A IMPORTÂNCIA DAS COLETIVIDADES
Ao relembrar o que mais recentemente aqui escrevi, sobre o “Depois da Guiné” e também das peripécias relacionadas com a quase colhida no meu aniversário, dei por mim a pensar numa situação que vivi e que considero que me foi benéfica.
Trata-se
das coletividades e da importância que elas tiveram e ainda poderão ter, na
formação humana, cívica, social e também desportiva das pessoas que elas
conseguem “tocar”.
Em
Vila Franca de Xira, onde cresci, onde vivi a infância, juventude e
adolescência, tive a oportunidade de beneficiar da existência de várias
coletividades onde fui tomando parte e consciência de muitas realidades que
então me rodeavam.
Desde
que me lembro havia (e há ainda) o A.A.V. (Ateneu Artístico Vilafranquense), tendo
por base a música, a formação musical dos seus associados, com Banda de Música
com qualidade e que, para além disso mesmo potenciava a elevação mental e
cívica dos seus membros. O meu pai chegou a integrar a Banda, como tocador de
clarinete, e muitas vezes o acompanhei quando a Banda ia abrilhantar as
corridas de toiros.
Para
além de pequenas coletividades, ou clubes, de bairro, ou localmente
circunscritos, havia o “Grupo de Foot-Ball Operário Vilafranquense” que, ao contrário do
que o nome pudesse sugerir, era mais o clube das simpatias dos endinheirados e
proprietários; o clube de futebol “Águia Sport Club Vilafranquense” que, também
ao contrário do que o nome possa sugerir era uma sucursal de “Os Belenenses” e
o clube que congregava maior adesão popular; o “Hóquei Clube Vilafranquense”
dedicado à prática da modalidade e que concitava o apoio da “classe média” e
ainda o “Ginásio
Vilafranquense” que se dedicava à prática da ginástica e também promovia
a prática do campismo como forma de solidariedade e interação dos seus membros
e como forma de procura de construção de um novo Homem, mais saudável.
Estas 4 agremiações fundiram-se e foi criada a UDV (União Desportiva Vilafranquense) em Abril de 1957, ia eu a caminho dos 7 anos de idade. Se antes dessa fusão assisti a muitos jogos de hóquei no Pavilhão, a vários jogos de futebol no campo do “Operário”, o campo do Cevadeiro e também a vários no campo do “Águias”, a verdade é que depois da existência da UDV fui usufrutuário do que ela tinha para oferecer.
Fui espetador em muitos acontecimentos desportivos, principalmente no rinque junto ao Jardim “Constantino Palha” em empolgantes jogos de hóquei, já que houve uma altura em que a equipa do “Vilafranquense” era bastante boa, batendo-se de igual com as potências da modalidade na região, o Benfica, o Paço d’Arcos, o CACO (Clube Atlético de Campo de Ourique), o Sporting, etc., ouvindo-se por vezes, quando as arbitragens eram más (no nosso entender, claro) o grito ameaçador de “vais pró lodo” em clara referência em atirar o personagem do apito ao rio ali ao lado.
Nessa
equipa pontuavam os virtuosos Carlos Doninha e o Casquinha, o Cunha e
principalmente o guarda-redes, o Álvaro Guerra, mais tarde ferido na Guiné e
incapacitado para a prática da modalidade, tornando-se escritor e diplomata.
Se
fui espetador, também fui praticante. A Secção de Hóquei promovia regularmente
torneios que depois serviam para incentivo e captação de valores para as
equipas do Clube. Dum desses torneios envio a foto da equipa que integrei,
tirada em Julho de 1960. Não me lembro do nome que demos à equipa, nem quem
representávamos, talvez o café “A Brasileira” mas os componentes da equipa da
esquerda para a direita, em cima, eram o Cunha, o Tibério e o Francisco e em
baixo, pela mesma ordem, o Belfo, eu e o Tó Horta. O Cunha era sobrinho do
outro Cunha da equipa principal e familiar de uma importante e eclética figura
desportiva da época, o Jesus Correia, que nos deu, ao Cunha e a mim, já que morávamos
no mesmo prédio, uns “sticks”, que utilizei com muito gosto e orgulho.
Em cima, da esquerda para a direita: Cunha, Tibério, Francisco.
Em baixo, pela mesma ordem, Belfo, eu e o Tó Horta.
Também
frequentei a ginástica, fui espetador das várias sessões de cinema que a UDV
promovia nas manhãs de sábado, mas foi a Biblioteca e a colaboração na Secção
Cultural que me cativaram mais tempo. Aí, as tertúlias promovendo a discussão
sobre vários temas, desde a apreciação de um filme, duma peça de teatro (lembro
dos contactos com o Rogério Paulo, a Maria Luzia Martins, o Bernardo Santareno,
o Morais e Castro), sessões de poesia com o José Carlos de Vasconcelos, debates
sobre futebol com as figuras mais em destaque no jornal “A Bola”, leitura e
discussão de vários livros com os seus autores, principalmente do neo-realismo
como o Alves Redol, filho da terra, o Soeiro Pereira Gomes, Carlos Oliveira,
etc., tudo isso foi contribuindo para a formação humana, cultural, social e
política de inúmeros jovens entre os quais me incluo.
