sexta-feira, 5 de outubro de 2018

P1061: JÁ PASSARAM 110 ANOS


REI POR CINCO MINUTOS

Cumpriram-se este ano 110 anos sobre o regicídio, de que resultou o assassinato do rei D. Carlos e seu filho Luís Felipe.

Nas crónicas da época os acontecimentos desse trágico dia ficaram registados até ao pormenor.

O Rei, a Rainha e o Príncipe Real encontravam-se então em Vila Viçosa, no Alentejo, onde costumavam passar uma temporada de caça no inverno. O infante D. Manuel  havia regressado dias antes, por causa dos seus estudos como aspirante na Marinha de Guerra.

À intensa rivalidade entre os partidos, agravada por ódios pessoais, juntou-se a atitude e ações críticas do Partido Republicano, contribuindo para o descrédito do regime, já de si bastante desacreditado devido às dividas da Casa Real.

A 28 de Janeiro de 1908 são presos vários líderes republicanos, naquele que ficou conhecido como “o golpe do elevador da biblioteca”. 

Os acontecimentos sucintamente descritos levaram D. Carlos a antecipar o regresso a Lisboa, tomando o comboio, na estação de Vila Viçosa, na manhã do dia 1 de Fevereiro. Com cuidado para que a sua já preocupada mãe não se aperceba, o Príncipe real arma-se com o seu revólver de oficial do exército. 

Durante o caminho, o comboio sofre um ligeiro descarrilamento junto ao nó ferroviário de Casa Branca. Isto provocou um atraso de quase uma hora. 

A comitiva régia chegou ao Barreiro ao final da tarde, onde tomou o vapor “D. Luís”, com destino ao Terreiro do Paço, em Lisboa, onde desembarcaram, na Estação Fluvial Sul e Sueste, por volta das 5 horas da tarde. Eram esperados por vários membros do governo, incluindo João Franco, além dos infantes D. Manuel e D. Afonso, o irmão do rei. Apesar do clima de grande tensão, o monarca optou por seguir em carruagem aberta, envergando o uniforme de Generalíssimo, para demonstrar normalidade. A escolta resumia-se aos batedores protocolares e a um oficial a cavalo, Francisco Figueira Freire, ao lado da carruagem do rei.


Há pouca gente no Terreiro do Paço. Quando a carruagem circulava junto ao lado ocidental da praça ouve-se um tiro e desencadeia-se o tiroteio. Um homem de barbas, passada a carruagem, dirige-se para o meio da rua, leva à cara a carabina que tinha escondida sob a sua capa, põe o joelho no chão e faz pontaria. O tiro atravessou o pescoço do Rei, matando-o imediatamente. Começa a fuzilaria: outros atiradores, em diversos pontos da praça, atiram sobre a carruagem, que fica crivada de balas.

Os populares desatam a correr em pânico. O condutor, Bento Caparica, é atingido numa mão. Com uma precisão e um sangue frio mortais, o primeiro atirador, mais tarde identificado como Manuel Buiça, professor primário expulso do Exército, volta a disparar. O seu segundo tiro vara o ombro do rei, cujo corpo descai para a direita, ficando de costas para o lado esquerdo da carruagem. Aproveitando isto, surge a correr de debaixo das arcadas um segundo regicida, Alfredo Costa, empregado do comércio e editor de obras de escândalo, que pondo o pé sobre o estribo da carruagem, se ergue à altura dos passageiros e dispara sobre o rei já tombado.

A Rainha, já de pé, fustiga-o com a única arma de que dispunha: um ramo de flores, gritando “Infames! Infames!” 

O criminoso volta-se para o príncipe D. Luís Filipe, que se levanta e saca do revólver do bolso do sobretudo, mas é atingido no peito. A bala, de pequeno calibre, não penetra o esterno (segundo outros relatos, atravessa-lhe um pulmão, mas não era uma ferida mortal) e o Príncipe, sem hesitar, aproveitando porventura a distração fornecida pela atuação inesperada da rainha sua mãe, desfecha quatro tiros rápidos sobre o atacante, que tomba da carruagem. Mas ao levantar-se D. Luís Filipe fica na linha de tiro e o assassino da carabina atira a matar: uma bala de grosso calibre atinge-o na face esquerda, saindo pela nuca. D. Manuel vê o seu irmão já tombado e tenta estancar-lhe o sangue com um lenço, que logo fica ensopado.

