A MINHA
QUERIDA C.Cav. 8351...
E... A NUDEZ DA PEDRA
O frenesim que de mim se
apodera com a chegada do dia da reunião anual da minha Companhia parece que
cresce todos os anos, apesar de saber que por cada comemoração que passa, menos
uma nos resta para o fim do percurso.
Desta feita foi em Portalegre
que se seguiu à reunião de Sever do Vouga e que antecede a de Torres Novas.
Portalegre, “cidade do
Alto Alentejo, cercada de serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros”, que
José Régio imortalizou na sua Toada, viu-nos partir, há quarenta e dois
redondos anos, com destino à Guiné.
Aqui permanecemos por três
ou quatro semanas, vindos de Estremoz,
aguardando embarque para a guerra! A pátria, que por vezes não sabemos
bem o que é, chamara por nós e nós ali estávamos prontos a cumprir com a
obrigação (que não dever?) já que outra saída não descortinávamos para o nosso
futuro! Até de França, Camarada nosso então se apresentou para que sobre ele
não caísse o anátema de refractário ou de desertor, anátema que alguns, nos
dias que correm, (como é fácil hoje em dia fazê-lo) transformaram em elogio,
vá-se lá saber porquê! Falo nele, no “Francês”, pois desta feita e pela
primeira vez veio abraçar os seus Camaradas, que não via há quarenta anos!
O B. C. 1 de onde saímos
em 1972 é hoje um Centro de Formação da G.N.R.
Em finais de Março solicitámos autorização ao Comando
para que pudéssemos visitar as instalações e colocar uma lápide em honra dos
Camaradas mortos na Guiné.
O tempo ia passando e a
resposta não vinha! O meu Camarada Parola, o organizador do convívio,
alertou-me e eu, sem demora, liguei para o Centro no dia 20 de Abril. Depois
de vários “não se encontra” tive de dizer ao meu interlocutor que não
desligava enquanto não fosse atendido por quem quer que fosse, pois a minha
pergunta não ficaria sem reposta.
Lá veio um senhor
sargento, muito simpático e solícito que, admirado, me disse:
“O senhor Comandante já fez o despacho no dia 2 de Abril, a autorizar a vossa visita” Prometeu falar com o senhor Capitão para que cópia do despacho nos fosse enviada, ao meu Camarada Parola e a mim mesmo. Tal veio a verificar-se a 23 de Abril.
“O senhor Comandante já fez o despacho no dia 2 de Abril, a autorizar a vossa visita” Prometeu falar com o senhor Capitão para que cópia do despacho nos fosse enviada, ao meu Camarada Parola e a mim mesmo. Tal veio a verificar-se a 23 de Abril.
Porventura esta demora
terá a ver com a programação de alguma operação, quiçá a da perseguição ao
senhor Manuel Baltazar, um tuga conhecido por Manuel Palito, lá para as bandas
de São João da Pesqueira, que, ao que sei, ainda não teve resultados práticos.
Demorássemos nós, C.Cav. 8351,
enquanto na Guiné, todo este tempo a
encontrarmos a base de onde o IN nos atacava e, por certo, ainda a esta hora
por lá andávamos à procura de Nhacobá, de Lenguel do rio Habi ou de Samenau. Outros
tempos....outra gentes...
O nosso encontro estava
marcado para 3 de Maio, e no dia primeiro, portador que fui da lápide,
lá me apresentei para a colocar no local indicado. O oficial de dia, um jovem
alferes, recebeu-nos com simpatia e a meu pedido prometeu-me que a lápide, no
dia da visita, estaria coberta pela bandeira nacional para que o seu
descerramento tivesse o mínimo de dignidade. Perante a minha insistência
mandou-me ir descansado, pois a bandeira de Portugal estaria em seu devido
sítio!
A malta começou a chegar
logo pela manhãzinha do dia três de Maio. O encontro foi no largo fronteiriço
ao do antigo B.C.1. Abraços, gargalhadas, uma ou outra lágrima furtiva, o
relembrar da emboscada do dia xis ou os ataques ao arame no Cumbijã, mais o
assalto a Nhacobá, fazem sempre parte do primeiro contacto.
Subimos então a rampa de
acesso à entrada do Centro e, antes que fosse transporta a porta de armas,
avistava-se lá ao fundo a lápide, tal
qual eu a deixara dois dias antes. Não avancei mais! O meu Camarada Parola lá
foi falar com o oficial de dia, um capitão, que de pronto lhe disse não haver
bandeira disponível para a cerimónia e que a fôssemos comprar a uma loja dos
“chineses”.
O meu Camarada lá foi
comprar a bandeira com que se cobriu a nudez da Pedra.
Este lavar de mãos do
cavalheiro e oficial senti-o como se de ofensa se tratasse à memória dos meus
Camaradas mortos em combate e logo ali, no discurso que fiz, tive de expressar,
para que dúvidas não restassem, o meu repúdio perante tamanha indiferença.
Porventura se tivesse ido
ao beija-mão talvez me tivessem dado fanfarra e me prestassem tributo, mas eu
não vou por aí e cito outra vez Régio:
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por
aqui"!
A minha vida é um vendaval que se
soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por
aí!
