MORTOS POR FUZILAMENTO NA
GUINÉ
JERO |
Mortes
reconhecidas na sinceridade das certidões de óbito: “Faleceu por fuzilamento”,
diziam. As autoridades guineenses pós-Luís Cabral falam em 500 mortos. O jornal
“Nô Pintcha” chegou a publicar uma lista de nomes. Mas os sobreviventes
calculam que pelo menos um milhar terá comparecido diante do pelotão de
fuzilamento - alguns em aeroportos e campos de futebol, diante das populações.
Apetece-me
começar por dizer que este triste e trágico tema, que em termos pessoais desde
sempre incluímos na chamada “descolonização exemplar”, foi há muito esquecido…
Como um
amigo e ex-militar do “quadro” me disse quando lhe referi “os falecidos por
fuzilamento” há coisas que… não interessa lembrar. E é melhor esquecer !
No que me
diz respeito - e por diversas razões – não consigo “apagar” das minhas memórias
da guerra do Ultramar a história dos fuzilamentos da Guiné. E já lá vão mais de
50 anos…mas ainda restam testemunhos credíveis.
Socorrendo-me
de textos de Eduardo Dâmaso e Adelino
Gomes recordamos que “… ainda a comissão executiva do PAIGC não tinha
ocupado as cadeiras do poder, em Bissau, no Outono de 1974, e já alguns dos
mais destacados militares africanos do contingente português na Guiné começavam
a ser fuzilados.
O destino dos cerca de 27 mil guineenses que
faziam parte do contingente português na província, à data de 25 de Abril de
1974, começou por ser objecto de discussão no primeiro encontro entre as
delegações de Portugal e do PAIGC, em Maio e Junho desse mesmo ano, mas não
consta nem do texto principal nem dos anexos do chamado acordo de Argel,
através do qual a antiga potência colonial reconheceu o Estado da Guiné-Bissau.
Todavia, foi
num desses encontros das delegações de Portugal, integrada por Mário Soares,
Almeida Santos, Jorge Campinos e o general Almeida Bruno, com a do PAIGC,
representado por Pedro Pires e José Araújo, que a questão foi abordada.”
O General
Almeida Bruno por diversas vezes recordou publicamente que levava indicações
claras de Spínola: “Ninguém tocava nos africanos, não só nos oficiais e
sargentos do Batalhão de Comandos, como nos comandantes das milícias, que
tinham cerca de 20 mil homens com insígnias e uniformes próprios”. Intenções
rapidamente desmentidas pelo vertiginoso curso dos acontecimentos.
Para o
General Almeida Bruno, resulta claro que o PAIGC aceitou a integração daqueles
militares. Ou na vida militar ou na vida civil. “Mas o que aconteceu não foi
isso e o PAIGC fuzilou barbaramente a maioria dos meus oficiais africanos do
batalhão de Comandos”.
O General
Almeida Bruno conseguiu fazer sair do país Marcelino da Mata, o mais lendário
de todos os combatentes africanos.
As
companhias africanas e os soldados milícias constituíam uma potencial terceira
força que alguma falta de tacto poderia fazer emergir de um momento para o
outro.
A questão
preocupou, como é de calcular, os representantes locais do MFA, nas semanas que
se seguiram ao golpe de Estado.
Logo após o
25 de Abril, os militares guineenses que combateram o PAIGC começaram a dar
sinais de inquietação.
Necessitados
de garantir um processo sem sobressaltos os representantes locais do novo poder
em Lisboa procuraram obter do PAIGC o compromisso de que nenhuma
represália seria exercida sobre guineenses que haviam integrado as forças
portuguesas.
Tarefa tanto
mais complexa quanto muitos dos militares mais graduados pareciam não ter
entendido ainda o sentido dos ventos da História. “Nós, os futuros coronéis,
queremos que o nosso general Spínola venha cá fazer-nos a entrega da Guiné”,
disse por estas palavras, ou outras de significado semelhante, um oficial
nativo ao comandante de uma das unidades operacionais.
Os dados
disponíveis para reconstituir objectivamente como tudo começou e se desenvolveu
são ainda pouco seguros. Há quem se recuse a falar e os que o fazem confundem
muitas vezes as datas e parecem afectados por um grande ódio ao PAIGC.