Estava consumado o regicídio.

Depois veio a tarefa macabra de levar os corpos para o palácio, o que foi feito já de noite sentando-os em duas carruagens, como se fossem vivos, a cabeça de D. Luís Filipe tombando sobre o ombro do seu tio, o infante D.Afonso de Bragança, Duque do Porto ,agora o novo Príncipe Real. 

Não foram efetuadas autópsias, sendo os corpos embalsamados sob a supervisão do médico da Casa Real, Tomás de Mello Breyner, tarefa penosa não só pela proximidade às vitimas como também pelo estrago feito pelas balas.

As consequências imediatas

Os jornais de todo o mundo publicaram desenhos representativos do atentado, baseadas nas descrições, com elementos mais ou menos fantasiosos, mas sendo sempre presente a imagem de Dª Amélia, de pé, indiferente ao perigo, fustigando os assassinos com um frágil ramo de flores. Em Londres, os jornais exibiam fotos das campas dos regicidas, cobertas de flores, com a legenda “Lisbon’s shame!” (risco contínuo).
Na edição semanal nº. 416 do “Notícias de Alcobaça”, datada de de 1 de março de 1908, é referido com destaque a notícia de um jornal alemão (cujo nome não é referido) a notícia que transcrevemos:



“REI CINCO MINUTOS”
“O atentado contra a família real portuguesa deu morte instantânea a el-rei D.Carlos, mas o príncipe real sobreviveu a seu pai ainda alguns minutos. Há por isso quem pergunte se n’esses curtos instantes o sr. D. Luis Filippe foi ou não rei de Portugal.
Para dar aos nossos leitores uma resposta segura, consultamos o notável professor de direito da universidade Leipzig, o conselheiro Binding, e este senhor nos garante  que não pode haver a mais pequena dúvida de que, durante os minutos em que sobreviveu a seu pai, D.Luiz Filippe foi rei de Portugal, pois, segundo a lei constituinte portugueza, logo que fique vago o throno, é rei o seu legítimo sucessor, sem que seja necessário qualquer conhecimento ou proclamação.
Portanto, desde que o sr. D.Carlos exalou o  seu último suspiro, ficou D. Luiz Filippe rei de Portugal.
O que há trágico na historia deste jovem príncipe, é que foi indubitavelmente rei, mas rei entre o fogo das balas assassinas e sem nem um instante ter tido a consciência da sua realeza !...
Na notícia do régio e fúnebre cortejo de Lisboa, dever-se-ia dizer: o funeral dos dois reis de Portugal.
Na mesma terra, dois reis sucessivos, entraram na sepultura ao mesmo tempo. É caso único na história da humanidade.”

O tempo não pára e na tarde do dia seguinte presidindo ao Conselho de Estado, com o braço ao peito e envergando o seu uniforme de aspirante da marinha, o novo rei D. Manuel II confessou a sua inexperiência e falta de preparação e pediu orientação ao conselho. Este votou a demissão de João Franco e a formação de um governo de coligação, a que se chamou o Governo "de Acalmação", presidido pelo independente contra-almirante Ferreira do Amaral.
Muitos “cinco minutos” passaram mas a “Acalmação” só durou até 5 de Outubro de 1910. Nasceu a Primeira República, dividida entre esquerda e direita, conservadores e progressistas, seculares e religiosos, que se mostrou igualmente ingovernável.
Estão passados 110 anos. Qualquer semelhança com “tempos ingovernáveis” é pura coincidência !
JERO     


4 comentários:

Carlos Vinhal disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Carlos Vinhal disse...

Muito obrigado amigo José Eduardo. É sempre bom lembrar factos importantes da nossa história, quase recente, ainda mais tratando-se do assassinato de um dos mais cultos reis de Portugal. Desde há muito e até hoje, Portugal foi sempre um país na corda bamba, mal governado e esbanjador.
Abraço do amigo Carlos Vinhal

Anónimo disse...

