domingo, 17 de março de 2024

P1462 - AMARGAS RECORDAÇÕES...

                                   IRMÃOS DE ARMAS

E de repente extinguiu-se-lhe nos olhos o olhar!

Um daqueles que estava sentado à mesa, bastante mais novo do que todos os outros, ficou admirado e perguntou a quem estava ao seu lado o que se passava com aquele cujo o olhar se tinha alheado.

Respondeu-lhe o que era mais velho e tinha por lá passado:

Não te preocupes, porque ele foi viajar ao equador, passear nas bolanhas do calor, visitar as matas do horror, caminhar nas picadas da dor e enfrentar a guerra do desamor.

Agora não está cá, está mais longe, está por lá!

Mas não te preocupes que ele vai voltar, assim que a recordação o deixar.

Já ninguém olhava para ele, porque todos percebiam aquilo que com ele se passava.

Iam conversando, comendo, bebendo, as vozes elevavam-se por cima de tudo o resto e ele continuava com o seu olhar absorto, passeando por onde ninguém já se encontrava.

Passado um pouco de tempo o seu olhar ausente, regressou ao presente.

Havia nos seus olhos uma espécie de lágrimas, uma espécie de dor, uma espécie de torpor, que ele com um abanar de cabeça, quis afastar daquele momento, mas de tal modo, que um daqueles que estava a seu lado lhe perguntou:

Estiveste por lá agora, não foi?

Ele respondeu com um tom decidido e afirmativo:

- Sim, andei a passear por aquelas picadas, aquelas bolanhas, aquelas matas, onde tantos de nós ficaram, mas onde se construiu a amizade entre nós, que eu ainda não sei explicar.

Olharam-se nos olhos e aqueles que estavam na mesma mesa perceberam o que se passava.

Pois, porque os outros que não tinham vivido aquela guerra, não conseguiam perceber o que se tinha passado naqueles breves e profundos momentos.

Olharam-se, sorriram, os olhos marejaram-se de lágrimas e disseram uns aos outros:  Que aqueles que lá ficaram, estejam connosco agora, enquanto nós aqui estamos celebrando o que passámos.

Todos perceberam que o coração os oprimia, os levava a viver aquilo que já não queriam viver, mas que tinham vivido um dia.

Olharam-se nos olhos mais uma vez, pensaram nos que não percebem aquilo que por eles passaram, e num breve momento de silêncio, perceberam que todos eles falavam afinal a mesma língua.

Raios partam a guerra, disseram uns, e os outros anuíram dizendo:

Raios partam a guerra, que nos mói por dentro, sem sabermos quanto e quando.

Aquele que tinha começado aquele momento, estava ainda meio afastado de tudo o que se passava, porque não sabia o que havia de dizer, não sabia o que tinha sentido, não sabia como se exprimir.

Então um deles, cheio de coragem, levantou a voz e disse:

- Nós somos muito mais do que nós próprios, somos muito mais do que a opinião dos que pensam mal de nós, somos muito mais do que aquilo somos, porque com estas mãos, com este sentido que temos, com este viver que vivemos, somos tudo aquilo que fomos, mais do que ainda somos, mais do que podemos sentir, porque no fundo, meus caros camaradas, nós somos tão só e apenas, verdadeiramente, Irmãos de Armas!

Joaquim Mexia Alves

2 comentários:

Hélder Valério disse...

Caro Joaquim

Esse tipo de sentimentos, de atitudes, ainda está bastante presente em muitos dos nossos camaradas de armas.
Não sei quantificar se hoje em dia são mais ou menos.
Talvez as duas coisas.
Um "menos", porque a lei da vida vai levando cada vez mais os "homens do nosso tempo".
Um "mais", porque com os anos a correr assim tão depressa esses sentimentos assaltam-nos cada vez com mais força.

Acho que é o "nosso destino" ter de viver com isto, mas o mais importante é que se possa falar com quem nos entenda e tu fizeste isso, relatando esta situação, ficcionada, ou não, e procurando dar as pistas para que as pessoas, as que estão retratadas na história e as outras, possam compreender.

Abraço, amigo Joaquim.

Hélder Sousa

Juvenal Amado disse...

Podemos ser diferentes
podemos defender outros horizontes
podemos até concordar em discordar
Mas seremos sempre irmãos de armas

Um abraço Joaquim