Dessa
colaboração com a Secção Cultural recordo a presença na “Barraca dos Livros”, stand da UDV na Feira de Outubro, com boa frequência - e disso dou conta na foto em baixo, onde indico que sou o que está no interior do stand com roupa mais clara.
Hoje por hoje reconheço que o modo de vida geral, muito mais voltado para o interior, promovendo o individualismo, que para o exterior que promovia a experimentação do grupo, do coletivo, da solidariedade ativa, real (e não apenas virtual) é bastante pernicioso para a formação de uma consciência cívica, mas desconfio que foi isso mesmo que se pretendeu, afastando a possibilidade de, pela experimentação, pela troca de ideias, de opiniões, se pudessem criar mentalidades novas, ativas.
Lamento
que as coletividades tenham perdido expressão formativa. Não sei como, nem
quando, mas acredito que ainda se encontrarão formas de ultrapassar,
criativamente, esta situação.
Hélder Sousa
Fur.
Mil. Transmissões TSF
Por opção do autor o texto foi escrito em conformidade com o novo acordo ortográfico. Talvez por isso seja de esclarecer que, embora numa terra fortemente ligada à festa brava, os espetadores não são bandarilheiros mas simplesmente pessoal que assiste a um determinado espectáculo...
3 comentários:
Parabéns Helder por este belo trabalho acerca do associativismo que durante largos anos fomentou a cultura, o desporto, as artes, o mutualismo, e não só na generaliade do país que nós somos. Claro que em terras com mais população, tornava-se menos dificil a criação e o desenvolvimento desse asociativismo, mas mesmo em terras pequenas, primeiramente as Bandas de Música e depois os Ranchos folclóricos foram importantes para a preservação da história das localidades. E depois apareceu o desporto como bem referes. Mas instituições centenárias são de facto as Bandas de Música e as Associações de socorros mutuos que ainda existem por esse país fora.
Belo trabalho. Renovo os meus parabéns com um grande abraço
Carlos Pinheiro
Olá Helder
Sabia, dos tempos de Santarém, dos movimentos associativos de Vila Franca, mas não tanto. Também calculava que o Bernardo Santareno, Alves Redol, etc. andassem por aí. Mas o meu espanto foi saber dessa actividade desportiva (guarda-redes...) do Álvaro Guerra (que sabia ser vilafranquense; basta ler e localizar a acção dos três cafés : "Café República", "Café Central" e "Café 25 de Abril").
Abraço
Alberto Branquinho
Caros amigos
Acho que são devidos alguns esclarecimentos...
Antes do mais, não foi bem "por opção do autor do texto", foi mais uma "virtuosidade" do corretor ortográfico.
Na realidade, e de um modo geral, costumo escrever "à moda do nosso tempo" e o caso escolhido do "espetador" e do "espectador" é de facto uma situação bem gritante. Mas já está, já está e agora fica assim.
Carlos Pinheiro, este tipo de actividades correspondem a uma determinada época. Hoje há um muito maior apelo ao individualismo, ao isolamento. E acho que isso não é fruto "do acaso" pois, para mim, as colectividades serviam não só como ocupação do tempo livre (num primeiro tempo nem havia televisão e depois só em casas abastadas e em cafés) e retiravam as pessoas das tabernas e do excesso de bebida, ao mesmo tempo que incutiam noções de grupo, de entreajuda, de cultura. E, é claro, estas coisa podiam ser "subversivas", daí que não devam ser fomentadas...
Claro que também a dimensão da "massa crítica humana" determinaria a qualidade das colectividades, sendo de facto mais fácil congregar pessoas onde havia maior quantidade.
Alberto Branquinho, pois de facto assim foi. O Álvaro Guerra antes da guerra praticou a modalidade e era realmente um excelente guarda-redes, e era para mim uma espécie de ídolo local. A trilogia que indicas dá realmente para "ver" a evolução da História de Portugal, vista a partir de "Vila Velha", desde os tempos antes e logo após a República, coisa que não vivi de perto, obviamente, mas a que me chegaram muitos ecos. O que melhor me cativou foi o "Café Central" já que também tive alguma contemporaneidade. Quanto ao "Café 25 de Abril" parece-me mais "colado" a uma visão dos acontecimentos que não é propriamente a minha, pelo que, talvez por isso, aprecio menos.
Obrigado pelos vossos comentários.
Hélder Sousa
Enviar um comentário