Depois de um ano de 2017 farto de problemas de saúde, diz-nos o
Lúcio Vieira:
“Este é, finalmente, o
primeiro poema que escrevo, após a crise que me atingiu.
Agora ganhei coragem e
escrevi-o…”
Com uma dedicatória especial para três amigos que me acompanharam na doença
que quase me vitimou e que sempre estiveram ao meu lado durante todo o processo:
o Carlos Pinheiro e o Manuel Ramos, companheiros habituais em Monte Real, e o
José Rosa, um dos muitos e
bons actores que tive a felicidade de dirigir ao longo dos meus anos de Teatro.”
CONFISSÃO
E medito.
Tenho por certo que a vida me devia
ter sido
por mero acto de justiça, um projecto
de felicidade.
Nasceram comigo incontáveis promessas
e inocentes esperanças. E eu sei um
pouco de esperanças.
A minha mãe ergueu-me, peça a peça,
ânsia a ânsia.
Depois concluiu-me e deixou-me,
timidamente, ao futuro.
Um dia, imperfeito, surpreso e
descuidado, descobri-te.
Encontrei a minha casa nos teus olhos
o meu sossego nos teus braços
a minha paz e a minha ventura nas tuas
palavras
e nos teus olhares tão ternamente eloquentes.
E descubro que tanta vez fui amado
quando pouco amava.
Perdoem-me, se me amaram, os amores
que mal mereci.
Confesso-lhes:
como enamorado camoniano,
de
deslumbrado coração,
quanto mais vos paguei em
amor mais amor vos devi.
Mil e uma vezes confrontei as mortes.
Perdi-me
algures, em remotos tempos
em duelos decisivos
com homens com a razão na voz
homens que clamavam pão e liberdade e
depois
anos depois, vesti-me de sapiências, de razão e de verdades.
Eu próprio me ensinei, vos digo.
Foi depois que se abateram as
derrotas.
Fui confrontado ainda por amores que
nunca entendi
de mulheres que não amei o bastante enquanto as amava.
Agora,
sem o clamor das trombetas, voltei à beira da mortalha.
Silenciosa e cobarde, a morte
insidiou-se e quase venceu.
Voltaram os amores. Desta feita em
redor de uma cama
onde o corpo, por denodo, me resistia. Cúmplice,
aquela
casa de salvação onde me acolhi, ergueu-se em armas
em
defesa deste atrevido e incrédulo paciente.
Depois de tanta morte ameaçada,
tocou-me o soro da vida
dos novos amores que, como outrora, mal mereço.
Sorriam-me
os rostos quando abria os olhos na cama dos martírios.
Definhava-me o corpo e acendia-se a
alma.
Outra,
uma outra alma, onde cabiam todos os anjos da guarda,
que sempre jurei não existirem.
Nunca
acreditei em divindades, porém
sei
bem que os meus anjos existem.
Os
tais meus amores de que aqui vos falo. Sei-os comigo
ainda,
agora, dentro e fora daquela casa de salvação
onde
dedicadamente me salvam. Onde todos eles se deram mãos
e me devolveram às tantas vidas a que
já resisto.
E
tu, anjo maior, estiveste sempre comigo, acredita.
Aqui,
neste canto do peito onde, cioso, guardo
a
memória dos meus novos anjos que não sabia existirem,
mas
que, na heresia da descrença,
me
protegeram dos momentos de agonia,
das mil mortes a que resisti e que
ainda me envolvem
como uma sina a que só se deixa de
fugir
apenas quando os nossos anjos
partirem.
Entretanto, vagueei pelas sombrias
ruelas da morte.
Coisa banal, não é?
Voltei. Não sei por quanto tempo esta
ventura,
mas sei que é em vós, os meus anjo
protectores,
que penso, sempre que penso na morte
vencida
por obra e graça do amor e do
saber de quem me resgatou
e dos meus, dos corações que ainda não
mereço
e dos quais recebi a bênção de um
outro amor maior
a que vulgarmente se chama Amizade.
Confesso-vos
que estou a transformar esse tão puro sentimento,
naquilo que sempre me tem faltado.
Os poetas que conheço chamam-lhe Amor.
Quem sou eu para contrariar os poetas…
António
Lúcio Vieira
Jan.
2018
4 comentários:
Parabéns Vieira pelo poema sentido que e´espelho de das tuas vivências.
Um abraço que a saúde seja um dado adquirido
Caro António
Quando as coisas nos saiem "cá de dentro", é sempre notável.
Gostei de ler!
Abraço.
Hélder Sousa
Boa noite António Lúcio Vieira
Parabéns pelo teu poema.Lindo. À tua maneira.
Bora viver.
Abraço fraterno,
JERO
Boa tarde António Lúcio Vieira.
Parabéns por este seu lindo poema.
Foi o coração a falar...
Gostei e desejo-lhe melhor saúde para nos continuar a presentear com os seus poemas.
Um abraço.
Mª Arminda
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