CONVERSAS IMPROVÁVEIS SOBRE A GUERRA
Tens
saudades da guerra???
Não,
claro que não!
Então?
Não,
não tenho saudades da guerra, mas de quando em vez instala-se uma espécie de
nostalgia, uma qualquer coisa inexplicável, que me leva até àquele tempo,
àqueles lugares, sobretudo àqueles que comigo estavam e sentiam a mesma tensão,
o mesmo perigo e, por vezes até, o mesmo alheamento.
Mas
o que significa isso?
Não
sei, não consigo explicar. É como se por momentos ali quisesse estar outra vez,
não debaixo de fogo, claro, mas vivendo aquele constante sentimento de
insegurança que nos tornava mais perto uns dos outros.
Então
não são realmente saudades da guerra?
Não
claro que não! Como poderia ter saudades de algo que é destrutivo, que mata,
que nos torna por vezes quase indiferentes.
É
estranho isso.
Sim,
eu sei que é estranho, que é inexplicável, mas a verdade é que o sinto por
vezes, e isso torna-me nostálgico, uma tristeza quase calorosa, que me
transporta para aquele calor, aqueles cheiros, aquela terra vermelha, aquele
pulsar de vida que se via na natureza, constantemente.
São
então recordações boas?
Não
direi que são boas recordações, embora algumas delas o sejam, mas um misto de
verdade, de realidade, de sentimento onde não há fingimento.
Não
há fingimento?
Sim,
pelo menos eu nunca me coibi de chorar quando sentia vontade de chorar, nem de
rir quando tinha vontade de rir. Era apenas eu, talvez um pouco imberbe a ser
curtido pela vida, mas a descobrir em cada momento um novo alento, um novo
querer viver, um novo respirar.
E
de tudo isso o que mais te impressionava?
Sei
lá eu bem! Ver gente diferente de mim, mas que eu sentia e vivia como meus
irmãos de armas. Costumes diferentes, falas diferentes, sentires diferentes,
mas que se extinguiam quando chegava o momento de todos sermos um. Sentir que
podia contar com eles e que eles podiam contar comigo.
E
a guerra? O mato, os tiros, os ataques?
Graças
a Deus foram relativamente poucos. No início vivia-os como momentos de
incredulidade, ou seja, pensava como era possível alguém querer matar-me ou eu poder
matar alguém. Depois eu, que sou um nervoso constante, ficava numa calma que
não sei explicar e fazia o que tinha a fazer. Finalmente vinha o alívio quando
tudo acabava.
Então
é disso que tens saudades?
Não,
nem pensar! Tenho saudades, se assim lhes posso chamar, do depois e dos
momentos em que nos juntávamos para conversar, para dizer coisas, por vezes sem
sentido, para nos rirmos, para criticarmos, enfim, para nos unirmos em torno da
situação que vivíamos.
Voltavas
para a guerra?
Com
a minha idade, com certeza, que não sou preciso. De qualquer modo, se o país mo
pedisse, não teria dúvidas em fazê-lo. Mas, melhor do que isso, haveria de
lutar primeiro para que nunca se chegasse a uma situação de guerra, porque a
guerra nunca resolve nada. Apenas faz vítimas e alimenta ódios.
Estás
em paz?
Sim,
em relação à guerra estou em paz, embora de vez em quando os “fantasmas” desse
passado me visitem e incomodem, mas acabo sempre por encontrar o bem maior que
é a fé cristã que me alimenta e faz viver no dia a dia.
Marinha
Grande, 30 de Setembro de 2024
Joaquim
Mexia Alves