O “CAMPO DE OURIQUE”
JERO |
Na
edição nº. 1275 (10/8 a 18/8/2017) recordava ele um militar dos seus tempos de
Angola, tratado na Companhia pelo Pontinha mas que não se chamava “Pontinha”.
Mas que gostava que lhe chamassem Pontinha, que era o nome do sítio perto de
Lisboa onde morava, um bairro pobre cheio de malta baril.
Nessa
unidade militar, que cumpriu parte da sua comissão na Baixa de Cassange, o
“Pontinha” fez a sua “guerra” na Messe de Oficiais e tratava pessoalmente das
refeições do Alferes-Médico António Lobo Antunes. Que ganhou uma amizade
especial pelo Pontinha e que o veio a reencontrar várias vezes já na vida civil
quando dos convívios que a maioria dos militares faz anualmente, recordando os
velhos tempos da guerra do Ultramar. Um dia António Lobo Antunes perguntou pelo
Pontinha e disseram-lhe que tinha morrido, depois de uma vida familiar
complicada que metia demasiados copos de vinho tinto.
Termina
o seu conto recordando as saudades que tem dele e da esperança de o voltar a encontrar
quando Deus o chamar. Está certo que o Pontinha, esteja onde estiver, quando o
reencontrar na vida eterna continuará a tratar de si.
Esta
crónica, que conto resumidamente, fez-me lembrar alguns militares dos meus
tempos da Guiné.
O "Campo de Ourique" |
Era metódico e cuidadoso na sua especialidade e, sempre que
podia, questionava as ordens e... não deixava de dar troco ao seu furriel das
«viaturas»... Era conhecido pelo «Campo de Ourique», bairro do seu nascimento e
criação em Lisboa.
Durante a fase mais complicada da vida da Companhia em termos
operacionais «apanhou» com um mini-estilhaço de granada que o fez cliente
assíduo do Posto de Socorros.
Queixava-se da cabeça e tantas queixas fez que a sua crónica
dor de cabeça nem sempre foi levada muito a sério. Pelo menos com a «seriedade»
que o «Campo de Ourique» julgava que merecia. Julgamos que o seu
«mini-estilhaçado» nunca foi localizado!
Depois de um ano de guerra muito dura ganhámos a paz e foi
possível o regresso das populações e a execução de melhorias do
aquartelamento. O “Campo de Ourique” foi sempre colaborante, embora com
pecadilho de anunciar «super-produções»… que demoraram o seu tempo a realizar.
Mas finalmente fez obra e foi o grande responsável pelo embelezamento da
“Avenida Capitão de Binta”, com uma gigantesca “estrela” feita com garrafas de
cerveja... Garrafas vazias, está claro...
Depois... no regresso foi sempre presença assídua nos convívios
da Companhia – referindo sempre que estava por perto de alguém ligado ao
Serviço de Saúde o célebre estilhaço da cabeça.
Com estilhaço ou sem ele, esteve ligado a um dos momentos
mais conseguidos de uma das festas realizadas em Lisboa. Ligado ao teatro –
recordamos que era cenógrafo – conseguiu bilhetes para a malta da “675” que,
depois do almoço, foi assistir a uma peça que era protagonizada por Jacinto
Ramos e Irene Cruz.
Durante a representação o actor principal – um “grande
senhor” do teatro e do cinema – interrompeu a cena para dedicar algumas
simpáticas palavras aos ex-combatentes da “675”, que se encontravam na plateia.
Foi um momento muito bonito que ficámos a dever ao... Campo de Ourique.
Depois os anos passaram e... o «Campo de Ourique» foi sempre
aparecendo, mas percebia-se que já não era o mesmo.
Num dos últimos convívios ficámos ao pé dele. Conversámos
muito e ouvimos da sua boca um testemunho impressionante. Tinha um filho
apanhado pela droga. Estava a fazer uma autêntica «Via Sacra» pelos locais onde
se vendia e consumia droga para tentar perceber o que tinha levado o seu filho
para aquela «zona da vida»... tão perto da morte. Já tinha ido vezes sem conta
ao Casal Ventoso e não conseguia perceber a opção de vida dos drogados.
Era um homem amargurado. Muito amargurado. Desconhecemos como
acabou o drama que o atormentava. Julgamos que não acabou bem.
Um homem da cidade, da grande cidade, refugiou-se nos últimos
anos da sua vida na Madeira. Na Ilha de Porto Santo. Onde veio a falecer em 18
de Outubro de 2005.
Recordamos com respeito o «Campo de Ourique». E o Pontinha.
E que o Mestre António Lobo Antunes nos perdoe a ousadia de
lhe fazer “concorrência” com as minhas “Lembranças de África”.
JERO
1 comentário:
Um texto cheio de sensibilidade, com tu, Jero amigo, sabes expressar em tudo o que escreves.
Deixa lá o Lobo Antunes, o António, claro, que aproveita para escrever umas ficções sobre a guerra, mas não te chega aos calcanhares em humanidade.
Grande abraço
Joaquim
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