Aproveitando
a disponibilidade do nosso camarigo Helder Valério Sousa para ver publicados neste blogue alguns textos da sua lavra anteriormente editados pela Tabanca
Grande, resolvemos avançar com a recuperação de algum desse material publicado
em devido tempo na Tabanca Grande mas que hoje se vê “tapado” por material
editado posteriormente, não sendo por isso do conhecimento de uma boa parte dos
leitores deste nosso blogue.
Além
disso os leitores não serão necessariamente os mesmos…
Por
esses motivos avançámos com a publicação deste primeiro texto recuperado, com a
devida vénia ao Hélder Sousa, seu autor, e aos editores da Tabanca Grande, que
o publicaram.
Os
editores
A BAZUCA EM RAJADA
A sua lembrança foi motivada por um comentário do Alberto Branquinho a uma minha história anterior, em
que ele sublinha que a sua insistência em negar-se a “falar de si ou do seu
umbigo” tem como alvo “aqueles que falam/escrevem só e sempre sobre o seu
próprio umbigo”. Acho que o compreendo!
Por outro lado tive
sempre a tentação de reagir a um artigo publicado num Poste da Tabanca Grande, que é uma espécie
de carta escrita pelo Luís Graça a um seu amigo (o Tony Levezinho)
transformando-o em interlocutor imaginário daquilo que observou durante uma
estadia em Bissau quando, durante algum tempo, esteve “desenfiado” do
“Vietnam”.
Para além de
considerar essa carta muito interessante, pelo seu conteúdo, pelos
pressupostos, até por referir algumas situações ou episódios que eu, ao tempo,
“vivia” cá na chamada “Metrópole”, e também para além de retratar, com bastante
azedume, aliás, alguma da “fauna” de Bissau, há lá um aspecto que eu próprio
testemunhei mais tarde, provando que, nesse capítulo, pouco ou nada se alterou
entre o “tempo” do Luís e o meu “tempo”.
Refiro-me ao facto “as
tropas especiais” normalmente se “pavonearem” por Bissau, nos períodos em que
por lá andavam. Mas, em termos de “exageros de actividade operacional”, também
havia, e muito, quem gostasse de contar as suas histórias, as suas aventuras,
os seus actos inigualáveis de heroísmo, sempre mais, maiores e mais ousados que
o do “contador” antecedente.
Sempre tive alguma
dificuldade em entender porque deveriam ser “heróis” aqueles que tinham (têm)
como mérito o “saberem matar muito, destruir muito”, em detrimento daqueles que
“salvaram, construíram, ajudaram, muito ou pouco”. Certamente será um problema
meu, que passará com o tempo... ou então, não!
Foi então a junção
destas duas lembranças, “os que falavam de si” e os que exageravam até à
náusea, que me fez recordar este pequeno episódio.
Num daqueles dias em que a paciência estava esgotada, vá lá agora lembrar-me porquê, em que não havia paciência para aturar as fanfarronices, as idiotices desbocadas, o exacerbamento do ego de alguns daqueles elementos da “fauna” de Bissau, estando no bar de Sargentos de Santa Luzia, depois do almoço, deixei-me estar na roda de “heróis” que contavam as suas façanhas.
Como disse, a
paciência não era muita e depois de ouvir três ou quatro episódios em que
haviam sempre emboscadas com, invariavelmente, dois bigrupos (não sei porquê,
mas isto dos dois bigrupos era infalível, parecia o Juca Chaves a parodiar o
Gary Cooper), em que os personagens “contadores da história” acabavam por ser o
elemento decisivo para a resolução do problema e em que em resultado da sua
acção os elementos do IN caíam que nem tordos, a fazer lembrar os filmes de
“faroeste” com os índios a serem dizimados às dúzias, não me contive e disse
que também tinha uma história parecida para contar.
Então eu disse que
também se tinha passado comigo uma situação semelhante às que eles tinham
estado a contar, que tinha ocorrido numa coluna em que vinha inserido, pouco
depois do K3 (era sempre bom referir estes locais de respeito), a qual caiu
numa emboscada medonha, eram pelo menos dois bigrupos, talvez até três, e em
que a rapaziada ficou tão surpreendida que saltámos dos “unimogs” e alguns até
abandonaram os seus equipamentos.
