O FÉLIX E O “MORTEIRO 60"
Manuel Frazão Vieira |
O Félix era, é, natural
da cercania de Torres Novas. Um torrejano humilde, bom rapaz,
educado e alto quanto baste. Fazia parte do meu Grupo de Combate, o
1º Grupo da Independente CCAV 8351, tão zelosamente, comandada pelo meu
bom amigo e nosso camarigo da Tabanca do Centro, o ex-Cap.
Mil.º Vasco Augusto Rodrigues da Gama.
Conheci o Félix na noite de 10 de Julho de 1972,
no RC3 (Regimento de Cavalaria 3), em Estremoz, vindo
de Castelo Branco, onde ele e seus companheiros tinham terminado a recruta. Iam agora fazer a especialidade, dar corpo à CCAV 8351. Partiríamos todos em 27 de
Outubro deste mesmo ano de 1972 para a Guiné-Bissau,
donde regressaríamos a 27 de Agosto de 1974.
Já no Teatro das Operações,
investi todos os companheiros do meu Grupo de Combate das principais
tarefas e responsabilidades que se exigiam para o bom exercício da tarefa
militar-operacional e que se impunham numa situação de guerra de
guerrilha traiçoeira e subversiva com o sucesso ou
insucesso aferido e dependente de uma atempada manobra de informação ou
contra-informação. Todos e cada um, no meu Pelotão, sabiam o que fazer
numa situação de conflito. Talvez, por isso, bem organizados e disciplinados,
penso, os mesmos que embarcaram comigo para a Guiné, foram os
mesmos que comigo regressaram. Viemos todos, graças a Deus!
Ao Félix coube a responsabilidade do
transporte e manuseamento do "morteiro 60" em todas as
operações. Não faço a mínima ideia, não me lembro, por que motivo
lhe atribuí aquela tarefa e responsabilidade. Provavelmente, pelo seu
espírito de total disponibilidade e iniciativa, admito ter sido ele
próprio a disponibilizar-se para o efeito.
Em 6 de Janeiro de 1973, pelas 06H00, o
meu Grupo de Combate sai de "Berliet" do aquartelamento de
Aldeia Formosa em direcção a Mampatá com o objectivo de fazer um
patrulhamento a Colibuia, lá para os lados do inferno de Cumbijã em
direcção a Guidali, passando por Dubichenque.
Alguns quilómetros depois de Mampatá,
somos "descarregados" da "Berliet", estaríamos já a uns 25
Kms de Aldeia Formosa prontos para iniciar o patrulhamento
a caminho do objectivo - Colibuia. É, então, aqui que surge a narrativa do
"morteiro versus Félix".
Ainda alguns companheiros desciam da "Berliet",
naquela manhã fresca de nevoeiro, quando o Félix se chega junto
a mim, muito triste, cabisbaixo, enrolando as palavras que queriam sair,
em catadupa e imperceptíveis, mas, que ouvi: "Oh!, meu
Alferes, esqueci-me do morteiro, no quartel". Tremi, mas não caí. O Félix, naturalmente, temia o pior. Porém, nada lhe aconteceu, pois, teve a minha
compreensão. Quem nunca falhou na vida que atire a primeira pedra!
A "Berliet" ainda não tinha
regressado ao quartel e, depois de eu ter informado imediatamente o condutor do
acontecido pedi-lhe para esperar um pouco. Num ápice dei a notícia ao pelotão e
reuni rápido, no local, com os meus três excelentes Furriéis, o Albuquerque, o
Costa e o Martins. A minha proposta era voltar ao quartel para trazer o
"morteiro 60". Sentia-me confiante e protegido com aquela arma
ultra ligeira de apoio de infantaria, por ser uma arma de grande precisão em
todas as fases de combate no apoio de fogo ao nível de pelotão ou de companhia.
Não arriscava sair dali sem aquela arma protectora.
Eu tinha de decidir e decidi. Decidi ir
buscar o morteiro esquecido - não havia tempo a perder. Quem vai,
quem não vai com o condutor - que, simpaticamente, se tinha apercebido da minha
angústia e tinha cedido ao meu pedido. Fui eu próprio, acompanhado,
também, do aflito Félix e mais quatro seguranças. Correu tudo bem,
mas tenho consciência que fiz o que nunca deveria ter feito, em termos de NEP's
e ordem militar, pelo facto de, unilateralmente, ter suspendido o comando do
pelotão, numa zona de guerra, zona operacional.
Assumi a responsabilidade, arrisquei seguro
e consciente do valor dos três bons Furriéis que tinha num Grupo de
Combate adulto, homens bem formados e que nunca me abandonaram. Pretendi com a
minha deslocação ao quartel poder resolver males maiores de
cariz superveniente e, caso fosse necessário, explicar aos meus
superiores o porquê daquela aventura, nomeadamente, dar cobertura justificativa
à louvável atitude do condutor que, voluntariamente, se tinha prontificado a
ajudar-me. É que, é importante saber pedir!
Manuel Frazão Vieira
3 comentários:
SÓ!!!!!Um grande abraço,camarigo Manuel Frazão Vieira...Pela tua nobre atitude.....
Fizeste-me muita falta, Manuel Frazão Vieira.
Roubaram-me o melhor Alferes para a Chamarra, sem me darem cavaco; sorte a tua que não viveste o inferno do Cumbijã/Nhacobá!
Quanto aos teus furriéis- grandes homens- o Costa e o Azambuja Martins. Que bem se portaram para as bandas de Nhacobá!
O Felix continua meu amigo e a telefonar-me amiúde.Quando a saúde era mais robusta encontrava-me com ele com o Zé Carlos e com o Felício para trincar em casa de um ou de outro e também num restaurante que serve um bacalhau de se lhe fazer continência!
Grande abraço e até breve se me conseguir endireitar....
Vasco A. R. da Gama
Caro Manuel Vieira
Só agora li este artigo.
Percebe-se a angústia da necessidade de uma tomada de decisão e das responsabilidades daí decorrentes.
Fiquei com a ideia que tudo foi muito bem 'pesado', muito bem pensado.
E, felizmente, saiu bem.
Um abraço
Hélder Sousa
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