É bom lembrar factos importantes da nossa História, apesar deste ter sido um acontecimento bem trágico e que originou mudanças de regime no país.
Foi uma pena, no meu entender.
Obrigada pela crónica deste rei, simpático e muito culto.
Um abraço.
M Arminda

Hélder Valério disse...

Ora pois então....

Temos aqui um artigo interessante, que o amigo JERO produziu, a propósito ou a pretexto, do 5 de Outubro.

Ora é sabido e consabido que a data de 5 de Outubro pode ser utilizada para comemoração de algumas efemérides mas, na versão mais próxima, temporalmente falando, refere-se a 1910, data 'oficial' da Implantação da República, quando a mesma foi proclamada da varanda da Câmara Municipal de Lisboa, embora em várias localidades tal acção tenha ocorrido a 4 de Outubro, como por exemplo em Loures, Setúbal, Almada, Lagos, etc. Mas, como data mais longínqua de profundo significado para a Nação que é Portugal, temos o 5 de Outubro de 1143 em que se poderá centrar aí a Fundação de Portugal.

Mas em termos de datas o JERO optou por se referir ao caso do atentado/assassinato do Rei D. Carlos e do Príncipe Luís Filipe.

Para aqueles, como eu, que se interessam pela História e dos acontecimentos significativos que a compõem, o relato não é muito diferente do que já conhecia.
Não vou entrar em "bondades" e "maldades" da Monarquia e/ou da República, isso é assunto com 'pano para mangas' e as posições estão muito arreigadas: os monárquicos acham que a monarquia é que é boa e servem-se dos casos de hoje em dia para defenderem os seus pontos de vista. Isto não me parece sério pois não é correcto, quanto a mim, analisar, apreciar, acontecimentos passados à luz dos conceitos actuais. Por seu lado os republicanos replicam com os erros e degradação da vida ao tempo da monarquia mas parecem esquecer-se da prática vivida por estes tempos actuais.

Do relato e da sequência dos acontecimentos, o JERO lança para a mesa da "discussão" a questão de se saber se D. Luís Filipe foi, ou não, Rei.
Não sei me pronunciar, fundamentadamente, sobre isso.

De acordo com a "fita de tempo" parece ter havido, de facto um intervalo de alguns minutos entre as mortes de D. Carlos I e a de D. Luís Filipe.
Se se aplicarem critérios de "automatismo", ou seja, se o "regulamento dinástico" ou os critérios aplicáveis forem os de que no momento em que um rei expira o seu sucessor é automaticamente rei, então tivemos na nossa História mais um Rei, o D. Luís Filipe. Se assim não foi (ou não era), o Rei seguinte foi D. Manuel II. O "Notícias de Alcobaça" da época socorre-se da opinião de um professor da Universidade de Leipzig e toma partido pela opinião de que houve um "Rei por cinco minutos".
Como curiosidade é interessante mas pouco, ou nada, altera a situação conhecida: o Rei D. Carlos e o Príncipe Herdeiro morreram e o Rei que lhes sucedeu foi D. Manuel II.

A parte final do texto do JERO é que é para mim mais especulativa. Por ela podemos ficar a pensar que "os tempos ingovernáveis" estão aí. Há de facto sinais, semelhanças que podem ser preocupantes, mas acho que não nos devemos deixar 'embalar' por essas situações. Muito do que o Governo diz pode ser demagógico, distorcido, aumentado nos seus benefícios e/ou vantagens, obliterando as partes negativas mas, também muitíssimo do que a "oposição" refere, está ferida dessa mesma demagogia (agora de sentido contrário), distorcida quanto baste, eivada de rancor e de "mau perder", aumentando (quando não criando) situações 'adversas' ao Governo.

Portanto temos:
Um artigo interessante;
Um relato dos acontecimentos no Terreiro do Paço;
Uma especulação justa sobre o "Rei por cinco minutos";
Um "alerta" para a semelhança actual com situações passadas.

Pois que cada um faça as suas interpretações e as adopte.

Abraço a todos em geral e ao JERO em particular.

Hélder Sousa