Sabe-se que
muitos dos soldados e oficiais, ao apresentarem-se em Janeiro nos quartéis das
FARP, foram mandados para a embaixada de Portugal em Bissau, onde, minutos
depois, blindados os dispersaram.
O então
chefe do Estado-Maior do Exército do PAIGC, Umarú Djaló apareceu junto à
embaixada portuguesa num dos blindados e gritou-lhes: “Deviam ter vergonha por
estar ali a pedir alguma coisa, deviam de ter vergonha de ter sido comandos!”
Os que não
abandonaram o país cruzando a fronteira para o Senegal, viram-se pouco depois e
uma vez mais confrontados com o PAIGC, que logo após o golpe de 11 de Março, em
Lisboa, lançou uma gigantesca operação de limpeza entre os ex-soldados comandos
e milícias.
“Acusaram-nos de querermos fazer um golpe. Sem armas? Os soldados portugueses controlaram a entrega das armas. Mas, ainda que houvesse desconfianças, onde estavam as provas? E mata-se sem julgamento?” - perguntava-se muito anos depois.
“Acusaram-nos de querermos fazer um golpe. Sem armas? Os soldados portugueses controlaram a entrega das armas. Mas, ainda que houvesse desconfianças, onde estavam as provas? E mata-se sem julgamento?” - perguntava-se muito anos depois.
Mansoa,
Bissorã (antiga Teixeira Pinto), Bula e Cachungo foram localidades onde
ocorreram muitas das execuções.
Em termos
públicos “os assassinatos acabaram com o golpe de 14 de Novembro de 1980”,
liderado pelo presidente e antigo guerrilheiro Nino Vieira. “Mas, secretamente,
continuaram”, acusam muitos, calculando em mais de mil os assassinados”. Se
continuaram depois do golpe de Nino Vieira, não se sabe, mas, que persistiram
até muito próximo dele, isso é certo.
Malan Sissé |
"Depois da 'Revolução de Abril' e da
Independência da Guiné, Malan Sissé, também conhecido em Binta por Malan
Griffon Sissé, foi morto (sem
qualquer sombra de julgamento) no Senegal onde se refugiara, tentando fugir ao
destino que lhe traçaram.
Mais recentemente tem participado nos
nossos convívios João Turé um dos sobrinhos do malogrado Malan, o nosso grande
e saudoso guia, que a Companhia de Caçadores 675 guarda na memória como um dos
nossos mortos em combate.
Aqui fica mais uma distante
memória da chamada “descolonização exemplar”.
JERO
3 comentários:
Este é um assunto demasiado penoso para mim.
Lembro-me dos meus bravos do Pel Caç Nat 52 e muito especialmente dos da C. Caç. 15, onde segundo informações que me chegaram, foram realmente muitos os fuzilados.
É uma profunda e vergonhosa chaga na história de Portugal.
E mais não digo!
Rezo por eles!
Abraços
Joaquim Mexia Alves
Obrigado Joaquim Mexia Alves.
Recordei-me agora que pouco antes de partirmos da Guiné em meados de 1966 tentámos conseguir autorização para trazer connosco o guia Malan. Passaria 6 meses na Metrópole a expensas nossas mas não foi possível.
Mas em finais dos anos sessenta (ou princípios de setenta) o Malan foi galardoado com o Prémio Governador da Guiné e "ganhou"um mês em Portugal com viagem e estadia pagas pelo Governo.
"E quando ele chegou a Lisboa...'raptámos' o Malan do Depósito Geral de Adidos (Calçada da Ajuda) e só o 'libertámos' para regressar a Guiné.
A memória desse mês feliz de Malan Sissé em Lisboa ninguém nos tira.
Até breve se Deus quiser.
JERO
Obrigada por este testemunho, amigo JERO.
Sempre me soou aos ouvidos esses trágicos acontecimentos depois da independência e fiquei chocada ao saber que o Luis Cabral viera para cá, penso que até findar os seus dias!...
Uma página negra da nossa história recente, que perdurará nas nossas memórias.
Algumas vezes penso no que terá acontecido ao Afonso, filho de um oficial de "segunda linha", que fora serviçal da nossa casa, ao serviço da FAP.
Um abraço
M Arminda
Enviar um comentário