Os “gajos” estavam em
cima da gente, a coisa estava feia e eu, que até nem era nada dado a actos de
heroísmo, nem sei o que me passou pela cabeça, saltei do chão, agarrei na
bazuca que tinha ficado em cima da viatura, coloquei-a junto à cintura,
enfrentei os gajos fazendo a “menina” cantar… rá tá tá tá tá tá tá tá, rá tá tá
tá tá tá tá tá,. Com esta minha intervenção os tipos assustaram-se, a nossa
malta ganhou ânimo e conseguimos abortar a emboscada com poucos feridos e
causando inúmeras baixas ao IN.
Propuseram-me um
louvor e colocaram-me na “Escuta”. Era por isso que agora eu estava lá.
Aí eu disse: Ai não? E
porquê? Na minha história dispara, sim senhor! Então vocês podem contar as
histórias como querem, com as invenções que entendem, e eu não posso? Pois
estão enganados, na minha história há uma bazuca que dispara em rajada e vai
ficar sempre assim, porque essa é a minha verdade, vocês fiquem com as vossas!
Passem bem!
Após esta saída de
cena, houve desmobilização geral. Alguns ainda pretenderam empertigar-se um
bocado, sentindo-se ofendidos na sua honra, pela dúvida lançada quanto à
veracidade das suas histórias, mas foi sol de pouca dura pois começaram a
discutir entre eles, cada qual desmentindo os outros.
Reconheço que foi uma
atitude pouco conciliadora e certamente injusta para com aqueles que na verdade
enfrentaram reais situações mas, como disse, a paciência tem limites e, também
em boa verdade, aquelas conversas já enjoavam. Mas foi quase “remédio santo”
pois durante bastante tempo não houve bigrupos…
E pronto, esta
história já está!
Um abraço para toda a
Tabanca!
Hélder Sousa
Fur. Mil. Transmissões
TSF
4 comentários:
Ora bem, cá para mim havia bazucas com rajada, pois claro, nem que fosse de verborreia!!!!
E por cá pela Metrópole também se iam encontrando uns gajos que contavam histórias da guerra e depois se percebia que nunca lá tinham estado!!!
Grande abraço
Joaquim
Gostei amigo Hélder. Ainda há umas duas ou três semanas ao ler a revista do correio da manhã numa das páginas que refere “A minha Guerra” e e com o título, “ Não me esqueço do Unimog a sair com 14 urnas em cima”. Comissão Guiné (1969-1971), Fiquei curiosa li e fotografei os dados do narrador e a parte que me interessava da narração, que transcrevo:” ...Mamórias duras...Uma coisa que me ficou para sempre na memória foi que quando íamos a entrar na porta de armas vinha a sair um Unimog com 14 urnas em cima. As urnas estavam cheias com catorze paraquedistas que foram mortos no ar, como quem mata tordos...” Sinceramente que nunca ouvi tal história contada por alguém e fiquei perplexa e indignada.
Como diz o amigo Hélder , haja paciência!..
Um abraço
M Arminda
Esta história contada pela Maria Arminda é inenarrável!!!
E o gajo que diz uma coisa destas a um jornal não tem vergonha na cara!!!!
Para além de tudo julgo que nunca houve sequer uma operação na Guiné em que os para-quedistas saltassem de pára-quedas!!!
Que vergonha!!!!
Abraços
Joaquim
Caros amigos
Sem dúvida que isto de fanfarronices é qualquer coisa de tirar a paciência a um santo, quanto mais a um simples mortal.
E há coisas que nos fazem "ferver"... como aquilo que a estimada amiga Arminda refere.
Já é por demais conhecido que essa página co Correio da Manhã, que poderia ter de facto algum interesse documental, em termos de registo de memória é, muitas vezes, demasiadas vezes, uma oportunidade para a passagem de uma feira de vaidades.
Fico sem saber se só da parte do personagem que presta o "depoimento" se também por parte do jornal que pode "trabalhar" os textos para obtenção do que pensam ser um "melhor efeito".
Enfim, o que relatei não foi fantasiado, foi mesmo assim, naquele dia estava mesmo sem poder aturar aquelas tretas e saiu-me aquilo.
Já agora aproveito para dizer que o amigo que está comigo na foto que ilustra a Bar de Sargentos de Santa Luzia chamava-se Boavida e era de Almeirim, tendo pertencido ao mesmo pelotão que eu no 1º Ciclo do CSM em Santarém.
A resolução da foto não dá para ver bem mas na prateleira ao fundo do balcão do Bar estão umas belas garrafas de wishky, daquelas caras, de 170$....
Abraços
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