lembrou da visita que o condutor, o
Padre Eterno, lhe fez ao Hospital de Bissau.
“Devo-lhe muitos favores!
Levou-me uma ventoinha (fazia um calor do caraças no Hospital). Depois... ”à
sorrelfa” foi lá fora buscar uma lata de atum e um pão. Nunca nada me soube tão
bem! Que gajo porreiro! Devo-lhe muitos favores!
Depois... estive uns vinte dias no Hospital. Nessa fase fui só operado uma vez. Aproximava-se o Natal e soube que ia ser evacuado para “casa”.
Sei que cheguei a Lisboa de avião em 17 de
Dezembro de 1965. Fui para o “Anexo” da Rua de Artilharia Um… e deixaram-se ir
passar o Natal às Caldas da Rainha, com a obrigação de fazer o “penso” na
Enfermaria do R.I. 5. O que eu fiz.
Dois anos e... sete
operações. Sete!
Tive um ferro no braço. Depois... chegaram a tirar-me um bocado de osso da perna para me pôr no braço. Não correu bem. Ficou uma ”papeleta” no Hospital Principal e no “Anexo” estive uma semana sem me fazerem o penso(!?). Doía-me mas... tenho a mania de não me queixar!
Foi o Sargento Zé, do Anexo, que me safou.
Voltei “de urgência” ao
Hospital da Estrela e... mais uma operação.
Nestes “entretantos” com
quem é que me havia? Com a minha namorada – a Maria da Conceição. Já
namorávamos há 4 anos e... com muito tempo livre... engravidei-a! Casámos em 14
de Maio de 1966.
Uns meses depois fui chamado
a uma “Junta” de 7 médicos que me disseram: Já foste submetido a 7 operações.
Podemos tentar fazer mais alguma coisa, mas... as diferenças para melhor podem
não ser muitas...
- Não quero mais operações. Já chega!
Foi-me atribuída então uma incapacidade de 46% e fiquei com uma “pensão” da Associação dos Deficientes das Forças Armadas.
Regressei às Caldas da
Rainha e voltei a trabalhar na cerâmica, na SECLA. Tinha limitações mas foram
uns gajos porreiros para mim. Também “ajudou” o facto de o meu irmão ser
encarregado da Fábrica!
Nessa “fase do campeonato” (já com um filho e “teso que nem um carapau”...) valeu-me a “Cruz Vermelha Portuguesa”, que me ajudou a pagar a renda da casa durante 6 meses!
A vida estabilizou e passados alguns anos resolvi ir com o meu irmão para Angola para montarmos uma pequena fábrica de cerâmica.
Por acaso... escolhemos bem
a altura… Chegámos a Luanda em 18 de Abril de 1974. Uma semana depois dava-se a
”Revolução” e... regressámos às Caldas da Raínha em Dezembro de 1975! Mais
uma vez tesos!
Mas aconteceu-me mais uma mudança na vida. Empreguei-me na “Molde”. Trabalhei até 2003. Agora estou reformado.Com filhos e netos.
Habituei-me ao meu “braço da
Guiné”!
Tenho, apesar de tudo, boas recordações da “guerra”. E a “675” é a minha segunda família. Está claro que todos os anos vou aos “convívios”.
Nos intervalos... tenho
tempo e uma “horta” para onde vou sempre que posso. Agriculto alguma coisa e
aparecem sempre uns amigos para um petisco!
Mas como aquela “sandes” de
atum que o Padre Eterno me deu em Bissau é que nunca mais como!”
JERO
3 comentários:
Recordatórias do caraças. Podia ter sido pior. Mas para mal já basta assim.
Um abraço
Carlos Pinheiro
Caros Editores
Muito sensibilizado pela distinção - que considero uma condecoração - manifesto-vos o meu reconhecimento e a minha disponibilidade para estar sempre por perto dos meus Camarigos.
Obrigado e até 4ª. feira, se Deus quiser, em Monte Real.
JERO
Grande história e grande relato, José Eduardo.
Realista, verdadeiro, com as palavras certas, como só o relato de uma história de guerra deve ter.
Nem mais uma virgula, nem menos um acento.
Está lá tudo para nos fazer compreender o que se passou e passa, e para nos orgulharmos da alma portuguesa.
Grande abraço ao Joaquim Lopes Henriques e a ti amigo do coração
Joaquim
Enviar um comentário