Cerimónia finda, ala que se faz tarde e lá foram os cinquenta e um Combatentes acompanhados pelos familiares para a missa da praxe, celebrada na sé de Portalegre por um padre simpatiquíssimo. Foram lidos os nomes dos vinte e dois mortos que são do nosso conhecimento e à medida que cada nome era referido ecoava na vastidão dos claustros um arrepiante PRESENTE a provocar um estremeção de emoção.
Os arredores
de Castelo de Vide acolheram-nos num local perfeito para o almoço e lanche!
Esquecidos
os contratempos, em vivência íntima e familiar de novo o recordar dos momentos
mais difíceis nos vinte e dois meses que passámos juntos.
Vinte e dois meses que nos marcaram de tal forma, que ninguém, mas mesmo ninguém, será capaz de destruir.
Vinte e dois meses que nos marcaram de tal forma, que ninguém, mas mesmo ninguém, será capaz de destruir.
Vasco Augusto Rodrigues da Gama
8 comentários:
Meu caro camarigo Vasco e camarigos da C. Cav. 8351, alguns deles, aliás, "useiros e vezeiros" na Tabanca do Centro.
Quem me conhece bem sabe que eu sou um sentimentalão e por isso mesmo estas palavras do Vasco tocam-me profundamente e transportam-se para o convívio que relatam.
Escreve o Vasco, referindo-se ao tal "capitão", (entre aspas porque Capitão no nosso tempo era pessoa de respeito), apelidando-o de "cavalheiro e oficial".
Julgo que será o fino humor do Vasco a "falar" porque nada se descortina de cavalheiro no sujeito e muito menos de oficial, que deve ser pessoa que sempre homenageia aqueles que combateram pela Pátria, e os respeita com toda a dignidade que merecem.
Mais uma "ofensa" aos combatentes a juntar a outras tantas!
E arroga-se esta gente de militares das Forças Armadas!?
Em bom português: vão à m..., que é aquilo que sabem fazer!
Ufa, passei-me!!!
Grande Vasco, grandes homens da C. Cav. 8351, o meu maior e forte abraço de camarigo que vos respeita e se orgulha de vós.
Ora, ora... o meu amigo Joaquim a "exceder-se"!
Também quem é que não se "excede", sentindo 'estas coisas' das vivências do passado, das amizades forjadas no seio das dificuldades, perante tanta e tamanha insensibilidade, a roçar o desprezo!
Será que também esses senhores acham que esta coisa dos ex-combatentes é típico dos 'velhos', daqueles que andam a gastar o dinheiro do Estado com reformas e remédios, que deviam era 'desaparecer' para que não lhe vá faltar o seu pedacinho?
Um abraço ao Vasco por mais um relato emotivo.
Hélder Sousa
Obrigado Vasco,
Gostei, gostei muito do que li.
BS
Amigo Vasco da Gama. Gostei muito do que li. Realmente lá diz o velho ditado, "Quem não se sente não é filho de boa gente".!.. Infelizmente alguns novos protagonistas das "Velhas F. Armadas", se calhar até acham um desperdício de tempo estes eventos, dos outros, que sois vós e muitos mais, que sofreram e suaram e alguns por lá tombaram nessas terras distantes, que um dia estiveram sob a nossa bandeira. O Mexia Alves tem razão, em os mandar dar uma volta!.. E o que o Hélder diz, se calhar também é verdade. Será que o passado é para esquecer?. Então de que é feita a história de um país?. Só presente?!..Honrrar os seus mortos, é um dever dos que ainda estão vivos. Um abraço Mª Arminda
Caro Vasco,
Tal como refere o Joaquim,a palavra capitão do nosso tempo expressava pessoa de bem.
Quem não se "excede" como diz o Hélder,perante "tanta e tamanha insensibilidade",a roçar o desprezo?
"Quem não se sente não é filho de boa gente" relembra o ditado a
Maria Armindae bem.
Hoje é o que se vê com um alarve vestido de militar ostentando três galões nos ombros,que não sabe honrar os portugueses que tombaram nos campos de batalha !
Gostei do protesto via Régio só que provavelmente a alimária não o terá entendido.
Um grande abraço.
Boa noite, meu Capitão
Faço minhas as palavras dos oradores anteriores.
Obrigado, muito obrigado.
Abraço GRANDE,
JERO
Meu Caríssimo Amigo Vasco.
Ao acabar de "ler-te",vieram-me à memória diálogos de jovem adolescente com o meu Avô,Oficial do Exército e ex-combatente da Primeira Grande Guerra.
Amargurado, recordava a maneira como tinham sido "recebidos" pelos governos sucessivos de entäo.
Quando os meus 40 anos de "exigrado"
,por vezes quase fazem doer,säo as descricöes como a tua(quanto à näo disponibilidade,num Quartel, de uma Bandeira Nacional para cobrir lápide dedicada aos militares mortos)que me fazem aceitar as .....saudades.
Eca de Queiroz ,nas suas geniais críticas sociais,descrevia esse tipo de senhoritos como uma CHOLDRA!
Um grande abraco do José Belo.
Vasco nas picadas desta vida temos apanhado de tudo.
Doí a falta de respeito para quem deu o corpo ao manifesto, mas ainda doí mais que a nossa Bandeira seja objecto de piada de mau gosto, na boca de quem a devia venerar.
Haja paciência
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