Já
depois de publicado o texto do JERO sobre o Moreira (nosso Poste 962) surgiu um
comentário elaborado pelo próprio JERO em que acrescentava pormenores
interessantes à saga deste nosso camarada. Achamos que este novo texto merece
ser destacado pelo que publicamos hoje o comentário do próprio autor feito ao
poste anterior. Será que acaba aqui?...
O MOREIRA – PARTE FINAL (?)
JERO |
Depois do nosso regresso da Guiné em Maio de 1966 encontrei-me nos anos
seguintes vezes sem conta com o Moreira. Fui ao seu casamento, conheci os seus
filhos e mais tarde os seus netos.
O tempo passa a correr e ao longo dos anos muita coisa aconteceu na vida do Moreira.
Em meados de 2012 telefonou-me e pediu-me para passar um dia ou dois com ele. Queria fazer o seu testamento e precisava da minha ajuda. Avancei de imediato e encontrei um amigo destroçado e carregado de angústias.
Devido a circunstâncias imprevisíveis vivia há cerca de 3 anos longe da família mais “próxima”: a sua mulher, os seus dois filhos e os seus dois netos. O seu “calvário” começara numa fase difícil da sua vida comercial, em que não conseguiu cumprir as suas obrigações para com os fornecedores devido a atrasos de pagamento por parte dos seus clientes.
Vivia então no Porto e, por feitio e maneira de ser, não confidenciou nunca os seus problemas nem à mulher nem aos filhos. Esperava ser capaz de superar as dificuldades sem “partilhar” os seus problemas. Iniciou uma “guerra de silêncio” com os seus e o sofrimento permanente em que se transformou a sua vida não abrandou jamais.
Apareceu entretanto no “filme da sua vida” o marido da filha que, parecendo poder ser de início um “elo de ligação” com a família, se veio a revelar uma personagem maquiavélica. O genro transmitiu à família que as suas dificuldades se deviam… “a uma vida de estroina”…
E este “bom rapaz” conseguiu minar a confiança da mulher e dos filhos, que esqueceram todo um passado de trabalho e dedicação do Luís.
Quando me chamou tinham passados 3 anos da sua rotura com a família. O que mais lhe custava era o afastamento dos seus netos: uma menina com 15 anos e um rapaz com 11.
De vez em quando falava com eles pelo telemóvel mas em condições que sentia que não eram espontâneas dada a proximidade da mãe, que impôs que tudo passasse por ela antes de falarem com o avô.
Por ironia do destino e para “ter um telhado” passou a viver e a tomar conta da mãe da sua mulher, viúva, doente e acamada. Passou os dias a cuidar da pequena quinta da sogra, que tem algumas árvores de fruta e canteiros de tomates, beringelas e outras “verduras” de primeira necessidade. Vê televisão, ouve rádio e dorme muito mal. Na parede do quarto onde dorme, bem perto da sua cama, tem várias fotografias dos netos. Que lhe sorriem mas… apenas no papel.
O Moreira |
E é aqui que entro eu e os meus dotes de escritor, como o Moreira me chama, para fazer o seu testamento.
“Quando morrer o meu corpo irá para uma Faculdade de Medicina para ser estudado por futuros médicos. Quando estiver “todo estudado” já deixei instruções para ser cremado. As minhas cinzas devem seguir depois para o cemitério da terra onde nasci. Na minha campa quero apenas que fique a minha fotografia e seja colocada uma lápide com o meu nome e com o emblema da “675”, a minha Companhia de Caçadores dos meus tempos da Guiné. A minha última família.”
Passaram 5 anos. Estamos em 2017. A sogra do Moreira já partiu deste mundo. O meu amigo, divorciado e sem família, ficou sozinho e a viver em casa emprestada por um nosso camarada da Guiné.
Mas já não está sozinho. O mundo dá muitas voltas... e o Moreira casou há dias com uma “menina” de 45 anos, também divorciada. O mundo não pára!
Ainda quererá ir para a Faculdade de Medicina para ser estudado por futuros médicos?
Não me parece. Está agarrado à vida mais do que nunca. E tenho a certeza que, se não rasgou o testamento que eu ajudei a escrever, já nem sabe onde ele está.
Bora viver, Moreira! Dá um beijo meu à Filipa.
JERO
1 comentário:
História interessante a do Moreira.
Dela, faço o seguinte apontamento. O amor aos netos, o ombro amigo que sempre aparece na vida de cada um de nós, a quem confiamos as nossas preocupações. Foi a atitude do amigo JERO.
A esperança é a última a morrer e ele encontrou motivação para continuar a viver e sorrir.
Que continue sempre bem, saão os meus votos.
Ao narrador continue a escrever estas pequenas estórias, que gosto de ler.
Um abraço.
M Arminda
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